EDITORIAL

As IPSS e a factura da crise

1. Um novo pacote com medidas de austeridade foi anunciado. São mais alguns cortes na despesa e mais alguns impostos para reforço da receita. Nada que propriamente não fosse esperado e a que já não se esteja habituado. O argumento permanece inalterável: a culpa é da crise mais grave dos últimos oito decénios. Mas, claro, crise internacional, porque “nós por cá, todos bem”…. Até teremos sido dos últimos a senti-la e dos primeiros a sair dela!

Depois de cíclicas “boas notícias” porque num qualquer momento o desemprego tinha diminuído em cerca de uma décima (quando e por quanto tempo?) ou porque em igual décima tinha melhorado a economia portuguesa (onde está a sua consistência?), já se sabia: faltava o anúncio de mais austeridade.
Com cortes, é evidente. Corta-se na despesa e é para aí que é preciso desembainhar as espadas. Mas cortes em massa salarial. Cortes com congelamento de abonos de família e de pensões, com congelamento em admissões, progressões e promoções. Cortes com reduções em ajudas, despesas de saúde, encargos, indemnizações compensatórias, investimentos, prestações sociais, rendimento social de inserção e transferências para sectores como o ensino. Cortes também, e até que enfim, com extinções ou fusões de organismos públicos.

De cada vez a doer mais, mas agora com uma nuance: ninguém fica a rir. Penalizam-se os mais fracos, aparentemente sem se beneficiar ninguém. O próprio Estado também será beliscado. Já não é sem tempo. Porém, ficam a pairar por aí algumas réstias de uma justiça que tem sido negada.
Quanto ao aumento da receita do Estado, natural e inevitavelmente, far-se-á com um sério agravamento fiscal, o que provavelmente arrastará nova recessão.
Há alguma consonância nos ecos que se fazem ouvir: uns dizem que a austeridade é necessária, outros que peca por demasiado tardia e outros, ainda, que não será suficiente e que demonstra a inoperância do Governo.
Uma constatação parece sobressair: é um pacote cego para terapia de uma realidade negra. E já não são muitos os que sobram para acreditar na sua eficácia.

2. Algumas perguntas e dúvidas ganham consistência: Quando é que aparece alguém a mostrar que os sacrifícios de hoje são sementes lançadas de uma nova aurora que despontará em tempo determinado e de um amanhã mais risonho que a todos abraçará? Como construir o futuro sem horizontes de esperança? Como vai reagir a sociedade? E como ficam os muitos que já estão muito mal e que vêem agravada ainda mais a sua situação? E em termos de segurança, o que estará para acontecer?
As Instituições de Solidariedade já estão habituadas a enfrentar crises e a minorar os seus efeitos. Aliás, quem como elas tem contribuído para uma sociedade mais coesa, com lugar para todos?
Apesar das dificuldades que crescem, os dirigentes das Instituições não debandam: cerram fileiras e não se demitem. Firmemente mantêm os seus serviços, abrem refeitórios sociais, apostam na qualidade, atraem desempregados para os seus serviços, investem na reactivação da economia em zonas mais deprimidas e disponibilizam-se para dar utilidade social a equipamentos devolutos com serviços de proximidade.

3. Mas esta crise está a ser especialmente penalizadora para as Instituições de Solidariedade. Aumentam as solicitações na mesma proporção em que diminuem os contributos da comunidade, as comparticipações dos seus utentes e a sensibilidade do próprio Estado.
Exactamente, talvez o Estado não esteja interessado na cooperação com o Sector Solidário: quando tudo está tão difícil para todos e muito especial para as Instituições de Solidariedade, multiplicam-se as exigências, erguem-se os zelotes a anunciar encerramentos, contraem-se os objectivos, tolhem-se os movimentos. E sobram as sobrancerias: de quem nada faz com o seu próprio sacrifício e tudo exige a quem tudo dá com descabidas ameaças. Talvez assim alcancem alguma espécie de melhoria e solidificação do seu estado no seio do próprio Estado, desviando-se da sua missão de servidores para se guindarem a um trono de uma realidade de sonho que alimentam e não partilham.

São os agentes de um Estado que mexe e remexe, chateia e enfraquece.
Enfraquece os agentes sociais porque os desincentiva e impede o envolvimento e a solidariedade da comunidade. E enfraquece-se a si próprio porque, quando se arvora em carraça, embarga os movimentos de quem faz aquilo que, sobretudo, é obrigação de um Estado de direito e social.
O país é tão pobre porque é tão rico em escolhos. Mas poderia ser bem mais justo se, sempre, mas muito especialmente em tempo de tão agravante crise, algumas exigências não fossem tão exorbitantes e só compreensíveis em países ricos – aliás, sensatamente, eles, os ricos, já abandonaram essas excessivas exigências e por isso não sentiram tanto os efeitos da crise.
Quer-se crer que o zelo, a morosidade, as exigências e os avanços e recuos nas tardias e prolongadíssimas negociações de protocolos não escondam uma vontade não revelada de dar tempo ao tempo para que o zelo excessivo enfraqueça irreversivelmente o supremo valor da solidariedade, mas tão-somente o dar tempo ao tempo de procurar os melhores caminhos numa cooperação com lealdade.

Lino Maia, Presidente da CNIS 

 

Data de introdução: 2010-10-07



















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