OBRAS SOCIAIS DE VISEU

Instituição trabalha para ser vista como um parceiro sério e credível

Completou há pouco 57 anos de atividade, mais de cinco décadas com uma história peculiar e de resiliência, tentando fazer um trabalho de intervenção social e comunitária diferenciada e que tem na área da formação um dos principais eixos motores da instituição. As Obras Sociais do Pessoal da Câmara Municipal de Viseu e Serviços Municipalizados de Viseu, comummente designada simplesmente por Obras Sociais de Viseu, são hoje uma instituição muito diferente.
“A instituição foi criada por funcionários da Câmara Municipal de Viseu, porque à data os funcionários eram bastante mal pagos. Então, criaram uma resposta social que de alguma forma os ajudasse”, começa por contar José Carreira, presidente das Obras Sociais de Viseu.
Ao longo dos tempos, a instituição teve várias respostas, mas o forte, durante muitos anos, para além de ter um supermercado low cost e depois ter criado uma creche e um CATL, era a componente de apoio à saúde.
“Havia comparticipação de medicamentos e de consultas aos funcionários dos municípios associados das Obras Sociais. Porque, para além de Viseu, outros municípios aderiram e associaram ao projeto, casos de Mangualde, Penalva do Castelo, Sátão e Oliveira de Frades. As autarquias eram parceiras, os funcionários associados”, conta, prosseguindo: “Nessa altura, os municípios transferiam verbas para as Obras Sociais. O apoio à saúde era a primeira resposta e o que ligava o associado à instituição. Eram, então, cerca de cinco mil associados. Em 2009, esse financiamento dos municípios deixou de ser feito, porque houve o entendimento de que era ilegal, uma vez que os trabalhadores já beneficiavam da ADSE”.
Este é, então, o ponto de viragem das Obras Sociais, “porque, de um momento para o outro e sem aviso, a instituição perdeu mais de dois terços do financiamento”, sublinha José Carreira, acrescentando: “A partir daí, a instituição passou a sentir muitas dificuldades, também porque até aí viveu sempre numa zona de conforto. Até aí, tínhamos creche, pré, ATL e refeitório social. A partir daí, e fruto dessas dificuldades, começou a haver dificuldades também a nível diretivo. Perante o quadro, em regra respostas da infância deficitárias, saúde terminada, refeitório social inviável financeiramente, procurámos perceber o que podíamos fazer. Vimos que não havia nenhum apoio às pessoas com demência e aos seus cuidadores e avançámos nessa área. Estudámos que projetos a nível de intervenção social e comunitária poderíamos agarrar e começámos pela RLIS, agora SAAS, e depois os CLDS”.
E ainda alinhada com este propósito, a instituição criou a área de formação e projetos.
“Mais recentemente, avançámos para aquilo que é o nosso maior desafio, que é o Acolhimento Familiar de Crianças e Jovens, que começámos em setembro de 2022. Neste momento, temos 11 famílias em processo de formação para, depois, poderem acolher crianças. Todo o trabalho que poder ser feito para termos menos crianças e jovens institucionalizados é positivo”, sustenta José Carreira.
Como foi referido, a área da formação é um dos motores das Obras Sociais de Viseu, apesar de, atualmente, nem tudo serem rosas.
“A nossa formação está focada no cuidado, ou seja, é uma formação sobre áreas que nós trabalhamos, seja para cuidar de crianças, de pessoas idosas ou de pessoas com demência, seja para cuidadores formais ou informais. Esta é a nossa lógica de trabalho. Não vamos competir em áreas que não temos competência nem perfil. É assim que trabalhamos, seja formação não financiada, seja formação financiada, que já não há desde 2022. A formação é apenas uma das nossas áreas de intervenção, mas acaba por ser problemático não haver financiamento”, frisa o presidente da instituição, continuando a explicar como trabalha a formação: “Na formação financiada já tivemos dois modelos, para ativos empregados e para desempregados de longa duração. Depois, especialmente a partir de janeiro de 2023, como estamos sem formação financiada, estamos a tentar aperfeiçoar o modelo para termos formação não financiada no mercado. Isto faz sentido porque é uma coisa que se constrói, porque o público percebe que, como não somos generalistas, temos uma sensibilidade diferente para o tema, que são pessoas, profissionalmente, dessas áreas, não são apenas formadores. O percurso está a ser interessante, pois temos sentido bom feedback”.
E se a desgraça foi muita com a pandemia, ela ensinou muita coisa e revelou novas oportunidades.
“Uma vantagem da pandemia, talvez das poucas que teve, foi a formação online e com isso temos conseguido ter formandos do norte ao sul do país. No âmbito da formação financiada, como era presencial, o nosso público era mais as pessoas de Viseu. De um momento para o outro, era e é o país inteiro. É certo que também estamos a concorrer com o país inteiro, mas esta especificidade de a nossa formação estar alinhada com as nossas intervenções sociocomunitárias é vantajoso”, considera José Carreira.
Face à especificidade da formação e o modelo, os formandos são, essencialmente, de instituições do Sector.
“Temos tido muitos quadros técnicos de muitas IPSS. Especialmente nesta área das demências, porque há uma grande preocupação por parte das instituições. As pessoas já sentiam isso, mas com a pandemia procuram muito formação nessa área das demências”, afirma, revelando: “Um aspeto curioso foi a grande procura na área da infância, mas mais do pessoal auxiliar. Isto foi uma surpresa, porque trabalhávamos mais a área dos idosos, em especial a das demências, mas com a pandemia as pessoas dessa área deixaram de ter tempo para participar e, então, avançámos com a formação na área das crianças. E, surpreendentemente, percebemos que há interesse, há procura, porque as pessoas sentem muita dificuldade naquilo que é o processo de lidar com as crianças”.
No ano de 2022, as Obras Sociais de Viseu deram formação a 1066 pessoas.
Outra área em que a instituição aposta forte e é já uma referência a nível nacional é na área das demências.
“O Centro de Apoio Alzheimer de Viseu foi criado com o objetivo de informar, formar, sensibilizar e capacitar pessoas com demência e cuidadores de pessoas com demência. Para tal, temos respostas para pessoas com demência e cuidadores de pessoas com demência e uma terceira linha que tem que ver com a capacitação e sensibilização da comunidade. No fundo, fazer pressão sobre as entidades públicas, que são quem decide. Nesse sentido fazemos o seminário internacional «Conhecer, Compreender e Intervir», porque faz falta fazer este trabalho de sensibilização. Para além disto, também fazemos consultoria a outras instituições”, explica, deixando uma crítica e uma proposta: “Apesar de haver uma Estratégia Nacional para a Demência na área da Saúde, na verdade ainda não aconteceu quase nada. Por isso, defendo que mais do que uma estratégia, devia haver um Plano Nacional na área das demências para envolver saúde, social, comunidades, famílias e pessoas com demência”.
O Centro de Apoio Alzheimer de Viseu, no ano de 2022, fez 348 atendimentos, 670 acompanhamentos e formação a 383 pessoas.
Desde sempre, a área da infância esteve na atividade da instituição, ou não fosse o lema da instituição “dos quatro meses aos 104 anos”.
Atualmente, a instituição acolhe 42 bebés em creche, 39 crianças no Pré-escolar e ainda 28 em CATL.
E se sobre o Pré-escolar e o CATL a instituição demonstra preocupações, já sobre a creche gratuita, José Carreira vê a medida como “muito positiva”.
“A Creche Feliz foi efetivamente a primeira medida efetiva de apoio à natalidade, porque tudo o que aconteceu até agora não o fazia, tal como o cheque bebé. Notámos uma grande diferença, porque a procura aumentou muito. Aliás, já não há resposta para todas as crianças. Enquanto entidade, preferimos ter um protocolo com a Segurança Social e esta pagar o que tiver de pagar, a deixarmos isso às famílias. Por outro lado, o valor de 460 euros é certo que entra, enquanto até aqui o valor era mais baixo e as nossas mensalidades eram muito baixas porque a maioria das crianças que acolhemos são de famílias socioeconomicamente mais desfavorecidas. Para nós é positivo e, não sei se é viável, mas gostaríamos de criar uma nova creche. Há muita procura na zona urbana de Viseu, daí termos uma lista de espera muito grande. É uma medida que faz sentido, bastante positiva e que vale muito a pena”, defende
Já o Pré-escolar… “levanta muitos problemas à instituição, pela forma como é financiado, porque dá resposta a famílias desfavorecidas e o que a Segurança Social paga com a comparticipação das famílias é escasso”, argumenta José Carreira, revelando: “Aliás, essa resposta foi deficitária no ano passado. O financiamento é, de facto, um problema, porque o modelo e a comparticipação da Segurança Social estão aquém do necessário. Depois, é difícil planear esta resposta social, porque as regras estão sempre a mudar em função da concorrência do sector público. Hoje não temos capacidade, amanhã já não somos precisos! Por outro lado, as exigências feitas não se coadunam com o financiamento. Agora, temo que o Pré-escolar leve o mesmo caminho dos CATL e será uma questão de tempo”.
Aliás, a instituição pondera mesmo o encerramento do CATL. “Vamos ter uma reunião de Direção sobre o CATL e estamos na iminência de, neste verão, encerrarmos essa resposta. É uma resposta deficitária há muitos anos e com a tendência de os municípios darem essa resposta, se calhar, faz pouco sentido mantermos uma resposta deficitária. Em Viseu, a autarquia está a crescer nessa resposta... Neste sentido, o CATL está condenado”, lamenta.
Tudo isto conduz a que a “situação financeira da instituição seja complexa, isto é, muito, muito difícil”.
“No ano passado apresentámos um resultado negativo de cerca de 22 mil euros. Já vivemos com dificuldades há muito tempo, aliás sempre vivemos um sufoco financeiro. E está muito complicado porque, em regra, as respostas das crianças são deficitárias, agora houve esta melhoria com a Creche Feliz, mas do ponto de vista global é muito difícil fazermos face às despesas do dia a dia. O que nos vai equilibrando são os projetos que vamos desenvolvendo, mas estes têm um fim. Já sabemos que são a 36 meses, mas quando terminam isto aqui abana. Terminam contratos, temos que indemnizar as pessoas… E há outra dificuldade que é despesa paga só depois do investimento feito. Temos de financiar as atividades e só depois nos é pago. Isto, para quem tem tesourarias frágeis, como nós, levanta muitos problemas”, lamenta o presidente das Obras Sociais de Viseu.
Ainda, assim, os dirigentes não esmorecem, até porque a história e o trabalho desenvolvido o exigem.
“O nosso trabalho tem vindo a ser no sentido de que a comunidade nos veja como um parceiro sério e credível do ponto de vista da intervenção social e comunitária. Por outro lado, gastávamos que o Estado Central olhasse para nós como um parceiro efetivo e não como entidades que, muitas vezes, estão à espera de uma esmola para fazer o seu trabalho”, afirma.
O SAAS das Obras Sociais, em 2022, acompanhou 886 famílias, num total de 1123 indivíduos, e fez 3057 atendimentos.
A fechar, José Carreira deixa um desafio: “Algo que é, absolutamente, determinante e é muito difícil de se fazer é as entidades juntarem-se mais para fazer um trabalho conjunto. Ou seja, identificar as necessidades no terreno e depois todas as entidades conversarem para saber o que é que cada uma delas pode e deve fazer. Que a rede que existe seja mais efetiva e densificada, que funcione efetivamente. Não podemos dar todos a mesma resposta e se conversarmos podemos tornar o trabalho mais eficaz, mais eficiente e sem sobreposições, que muitas vezes criam problemas à sustentabilidade das instituições. Por exemplo, há candidaturas que se fossem feitas por duas ou mais instituições, para além de terem mais possibilidades de aprovação, a execução seria, provavelmente, mais simples. Isto é algo que me motiva, que deve ser o caminho e a CNIS pode ajudar nisto. O meu desejo é que o Sector Social funcione como um todo e, assim, tenha mais força junto das entidades e da comunidade”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2023-06-08



















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