AMÉRICO MENDES, COORDENADOR DO ESTUDO «IMPORTÂNCIA ECONÓMICA E SOCIAL DAS IPSS»

Comparticipação do Estado representa apenas 40% dos rendimentos das IPSS

Américo Mendes é o coordenador científico do estudo «Importância Económica e Social das IPSS», que a CNIS adjudicou à Universidade Católica- Centro Regional do Porto, em 2017.

Professor Associado da Universidade Católica Portuguesa, onde coordena a Área Transversal de Economia Social (ATES), Américo Mendes é diretor do Mestrado em Economia Social e das Pós-Graduações em Gestão de Organizações de Economia Social e em Gestão de Projetos de Cooperação para o Desenvolvimento.

É Doutorado em Economia pela Universidade do Arizona, EUA, tendo concluído a licenciatura na mesma área, com especialização em Planeamento do Desenvolvimento Regional e Urbano, na Universidades de Toulouse e de Aix-Marseille III, em França, em 1979.
Participou em projetos de investigação de nível nacional e internacional, nas áreas da Economia Social e da Economia Agrária e Florestal. Tem cerca de 60 trabalhos científicos publicados (livros, capítulos de livros e artigos em publicações científicas nacionais e internacionais). É Membro do Conselho Económico da Diocese do Porto, desde Julho de 2018 e colabora como voluntário em várias organizações de economia social.

 

SOLIDARIEDADE – Quais são as principais conclusões do estudo «Importância Económica e Social das IPSS»?
AMÉRICO MENDES - O tema geral é a importância económica e social das IPSS em Portugal. Essa importância foi analisada sob vários aspetos. Um dos fatores da importância destas organizações é elas providenciarem serviços sociais a pessoas carenciadas por preços que elas possam pagar e, muitas vezes, é de forma gratuita. O que o estudo fez foi olhar para as contas de demonstração de resultados de 565 IPSS com um grau de detalhe suficiente para sabermos, do total de rendimentos dessas IPSS, qual é a parte que corresponde a contribuições dos utentes. É agora sabemos que é uma parte limitada de todo o conjunto. Portanto, as IPSS têm a função de irem buscar a diferença entre aquilo que os utentes podem pagar e os rendimentos que precisam para cobrir os seus custos. Cada instituição sabia isto de si e para si própria. Que nós saibamos até agora ainda não tinha sido apurado para um conjunto de IPSS como aquele que nós trabalhamos.

E porquê 565 IPSS?

São cerca de 10 por cento do número total de IPSS e equiparadas que devem estar ativas. Isto é, com um NIF, página de facebook, com transações registadas no portal do Ministério da Justiça, orgãos sociais a mudar, alterações nos estatutos, etc… Não as contactámos todas, mas fomos por esses indicadores. Essas 565 têm uma composição que reflete a distribuição que a população total de IPSS tem em termos de distritos, e mais as Regiões Autónomas. Representa bem o universo das IPSS e equiparadas (Casas do Povo, Cooperativas de Responsabilidade Social, Centros Sociais Paroquiais, Associações Mutualistas, Misericórdias, Institutos Religiosos, Associações de Solidariedade Social e Fundações). Não era possível fazer uma amostra aleatória, mas ela é mais do que suficiente para ser representativa. Nós optámos por incomodar o mínimo possível as instituições e utilizámos a informação que cada organização publica e pode ser consultado por todos.

Falemos então das conclusões…

O estudo apurou a estrutura dos rendimentos desse conjunto das instituições com um grau de detalhe suficiente para se saber quanto é que pagam os utentes, quanto é que comparticipa a Segurança Social, quanto é que vem de outros organismos da administração central, das autarquias, de serviços secundários que as IPSS prestam, de vendas de produtos, de donativos, e subsídios de entidades particulares e de atividades de angariação de fundos. Com este detalhe todo foi um trabalho imenso encontrar 565 IPSS que tivessem contas publicadas em sítios que nós pudéssemos encontrar, e com este grau de detalhe. Conseguimos. Temos também a estrutura de custos. Nessa informação há algo que já sabíamos, mas que ressalta como mais importante que é o gasto com o pessoal: quase 60 por cento. Outra das conclusões surpreendentes deste estudo é a comparticipação do Estado. É menor do que se imagina… Havia alguma noção dos valores mas cada IPSS sabia apenas de si. Agora pode-se falar em todo o setor social solidário. A Segurança Social comparticipa com cerca de 40 por cento…

Outro indicador da importância económica e social: as IPSS são organizações económicas. Produzem bens e serviços, pagam salários, compram bens e serviços na localidade e fora. Utilizámos o conceito de multiplicador do rendimento local que consiste em saber o que é que cada instituição faz por cada euro que atrai para o seu concelho através do financiamento da Segurança Social e outras entidades públicas, donativos, etc.). Esse euro serve para pagar salários, comprar bens e serviços, dentro e fora do território do concelho. O que fica no concelho é reinjetado na economia local e serve para fazer funcionar o circuito económico. Ora, as instituições multiplicam por mais de dois. E quando esse euro é recolocado na economia local é multiplicado por mais de quatro. Conclusão: Em média, por cada euro quer é captado para o concelho as IPSS multiplicam-no por quatro. O que desfaz a ideia de que as IPSS são subsídio-dependentes. Os efeitos multiplicadores são admiráveis.

O que se pode dizer da saúde financeira das IPSS?

Na compilação dos dados das contabilidades das 565 instituições não nos ficamos só pelos resultados. Também se compilaram os dados dos balanços. E isso permitiu fazer um diagnóstico da saúde económico-financeira das instituições. E aí há notícias boas e notícias más. As boas é que este setor, em termos da liquidez, da sua solvabilidade, da sua autonomia financeira, contrariamente ao que muitas pessoas poderão pensar, está comparativamente melhor que o resto da economia. Na central de balanços do Banco de Portugal há informação sobre serviços de apoio social com interesse adicional para o nosso caso. No entanto, a natureza jurídica das organizações que estão nessa base de dados revela-nos que mais de 80 por cento são sociedades por quotas. Ou seja, é um retrato razoável do setor social dito lucrativo. Isso permitiu-nos fazer o confronto com essa componente da Economia Social. E as IPSS e equiparadas, nesses indicadores, estão relativamente melhor.
As más notícias são as condições de rendibilidade e os resultados operacionais e líquidos. Em termos de resultados líquidos há mais de 40 por cento de IPSS com resultados líquidos negativos. Isso não quer dizer que tenham resultados negativos em termos operacionais. O chamado EBITDA - o resultado antes dos juros, das amortizações e dos impostos -, é à volta de 17 por cento. As amortizações tem um peso muito grande, transformando resultados positivos em negativos. Quando analisamos a rendibilidade do capital próprio aí há uma diferença muito grande, para pior, dessa rendibilidade nas IPSS quando comparadas quer com o conjunto da economia quer com o setor lucrativo.

Como se explica?
As explicações são várias... A margem de lucro é semelhante. O estudo identificou duas causas: uma é o muito menor grau de alavancagem financeira. Isto é, as IPSS e equiparadas vão menos aos mercados financeiros, muito menos. Alavancam muito menos os seus capitais próprios para se financiarem. O outro é a rotação do ativo. Ou seja, quantas vezes por ano, com os ativos que a instituição tem, ela consegue gerar receitas de vendas e prestações de serviços iguais ao valor desse ativo? Aí as IPSS são muito mais lentas comparadas com o resto da economia. Isso é um sinal de menor eficiência no uso dos ativos que têm à sua disposição. Estes dois indicadores, a baixa taxa de endividamento e a baixa taxa de rotação dos ativos, são claramente o que mais contribui para a baixa rentabilidade dos capitais próprios com evidentes implicações nos resultados operacionais e líquidos. O setor na sua globalidade é saudável não está em situação crítica de liquidez, mas precisa de melhorar muito as condições de rentabilização.

A esse propósito que recomendações faria?
Há recomendações para dentro e recomendações para fora. Uma parte dessa menor rotação do ativo tem que ver com o facto dessas instituições estarem sob alçada de um conjunto de regras, e do próprio regulador, que as impede de fazerem muitas coisas que elas gostariam, que podiam permitir retirar melhor partido dos recursos. Estão num colete-de-forças demasiado apertado. É preciso pensar nisso. O resto da economia tem muito mais liberdade. A recomendação para dentro é que a CNIS e outras organizações possam continuar a fazer programas e projetos que capacitem estas instituições para melhorar a qualificação dos seus colaboradores e a qualidade da sua gestão.

E que diz o estudo em termos de presença geográfica das IPSS no país?

Esse é outro indicador, do ponto de vista social, que dá conta da sua importância. As IPSS prestam um serviço de proximidade. Usando fontes públicas, a carta social que está publicada na internet, viemos a saber onde é que há equipamentos sociais e de quem são. As IPSS ou equiparadas estão em 70 por cento das freguesias do país. Isto é, em três de cada quatro freguesias portuguesas há equipamentos sociais das IPSS. E em 27 por cento dessas freguesias estão sozinhas.

Relativamente ao trabalho voluntário há quantificações?

Sim, o estudo vai dizer isso, comparando com os gastos do pessoal da instituição. Era desejável que as IPSS contabilizassem esse trabalho voluntário, entrando do lado dos rendimentos e saindo do lado dos custos, mas estando lá para que se soubesse quanto representa.

Este é o estudo mais aprofundado sobre o setor social solidário?
Julgo que sim. Há alguns estudos publicados mas com tantas instituições como neste eu não conheço mais nenhum. É mais uma prova do caracter absolutamente fundamental deste setor. Três em quatro freguesias tem lá uma IPSS a fazer qualquer coisa. Se isto fecha que é que vai ser deste país? A questão do financiamento do Estado, por exemplo. Que não se diga que é disso que as instituições vivem. É importante, mas representa menos de 50 por cento dos rendimentos das IPSS. É um setor com uma grande diversidade. Nas 565 há desde enormes porta-aviões até instituições muito pequenas com contas muito equilibradas... O mais importante é que isto possa ser o embrião ou o ponto de partida daquilo a que tecnicamente se chama de central de balanços deste setor. Pelo que disse não substitui o que o Banco de Portugal já está a fazer nessa área porque ele está mais focado no setor social dito lucrativo. Este setor social solidário não está a ser captado pela central do Banco do Banco de Portugal. Pode ser que a partir daqui se possa fazer um trabalho específico para este setor. Neste momento os dados disponíveis no banco de Portugal não servem para caracterizar o setor quanto a estes indicadores. Nós temos mais indicadores do que a central de balanços: o multiplicador de rendimento local, o trabalho voluntário, etc.

A conta satélite do INE deu um primeiro grande retrato do setor social...
Não tem nada a ver. Não substitui a conta satélite do INE nem a conta satélite pode ir até este detalhe.

E que recomendações quer deixar às IPSS?
Há coisas simples, que não dão mais trabalho às instituições, contabilistas e outros colaboradores: publiquem as contas. Há já um número significativo de IPSS que o faz, mas pode melhorar muito. Depois, que as publiquem num sítio que seja facilmente consultável. Tive que andar à procura em páginas de facebook, sites, blogues, diversas plataformas. E, já agora, que seja feito de maneira estandardizada. Sem dar mais trabalho à contabilidade das IPSS, se possível, não publiquem só a conta de demonstração de resultados e o balanço que a lei exige. Publiquem os anexos ou pelo menos o balancete. Se for assim podemos ter o grau de detalhe necessário para fazer o nosso trabalho. Houve algumas instituições de nível nacional e prestígio, que publicaram apenas a conta e resultados e não publicam o balanço. Outras que publicam balanços que nem sequer batem certo... Uma dificuldade que identifiquei: Nas IPSS há rubricas cuja localização depende dos contabilistas. Os donativos estão em contas diferentes, IRS também, as quotas... Era necessário unificar esta informação.

 

Pelo seu envolvimento pessoal no setor social solidário o estudo também lhe deu prazer…
Estou no setor social antes de ter nascido… os meus pais, de uma forma ou de outra, já andavam nisto. A antiga relação de trabalho entre a Universidade Católica e a CNIS também conta. O trabalho que isto deu não me custou nada.

 

 

Data de introdução: 2018-09-12



















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