EDITORIAL

Inspeções: Problema por Resolver e que Urge Resolver

1. Em matéria de inspeções, a CNIS sempre teve uma posição responsável e construtiva: inscrevem-se no papel regulador do Estado e podem ter uma intervenção benéfica.

E sempre procurou colaborar na melhoria da atuação destes serviços procurando o equilíbrio entre a intrusão inevitável e a salvaguarda da autonomia das instituições. Foi assim que negociou e obteve Compromissos que reforçavam a transparência do Estado na definição das intervenções, com a publicitação das Instituições a serem objeto de inspeção em cada ano; que garantiam igualdade na execução das ações permitindo-se que as inspeções fossem acompanhadas por técnicos mandatados pela CNIS e/ou UDIPSS. Também assim foi prometido que a lei das contraordenações não teria uma aplicação efetiva, ou teria no máximo uma aplicação preventiva.

Mas a evolução a que hoje se assiste tem sido em sentido inverso ao caminho percorrido. As inspeções são cada vez menos as que estão anunciadas e cada vez mais as que não constam de nenhum anúncio e são desencadeadas por denúncias, muitas delas anónimas ou, possivelmente, "pré-fabricadas", gerando um profundo desconforto nos dirigentes das Instituições e no respetivo pessoal, induzindo uma enorme desmotivação e uma marcada sensação de injustiça.

E paradoxalmente, quanto mais os membros do Governo, confrontados com situações de punições e sanções absurdas, afirmam a necessidade de uma intervenção pedagógica e preventiva dos serviços de Inspeção, mais no terreno se sente uma ação punitiva e sancionatória, sem qualquer atenção às circunstâncias concretas de cada Instituição, às suas dificuldades, à qualidade das respostas proporcionadas e muitas vezes à urgência dos problemas das pessoas que a elas recorrem.

2. Os exemplos multiplicam-se por todo o país e referem-se a todos os segmentos de atuação dos serviços de Inspeção:

Com o aproveitamento de denúncias anónimas, as ações fiscalizadoras apresentam-se com um juízo prévio de suspeição dos dirigentes e com manifestações de autoridade que roçam o abuso e merecem claro juízo de reprovação. Revelam desconhecimento da "alma" das Instituições. Ignoram que o foco é o utente e prendem-se com questões laterais. Não distinguem o público do privado e do particular. Não respeitam a identidade e a autonomia da gestão das Instituições nem percebem o que é gerir a escassez.

As sanções parecem ser de aplicação automática e, por vezes, mesmo o único objetivo das ações inspetivas, sem pedido de explicação nem possibilidade de correção, chegando mesmo a violar-se como prática comum a lei que obriga à pronúncia prévia das Instituições.

É, por isso, imperioso inverter esta situação que afeta a participação de milhares de voluntários que oferecem o seu tempo à comunidade e às pessoas mais vulneráveis dessa comunidade, que põe em causa a qualidade e a competência de milhares de técnicos que prestam hoje o seu serviço nas IPSS, assim como a dedicação e o empenho de muitos milhares de profissionais que servem nas Instituições as pessoas que estas apoiam por todo o País. Porque o exagero e o abuso que hoje se verifica produz a tentação de exigências bem mais radicais ou de respostas bem menos construtivas e o risco de se ultrapassar a fase de diálogo desejável está cada vez mais presente.

3. Assim, é necessária uma alteração substancial no atual modelo de atuação dos serviços de Inspeção da Segurança Social, mas uma alteração que seja imposta por via legal ou regulamentar para que disponha de força vinculativa que comprometa e obrigue os serviços do Estado e possa ser invocada pelas Instituições e constitua uma garantia destas contra os incumprimentos e os abusos.

Alteração com reflexo ao nível dos princípios: a intervenção tem que ser pautada pelo respeito pela autonomia de gestão das instituições que são particulares, nascidas da iniciativa da sociedade e não dependências ou serviços do Estado; encarada numa lógica de parceria entre instituições iguais e não de sobranceria para instituições servientes; e obedecer a uma metodologia pedagógica e preventiva que privilegia a recomendação e a advertência em detrimento da sanção e da coima.

Mas depois ao nível da própria ação e nos diversos momentos da intervenção, no respetivo desencadeamento:

– É necessário definir e decidir o tratamento a dar a denúncias anónimas tendo presente que em caso de falsidade não pode ser punida a calúnia nem indemnizado o dano causado.

- Nunca pode ser aproveitada uma denúncia anónima para se transformar uma ação de mera averiguação numa devassa da vida institucional.

- Devem estar previamente definidos e não depender da vontade de um qualquer dirigente intermédio da administração os critérios para as inspeções globais a Instituições, critérios que tenham em conta o tempo entre cada inspeção, a divisão geográfica e a diversidade de respostas para se evitar que uma Instituição seja inspecionada diversas vezes seguidas e outra nunca o venha a ser.

Na sua execução:

- Devem ser alterados os guiões limitando-os às áreas de intervenção da Segurança Social e eliminando-se as referências a aspetos do funcionamento que não são da competência da Segurança Social e incluindo critérios de avaliação da satisfação das pessoas beneficiárias do serviço, porque é incompreensível que uma inspeção se atenha ao cumprimento formal de regras quantitativas e não tenha um indicador sequer do grau de satisfação das pessoas, que é a melhor medida da qualidade do serviço.

- Devem ser proibidos os comportamentos de objetiva desconsideração ou desautorização das direções das Instituições, impondo-se comportamentos que obriguem à auscultação e recolha de explicação dessas direções em momento prévio à conclusão da ação de inspeção.

- Devem ser fixados tempos máximos de permanência e de elaboração de relatórios para que as Instituições não fiquem indefinidamente suspensas das conclusões de uma ação inspetiva que não sabem quando começa, quando acaba e se conclui.

Na sua conclusão:

- Em todas as circunstâncias deverão as Instituições ser informadas com brevidade das desconformidades verificadas e concedido um prazo para a sua correção antes de qualquer sanção.

- Os relatórios não podem ser considerados finais, assim como nenhuma medida ou sanção pode ser aplicada sem audição prévia da Instituição visada.

- Nenhuma coima deve ser aplicada sem uma prévia advertência para a correção.

Esta continua a ser uma posição construtiva que visa compatibilizar o papel que o Estado se arroga e as Instituições lhe reconhecem. Instituições com a natureza de particulares e de solidariedade social, com a importância da sua ação e com a autonomia que reivindicam e a que têm direito.

Este é o tempo limite da mudança ainda possível.

Lino Maia

 

Data de introdução: 2016-10-15



















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