PALADARES PAROQUIAIS

100% natural, 100% social

Quando há 20 anos o padre Samuel Guedes, então com 27 anos, foi colocado nas paróquias de Arreigada, Ferreira e Frazão, no concelho de Paços de Ferreira, nenhuma das três tinha qualquer equipamento social, nem tão pouco estrutura física para o serviço pastoral. Existiam apenas as igrejas e as casas paroquiais, mas perante as necessidades das comunidades, o pároco quis alterar isso, criando, então, um Centro Social e Paroquial em cada uma delas.
E se por essa altura o dinheiro abundava em Paços de Ferreira, que permitiu mesmo construir os equipamentos sociais apenas com verbas angariadas nas comunidades, mais recentemente a situação alterou-se drasticamente. Tal como por todo o País, a crise abateu-se obre a população pacense e o desemprego tornou-se, também ali, uma chaga.
“Há 20 anos não pensava que viessem bater-me à porta a pedir emprego e agora acontece todas as semanas”, começa por referir o padre Samuel Guedes, relatando um episódio curioso, e que muito diz da sua personalidade: “A certa altura, numa entrevista na rádio perguntaram-me o que queria que o Menino Jesus me desse pelo Natal e eu respondi: Muito dinheiro. É um escândalo um padre dizer isto, mas eu queria muito dinheiro para poder dar emprego a todas as pessoas que já me bateram à porta a pedir trabalho”.
Perante as dificuldades das pessoas das suas três comunidades, o pároco começou a pensar qual a melhor forma de as ajudar: “Pensei, tenho que dar de comer aos meus filhos e para isso tenho que criar estrutura para os poder ajudar. E se essa estrutura me possibilitar sustentabilidade para a obra social, melhor ainda. Então, ajustei às valências normais do que é um Centro Social e Paroquial, da terceira idade e da infância, e criei mais a do Emprego, que hoje é tão importante como um Centro de Dia ou um SAD”.
Como refere, “o projeto em si não começou pela necessidade de sustentabilidade, que já estava na nossa mira, mas foi mais como necessidade de criação de emprego”, pelo que o projeto era “criar uma coisa com futuro, com pernas para andar e que não fosse uma brincadeira”.
Então, aproveitando os recursos e saberes endógenos, o padre Samuel Guedes decidiu apostar na “produção de um produto que era muito querido no concelho”: o queijo.
“Havia em Paços de Ferreira uma estação de laticínios, onde se ensinava a fazer queijo, mas as políticas há cerca de 10 anos ditaram o seu encerramento. Ficou a saudade do queijo bom e chegou a haver quem pensasse em pegar no assunto, mas ninguém avançou”, conta, relatando a forma como acabaria por tornar-se num padre empresário: “Calei-me muito bem caladinho, porque o segredo é a alma o negócio, fui buscar os engenheiros que lá trabalhavam e desafiei-os para o projeto. Então, ressuscitei um produto que já tinha um rosto visível, tinha qualidade e estava à espera de surgir novamente. Atualmente produzimos, precisamente, os três queijos clássicos que aqui se faziam. E agora já brincamos, pois pegámos num deles, o mais intenso, e adicionámos-lhe o presunto, o salmão fumado e os orégãos e, assim, criámos três novos produtos”.
É nesta altura que o padre Samuel Guedes decide criar a empresa Engenho dos Paladares, que foi buscar o nome a um engenho de linho que existia no local onde se ergue o edifício onde está instalada a cozinha da empresa e onde brevemente abrirá a loja «takeaway» [venda de comida para fora].
“A empresa está criada com dois pilares: o do catering e o dos queijos, compotas, doces e licores”, afirma, explicando os objetivos que nortearam a criação de toda esta estrutura empresarial: “Criação de postos de trabalho, sustentabilidade dos seus donos, que são as três IPSS, e conseguir uma economia de escala”.
Nos dias que correm parte dos objetivos já estão plenamente alcançados e com a perspetiva de expansão da empresa, os oito postos de trabalho criados inicialmente vão também aumentar.
“A questão da sustentabilidade ainda não é visível, apenas os objetivos da criação de emprego e da economia de escala é que estão sólidos. Quanto à sustentabilidade, se dissermos que o que temos abatido ao investimento inicial tem sido bastante significativo, quando este estiver pago, vai pingar para as IPSS razoavelmente bem”, argumenta, referindo que o projeto teve um investimento inicial de 300 mil euros, em que 200 mil foram alvo de uma candidatura ao PRODER, que comparticipou 60%.
O êxito da iniciativa em tempo de crise leva o padre Samuel Guedes a mostrar uma satisfação especial: “A palavra não é bonita, mas é o meu maior gozo é ter criado este projeto, que tem sucesso e está a crescer, numa altura em que a conjuntura económica não era nada favorável”.
Todo o projeto, segundo o pároco, assenta numa espécie de “economia circular”, porque “há aqui produtos que são necessários e que também podem ser partilhados”.
É que paralelamente nasceu a produção agro-pecuária, como forma de minorar custos, não apenas à empresa, mas igualmente às três IPSS: “Temos um catering, mas precisamos de carne e de hortícolas. Assim, as comunidades têm duas quintas que produzem os produtos que o catering gasta”.
Por dia uma das quintas já rende, por exemplo, 200 quilos de repolho. “Nos legumes que produzimos somos autossuficientes. Em carne somos quase autossuficientes nos porcos, mas não produzimos carne de vaca”, revela, explicando a sinergia que conseguiu entre a produção de queijo e a criação de suínos: “Temos os porcos por causa do queijo, pois este liberta o soro, que é um subproduto tipo 3 e não pode ser deitado no coletor público porque é altamente poluente. Mas ao mesmo tempo é proteína e pode ser alimento para os animais. Portanto, em vez de ter uma empresa que me leva um balúrdio para recolher o soro, ele é dado aos animais e assim dou proteína aos porcos e conseguimos produzir boa carne”.
A ideia das quintas surgiu primeiro do que tudo o resto, mas quando em 2011 decidiu avançar com a Engenho dos Paladares, o projeto exigiu uma reformulação total. “Tivemos que meter mais funcionários, pois só uma das quintas é que estava a produzir, construímos uma estufa, licenciámos a porcaria, ou seja, os porcos, e criámos uma estrutura financeira, uma pequena empresa, para a parte agro-pecuária, que se chama Quinta de S. José Agro-Pecuária. É que o catering tem um licenciamento industrial de topo com número sanitário e não pode comprar a qualquer um, tem que comprar a quem está licenciado no mesmo nível. Por isso, tivemos que licenciar a transformação do soro para alimento dos animais. Foi um ano violento em termos de licenciamentos”, explica o padre Samuel Guedes, brincando mesmo com o assunto: “Em jeito de brincadeira disse aqui à minha gente que se o Bispo me despedir monto uma empresa de licenciamentos, porque estou especialista”.
Assim, constituída a empresa, a produção dos primeiros queijos, cujo leite é fornecido por um produtor local, aconteceu no dia 8 de Dezembro de 2012.
“É o que chamamos o Queijo da Imaculada”, diz, brincando, revelando: “Em 2013 já estávamos a transformar 200 litros de leite/dia, o que era pouquinho, pois atualmente já estamos a transformar mil litros/dia, o que significa cerca de 180 queijos/dia”.
Com o sucesso da queijaria, outras oportunidades surgiram e o padre Samuel Guedes não lhes virou a cara: “No Natal, normalmente, há muita gente a pedir caixinhas e cabazes com queijos e iam dizendo que se houvesse uns docinhos era melhor… Então, em vez de gastar dinheiro a comprar bolachas e docinhos, decidi produzi-los também. E desta forma criei mais dois postos de trabalho. Começámos pelas bolachas tipo conventual, para o que me dei ao trabalho de arranjar receitas, nacionais e estrangeiras, e depois as compotas”.
Assim, a Paladares Paroquiais, marca entretanto criada no seio da Engenho dos Paladares, criou os próprios cabazes, quase exclusivamente com produtos próprios. Mas como faltava o vinho, que cai sempre bem a acompanhar o(s) queijo(s): “Então, fiz uma parceria para os vinhos, mas também com projetos de sustentabilidade, ou seja, o vinho maduro vem do Seminário de Lamego e o vinho verde do Seminário do Porto”.
A empresa tem um volume de negócios à volta dos 120 mil euros, com os produtos Paladares Paroquiais a chegarem já ao estrangeiro.
“No queijo não temos tido problemas de escoamento porque temos aumentado a produção conforme a entrada de novos clientes. A nossa loja vende muito bem e os outros clientes também vendem muito bem os nossos produtos por todo o País. Temos dado a conhecer os nossos produtos através de feiras agroalimentares e o Facebook tem sido uma grande ajuda na promoção. Neste momento estamos a escoar os produtos sem problema algum e já exportamos para a Suíça, temos uma loja no Luxemburgo e recebemos recentemente contactos de Paris e de alguns espanhóis”, sustenta o padre Samuel Guedes.
Por isso não é de estranhar que na calha esteja já a ampliação da empresa, cujos escritórios estão sedeados na casa paroquial de Arreigada e a queijaria, a doçaria e a loja da Paladares Paroquiais na casa paroquial de Frazão.
“Estamos neste momento com um projeto de ampliação da empresa para um novo espaço, aquilo a que podemos chamar uma fábrica de queijos a sério, o que provavelmente irá duplicar os postos de trabalho. Estamos a preparar-nos para irmos à guerra também no Portugal 2020”, afirma, revelando: “O projeto é abrir a loja do «takeaway» até ao verão. Está um pouco atrasado, mas não chegamos para as encomendas. E estamos prestes a avançar com a nossa cerveja artesanal. A Paladares Paroquiais vai ter até ao verão uma cerveja artesanal. A nossa ideia é fazer naquele espaço onde funcionará o «takeaway» um local onde num sábado à noite se pode comer uma tábua de queijos e se pode ainda beber uma cerveja artesanal. A ideia é as pessoas virem ali, conviverem e comerem os nossos produtos. Assim, promove-se e, ao mesmo tempo, ajuda nesta sustentabilidade que pretendemos alcançar”.
Assim, na loja da Paladares Paroquiais e em muitos estabelecimentos comerciais de todo o País e em alguns países estrangeiros, o público pode encontrar diversos tipos de bolacha e pequenos bolos, licores, compotas de vários sabores e já uma grande variedade de queijos: “São todos Paços, menos um, pois era necessário completar a frase para ficar Paços de Ferreira. Então, chamámos-lhe Queijo do Ferreira, que é o rio, que juntamente com os outros de nome Paços completa o nome da terra. Essa era uma das preocupações que o nome onde o queijo é feito estivesse visível”.
Apesar de ser um projeto comercial, a Engenho dos Paladares nasce no seio das três IPSS a que o padre Samuel Guedes preside e é por elas que existe.
“Costumo dizer que este projeto é 100% natural, 100% social, porque os lucros da empresa são única e simplesmente para a área social. Aliás, está nos estatutos da empresa que os gestores não podem ter ordenado”, sublinha.
A este propósito as três IPSS a cargo do padre Samuel Guedes acolhem mais de 440 utentes – 104 no Centro Social e Paroquial de Arreigada e 170 em cada um dos outros dois (Frazão e Ferreira) –, que consomem quase de metade das 1000 refeições confecionadas por dia, a que se juntam cerca de 600 fornecidas às escolas.
“A cozinha única, que acaba por estar na génese deste projeto de «takeaway», surgiu pela necessidade de economia de escala, pois tinha três cozinhas a funcionar e era muito mais difícil de gerir. E assim, com este catering servimos as três instituições e ainda uma outra IPSS ao fim-de-semana. E servimos ainda meia-dúzia de empresários”, refere.
Para além da ampliação da queijaria, o grande projeto social é a construção de uma ERPI, pois as instituições apenas têm as valências de Centro de Dia, SAD, Centro de Convívio e ATL.
“Temos em mão o projeto de um lar, que tem uma creche acoplada. E tínhamos um projeto de uma creche para cada um dos Centros, mas agora pensamos de maneira diferente. Neste momento, o lar é para avançar e já estamos a preparar a documentação para o Portugal 2020. É uma obra orçada em 1,5 milhões de euros e terá 45 camas”.
Estamos perante um exemplo bem-sucedido de empreendedorismo social pegando em algo tradicional, que para além de criar postos de trabalho, contribui para a sustentabilidade das instituições da qual nasceu, não ainda pela criação de novas receitas, mas pelo menos pela economia de escala que promoveu e ainda pela criação e diversificação da produção própria de vários produtos.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2015-06-12



















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