LEIGOS PARA O DESENVOLVIMENTO

25 Anos espalhados pelo mundo

“O que fazer depois de terminado o curso?”
Foi esta a premissa para o nascimento da Associação Leigos para o Desenvolvimento. A ideia nasceu com o padre António Vaz Pinto, em Coimbra, no Centro Universitário Manuel Nóbrega. O padre, juntamente com outros universitários, resolveu pôr talentos a render ao serviço de povos ligados historicamente a Portugal e que vivem situações difíceis do ponto de vista social. A ideia era pioneira em Portugal, pois até então, ser missionário era uma condição daqueles que se haviam consagrado à igreja (padres ou freiras), mas não dos leigos.
Assim, em 1984 o padre António Pinto fundou em Lisboa o Centro Universitário Padre António Vieira (CUPAV) e após diversas reuniões com um conjunto de pessoas que partilhavam a mesma ideia, ganharam forma os pilares que ainda hoje norteiam a acção da associação: a perspectiva cristã e a perspectiva comunitária. Após uma viagem exploratória, o grupo fundador decide começar o trabalho por São Tomé e Príncipe.
Formalmente, a Associação Leigos para o Desenvolvimento (LD) nasceu a 11 de Abril de 1986, como Organização Não-Governamental de Cooperação para o Desenvolvimento (ONGD), uma associação católica, que partilha com os Jesuítas princípios comuns.
No início os LD eram apenas jovens ligados aos centros universitários de Coimbra e Lisboa mas, com o passar do tempo, o grupo foi-se alargando a todos os quadrantes da sociedade, ganhando dimensão nacional. A primeira missão aconteceu em São Tomé e Príncipe, seguindo-se o Malawi, entre 1991 e 1994. A convite do Jesuit Refugee Service esteve nos campos de refugiados moçambicanos apoiando as populações deslocadas pela guerra. Em 1992, dois missionários LD viajaram para uma primeira missão em Angola, em Uíge, encerrada um ano depois devido à guerra civil naquele país. Só em 1996 é que os LD regressaram a Angola, desta vez à cidade de Benguela, tendo em 2003 voltado também ao Uíge.
Em 2000, chegam a Timor Leste, Díli, ajudando na reconstrução do país, em áreas como a educação e a promoção social, com actividades no ensino e na ocupação dos tempos livres de crianças e jovens e, mais tarde, no sector do microcrédito.
Actualmente, a LD tem projectos em S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Timor e Portugal, a maioria na área da educação e da capacitação de organizações da sociedade civil e desenvolvimento comunitário.
A associação inova pela perspectiva não assistencialista da sua intervenção no terreno, uma intervenção que tem em conta a especificidade do território e da comunidade, valorizando aspectos como identidade comum, solidariedade e coesão social. O pensamento de base consiste em quebrar ciclos de dependência, procurando valorizar a opção por recursos locais e fomentando a criatividade e a inovação com os meios que estiverem ao dispor localmente.
Os projectos têm inerente, desde o início da sua implementação, uma estratégia de viabilidade financeira, procurando a auto-sustentabilidade. A LD aposta em abordagens de longo-prazo, que reflectem o tempo de intervenção necessário à capacitação das populações locais, tentando quebrar com os ciclos irregulares de financiamento assistencialista.
No terreno estão, actualmente, 20 voluntários, um número que varia consoante as missões em curso, sendo que ao longo de 25 anos, a organização já contou com o trabalho de mais de 300 pessoas.
Cada leigo em missão (voluntário) custa, em média, à organização 500 euros mensais, um valor que é suportado inteiramente pela LD. A associação vive essencialmente do financiamento de mecenas e das candidaturas dos projectos que vai desenvolvendo. A título de exemplo, em 2010, 26% do financiamento da organização veio de benfeitores particulares, 25% do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, 19% de outras instituições, 16% de empresas e 14% de receitas dos projectos em curso.
Com sede em Lisboa, tem apenas a seu cargo cinco trabalhadores, todos ligados a parte administrativa e burocrática. A 11 de Abril encerra o ciclo comemorativo de 25 anos de história, dos quais resultou o lançamento de um livro intitulado “25 anos, 25 contos”. A obra conta com textos de 25 personalidades inspirados em fotografias obtidas nos países lusófonos onde a organização tem projetos de cooperação.
Em Portugal, a instituição dispõe de um centro que ajuda na integração escolar, social e profissional dos estudantes vindos dos PALOP.

UM ANO EM S. TOMÉ E PRÍNCIPE

Ana Leite tem 32 anos e é jurista de formação. Em 2010 resolveu dedicar um ano da sua vida a ajudar outros povos e encontrou nos Leigos para o Desenvolvimento (LD), o suporte que precisava para partir em missão. Destino? S. Tomé e Príncipe.
Os LD partem com o objectivo de viver em espírito de simplicidade e pobreza, dentro das comunidades onde são inseridos. Vão sem dinheiro pessoal e permanecem no terreno pelo período mínimo de um ano. É privilegiada a relação, o conhecimento local e a simplicidade de meios.

Como é que resolveu tornar-se voluntária e partir para outro país em missão?
Há muito tempo, que queria fazer alguma coisa nessa área. Andei à procura na internet e encontrei o site dos Leigos para o Desenvolvimento e pareceu-me fazer sentido. Brevemente iria haver uma sessão de apresentação da formação e resolvi assistir. À medida que fui frequentando a formação (que dura um ano), identifiquei-me cada vez mais com os valores e princípios da associação.

Foi difícil a decisão de “doar” um ano da sua vida a uma causa humanitária?
Esta associação tem dois pilares fundamentais: são os leigos da igreja católica que trabalham em prol do desenvolvimento, ou seja, não é uma associação com cariz assistencialista, mas a favor do desenvolvimento. Esta forma de actuar fez muito sentido para mim, pelo que facilitou a minha decisão. Além disso, a formação é dada por pessoas que regressaram de missão, o que facilita a percepção do que nos espera. Ao longo desse ano, é pedido aos formandos que digam se se identificam com os princípios da organização. No final, acaba por ser uma decisão muito ponderada e que foi fácil de tomar. Depois, não é a Ana que vai, vamos em comunidade, no meu caso, um grupo de três pessoas.

Em que é que consistiu o seu trabalho em S. Tomé e Príncipe?
Nós (Leigos para o Desenvolvimento) fazemos capacitação de pessoas. Assim, o trabalho que estive a fazer em S. Tomé foi essencialmente de diagnóstico e de avaliação. A nossa (minha e do resto da equipa que partiu comigo) primeira missão em S Tomé consistiu em avaliar o trabalho feito por outras comunidades de LD numa escola secundária e que resultou na abertura de uma nova missão em Porto Alegre, no sul da ilha. Trabalhamos na nova escola para criar uma biblioteca e formar os professores em actividades extra-curriculares.

Quais foram as principais dificuldades que encontrou no desenvolvimento da missão?
A nossa grande missão era a de diagnóstico. Foram-nos indicadas áreas geográficas e nós tínhamos de perceber o que é que fazia sentido desenvolver ali. Foi importante conhecer as comunidades, as diferentes intervenções no terreno, o que corre bem e o que corre mal. Pessoalmente, também tinha a incumbência de fazer a capacitação de uma equipa, que seria posteriormente a equipa de coordenação de um projecto pertencente a umas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras. A ideia era capacitar esse grupo para gerir os equipamentos das Irmãs, nomeadamente, um lar, um infantário, uma carpintaria e um centro de costura. Tinha que “passar” noções de gestão, de contabilidade, de recursos humanos. Grande dificuldade? As pessoas estão sempre à espera que lhes façam as coisas. Mudar esta lógica é muito difícil.

O que é que mais a impressionou na diferença de culturas?
Nós vamos com um olhar europeu e há o choque da pobreza, são realmente outros padrões de vida. Chegas à cidade e vês uma cidade de arquitectura colonial, com edifícios muito degradados, estradas de terra batida e muitas casas de madeira. Não há saneamento básico e a luz eléctrica tem muito pouca capacidade. Logo ao sair do avião, uma criança veio ter comigo a dizer: “Branca, branca, doce, doce!”. Chocou-me isto de ser branca, a minha cor era uma identidade. Mesmo os LD que são localmente considerados como amigos, não deixam de ser brancos, com o estereótipo que está por detrás: somos europeus, mais ricos e com acesso a uma educação melhor.

A presença de organizações de cariz humanitário e social é muito visível em S. Tomé?
Quando chegamos a S. Tomé éramos a única organização não-governamental no terreno. Actualmente, são cerca de 90 ONG’s. Há várias instituições portuguesas, mas também de outras nacionalidades. De salientar que são 90 organizações para uma população de 160 mil habitantes, em que 75% são crianças com menos de 15 anos. Penso que neste conjunto, existem formas de intervenção que além de não serem as mais positivas, podem eventualmente prejudicar o desenvolvimento local. A lógica ali é muito vincada e consiste em “pedir, pedir, pedir”. É preciso mudar esse pressuposto.

E o regresso a Portugal? Como foi voltar ao quotidiano europeu?
Quando estás lá e vives com as pessoas, de repente já não é a casa pobre de madeira, mas a casa do Elias e da Maria José, com quem tu trabalhas diariamente. Deixas de ver pobreza e passas a ver pessoas. Quando regressei, custou-me muito a adaptação cá. Em missão, passamos a viver com o essencial e quando voltamos percebemos que existe muito de supérfluo: as rotinas, as coisas com que as pessoas se preocupam… Tudo mudou em mim, uma experiência destas muda-nos radicalmente. É difícil fazer o salto daquela realidade para a nossa realidade antiga, vista agora com outros olhos.

O seu vínculo com os Leigos para o Desenvolvimento terminou com o regresso a casa?
Não. Agora, sou aquilo a que na associação é designado por “ancião”, alguém que já esteve em missão. No meu caso, fiquei ligada à formação dos leigos. Estou a preparar pessoas para partir e isso é muito gratificante, já que representa, para mim, uma certa continuidade do trabalho que desenvolvi no terreno.

Texto: Milene Câmara
Fotos: Leigos para o Desenvolvimento

 

Data de introdução: 2012-04-20



















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