SECRETARIADO DIOCESANO DE LISBOA DA OBRA NACIONAL PASTORAL DOS CIGANOS

É necessário o compromisso da Igreja

É uma obra pastoral e social que não cinge a sua acção à comunidade que lhe dá nome, estendendo o apoio fundamental que presta a todas as comunidades que habitam os bairros onde actua. O Secretariado Diocesano de Lisboa da Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos abrange cerca de 500 crianças e jovens, apoiando ainda um número significativo de famílias, algumas das quais vão buscar refeições aos centros da instituição. Ajuda, além disso, cerca de 200 famílias para as quais reencaminha as doações do Banco Alimentar Contra a Fome da capital.

Em conversa com o SOLIDARIEDADE, Manuela Mendonça, vice-presidente da instituição, recorda que “a base da Pastoral dos Ciganos é um grupo de voluntários”. Porém, como também é uma IPSS, “desenvolve uma série de actividades de tempos Livres e pré-escolar, que funcionam com técnicos no terreno, que totalizam 49 funcionários”.

Frontal na abordagem das questões, Manuela Mendonça afirma que “os voluntários são os marginais do século”, explicando que “ouve-se muito falar de voluntários, mas alguns deles o que querem mesmo é arranjar trabalho. E, no nosso caso, o título da instituição é pouco apelativo, pois quando se houve a palavra “ciganos”, muitos se desmotivam, havendo poucas pessoas que se disponibilizem para colaborar. Somos pouco mais de uma dúzia de voluntários.

Ao cabo de quase 40 anos de existência da instituição, ainda é o estigma sobre os ciganos que mais barreiras ergue ao vosso trabalho?
Digo muitas vezes que a instituição precisava de mudar de nome, porque para obter contactos ou apoios mecenáticos o nome não ajuda, sobretudo a nível particular. A nível governamental é diferente, pois como se sabe os ciganos estão na moda. E aí pode dar-se um outro fenómeno, a nível institucional, não de pessoas, que é, «como está na moda, há que aproveitar para ir na crista da onda…». Há uma apetência muito grande pelos ciganos em termos nacionais e internacionais, especialmente europeus. Agora, no quotidiano, a palavra ciganos continua a ser um estigma, que não se reflecte no que fazemos, mas que é visível no que os não ciganos pensam deles, comi, aliás, é também frequente considerar os pobres como culpados. Porque também trabalhamos com não ciganos, damo-nos bem conta disso. Os bairros onde desenvolvemos acção têm todos as mesmas características sócio-económicas… Como costumo dizer, trabalhamos com a fina flor da miséria! Há um caminho de conjunto e também de experiência, interculturalidade e de promoção que acaba por transformar o nosso trabalho numa instituição privilegiada para parcerias com outras instituições. A esse nível, o nosso Secretariado não sente, no seu quotidiano, falta de compromisso por parte de outros parceiros.

E ao longo dos anos a mentalidade das próprias famílias ciganas também se alterou, ou seja, estão mais abertas à sociedade?
Essa pergunta é de resposta difícil e vou fazê-lo em duas vertentes. Nós fazemos muitas vezes avaliações ao nosso trabalho e, por vezes, se as fizermos em termos absolutos, a tendência é para desanimar… Como sabe, os jovens ciganos casam muito cedo, as gerações passam muito depressa e quando se olha para trás parece que não se evoluiu. Há tantos anos a trabalhar e eles continuam sem completar a escolaridade, sem apetência para o trabalho e para a inserção social… E isto é, de facto, desanimador. Mas quando observamos em termos relativos, por vezes consolamo-nos… Quando a presidente começou, a nível particular, ainda nos anos 1960, nenhuma das crianças ia à escola, estava vacinada, nem sequer registada, tal como os adultos… E ao observarmos essas situações agora, vemos que há evolução, porque neste momento a grande maioria dessas lacunas está ultrapassada. Por exemplo, a instituição funciona sempre em ligação com os pais e a escola, motivando permanentemente e ajudando. No entanto, eles agora já assumem essa ligação e compromisso, não precisando de ser substituídos por nós. Hoje eles é que vão levar e buscar os miúdos à escola, eles é que vão fazer as matrículas. Todos os miúdos, com raras excepções, são matriculados pelos pais e para isso contribui muito a circunstância de eles estarem nos nossos pré-escolares. E também há progressão em termos de sucesso escolar. Há, efectivamente, um caminho feito, sendo que a Instituição funciona, neste campo, como um vigia e um alerta. No entanto, ainda não chegámos à consciencialização da obrigatoriedade de concluir a escolaridade. Por isso e neste panorama, por vezes ficamos contentes com coisas tão interessantes como o facto de um jovem, um apenas, é certo, mas um, o Mário, que frequentou o Centro Majari desde a pré-primária, ter passado para o 9.º ano só com quatros e cincos! Isto é excepcional, sendo que é um jovem cujas condições de vida são de grande dificuldade. Por tudo isto direi que, em termos relativos, a progressão é muito lenta, mas mede-se por alguns casos de sucesso. Há, de facto, um caminho feito, mas muito lento.

A preocupação da Pastoral dos Ciganos é com as crianças?
A nossa grande preocupação de início era o facto de estas crianças estarem permanentemente na rua… E este foi um trabalho que começou nos «longínquos» anos sessenta com os contactos da presidente, Fernanda Reis, ainda a nível particular, com esta gente na rua e de quem se foi aproximando. Ela é a referência máxima dos ciganos, porque são muitos anos de trabalho. Quando ela começou e depois outras pessoas, a preocupação, em primeiro lugar, era que estas pessoas fossem pessoas, pois não tinham documentos, não recorriam aos serviços, na sua grande maioria não estavam registadas, enfim, não existiam! Depois foi a preocupação com as crianças e a escolaridade. Posteriormente, já organizados em Secretariado, embora conscientes da necessidade de uma acção conjunta e integrada, mas porque tínhamos falta de meios, após reflectirmos, decidimos apostar nas crianças, acreditando que nelas estaria a chave do futuro. Sinceramente, não sei se terá sido a melhor opção… Entretanto, iniciou-se um trabalho comunitário, com atendimentos, apoio e encaminhamentos. Mas somos muito poucos. O que posso dizer com absoluta certeza é que este trabalho precisa de um batalhão de gente para se conseguir avançar.

Porque esta é uma comunidade que precisa de um acompanhamento permanente e constante?
É. E não basta o acompanhamento das crianças e jovens… Os jovens casam muito cedo, mas a verdade é que há um hiato entre o momento em que abandonam a escola e o casamento e temos ali um conjunto de gente que não faz nada. Dantes ainda iam à venda, mas hoje a grande maioria não faz nada. Procuramos agora sistematicamente cativá-los para actividades e formações, mas depois não há seguimento. Por outro lado, tudo isto tem muito que ver com a conjuntura do País, porque quando havia mais empregos era mais fácil neste trabalho sistemático contactar empresas e inserir alguns no mercado de trabalho, mas com a crise geral que se vive torna-se muito mais difícil. Muitas vezes, quando se pensa em crise, pensa-se em crise económica, mas esta situação acaba por ter grandes consequências sociais, porque é um caminho que não tem saída… E temos necessidade de muita gente porque estas pessoas têm inúmeras carências em todos os aspectos, de esclarecimento e de encaminhamento, porque foram durante muitos anos «guetizadas». Há que recuperá-los para a sociedade, mas não homogeneizá-los. É princípio da instituição que os ciganos não deixem de ser ciganos, só que se eles escolheram uma sociedade para viver e essa é maioritária, há regras que eles têm que aceitar e essas regras têm um deve e um haver. Eles podem continuar a ser ciganos com os seus valores, mas não ir à escola não é nenhum valor… Eles precisam de se preparar para responder na sociedade maioritária, mas para se chegar lá é preciso um investimento muito grande, não só das crianças e dos jovens, mas no quotidiano dos adultos.

Um estudo recentemente divulgado sobre 2009 refere que não fossem os apoios do Estado quase metade da população vivia na pobreza?
E assim vive à mesma!... A realidade é muito má. Aliás, isso reflecte-se também no nosso trabalho. Quando se fazem Acordos de Cooperação e nos dão o mesmo que para a uma IPSS que integra vários níveis sociais e em que todos, ou uma grande parte, comparticipam significativamente, está criada a desigualdade! É que nós praticamente só vivemos com as comparticipações da Segurança Social. As famílias das nossas crianças e jovens comparticipam com valores insignificantes. Basta dizer que nós temos utentes, não apenas ciganos, mas também indianos, oriundos dos PALOP e outros, que só comem o almoço que é dado na instituição. Todos os dias temos miúdos a quem fornecemos também pequeno-almoço e lanche… Há muita miséria!

E tem sentido um aumento da procura junto da instituição?
Nós temos lista de espera… Aqui em Portugal somos muito rigorosos nas normas, porque o menino pode viver com uma família de 8 ou 10 pessoas numa sala, mas a sala na instituição tem que ter dois metros quadrados por cada utente…O mesmo se diga do número de casas de banho, que tem que ser proporcional, etc. etc. As nossas salas estão todas cheias e estamos sempre a receber pedidos, mas não podemos receber mais por causa das regras. Então, o que resulta daí é que não podemos aumentar o número de utentes e, por outro lado, cada vez temos de cobrar menos porque os pais não têm possibilidade. Uma outra situação a que assistimos é através do apoio que temos do Banco Alimentar Contra a Fome e que distribuímos. E aí há imensa gente a pedir e cada vez mais. E não vale a pena só pensarmos em ciganos, porque temos muitos imigrantes, indianos, africanos, mas também população comum, os ditos «portugueses». E depois isto é tudo acompanhado por inúmeros problemas pessoais, familiares e sociais.

Se exceptuarmos o dinheiro, que é um bem que escasseia na esmagadora maioria das IPSS, que grandes necessidades tem o Secretariado da Pastoral dos Ciganos?
Nós somos uma IPSS e tenho estado a responder-lhe enquanto tal, mas antes de sermos IPSS, somos Secretariado Diocesano de Lisboa da Pastoral dos Ciganos. Na vertente IPSS, necessitávamos de mais dinheiro, para podermos ter mais pessoal e assim apoiarmos mais pessoas. Mais espaços não precisamos, porque não temos pessoal para lá colocar… O que precisávamos realmente, enquanto Secretariado Diocesano, era de um compromisso da Igreja com este trabalho. A vocação da Pastoral quando começou nem seria o trabalho social, só que esse trabalho acontece porque não se pode pregar a estômagos vazios. Digamos que brotou, nasceu, quase que se impôs do contacto com estas pessoas… Aquilo que precisávamos era de uma colaboração por parte das paróquias no compromisso do trabalho pastoral, que, de facto, escasseia.

Como vê o futuro da instituição?
Negro. Já lhe disse que os voluntários são os marginais do século e não sei se acabando esta geração haverá por aí muitos «maduros» que queiram trabalhar de dia e de noite e aos dias feriados para manter uma instituição com as exigências burocráticas cada vez maiores. E o futuro afigura-se muito negro porque não vejo muita gente empenhada neste tipo de acção, não vislumbro também, por parte das paróquias e da Igreja em geral, um real empenhamento… Importante seria o compromisso das paróquias, já não a título social porque isso a instituição está a desenvolver, mas a título pastoral, que tinha depois uma importância extraordinária no caminho a fazer com as pessoas. Mas certo é que a instituição tem sobrevivido ao longo de 40 anos. Se acreditarmos e acreditamos, nessa outra Força que nos faz todos os dias ter esperança, sei que havemos de continuar.

E em que consiste esse Curso Romaninet?
Pretende ser um curso de iniciação à língua Romaní. Estamos a fazê-lo em parceria com uma escola profissional espanhola, o Instituto de Ribeira do Louro, que o promove e nos convidou. O grupo é ainda constituído pela Fundação Secretariado Gitano (Espanha), Escola Victor Jinga (Roménia) e pela Etnotolerance (Bulgária). Temos o apoio da Universidad de Graz (Áustria) e da Universidade de Manchester (Reino Unido) cujos laboratórios de línguas constituem uma referência europeia no que se refere a investigação e publicações em língua Romaní. O que se pretende é recuperar a língua Romaní, que quase ninguém sabe e criar um curso multimédia de dimensão europeia. Ele servirá não só os ciganos (e aí sim, em busca de uma identificação cultural), mas todos os que queiram ter acesso a uma língua desconhecida para que possam efectivamente aprendê-la ou, no mínimo, fazer uma aproximação, reconhecendo-a como elemento fundamental da cultura de um grande povo, disperso pelo mundo e presente em todos os países europeus.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2011-08-05



















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