1. O Orçamento do Estado para 2011 foi aprovado em votação final no Parlamento no passado dia 26 de Novembro. Nele fica salvaguardado o “direito à restituição de um montante equivalente ao IVA suportado pelas instituições particulares de solidariedade social (…) relativo às operações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de Janeiro” mantendo-se em vigor no que respeita “às operações que se encontrem em curso em 31 de Dezembro de 2010, bem como às que no âmbito de programas, medidas, projectos e acções objecto de co-financiamento público com suporte no Quadro de Referência Estratégico Nacional, no Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central ou nas receitas provenientes dos Jogos Sociais, estejam naquela data a decorrer, já contratualizadas ou com decisão de aprovação da candidatura”.
Com essa emenda, acautelaram-se as expectativas de restituição de montante equivalente ao IVA suportado por IPSS quanto a obras que já se encontrem em curso ou com decisão de aprovação de candidatura no âmbito de acções de co-financiamento público.
A versão inicial do OE, votada na generalidade no dia 3 de Novembro, no artigo 127º, revogava o artigo 2º do Decreto-Lei n.º20/90 de 13 de Janeiro. Assim se colocava um termo ao reembolso do IVA pelas IPSS.
A CNIS denunciou a injustiça recordando que muitas obras estavam em curso e, com este inesperado e significativo agravamento dos custos, os seus promotores confrontar-se-iam com a inevitabilidade de ordenar a sua paragem e de deixar de prestar os serviços que vinham prestando. Numa época em que, reconhecidamente, as IPSS são promotoras da coesão e da esperança e o maior e melhor factor de minoração das dificuldades de muitos portugueses, com esta inesperada, volumosa e injusta penalização, viam-se arremessadas para um vil abismo e era dado um sinal muito grave ao voluntariado e à comunidade. O Estado, que esperava arrecadar mais uns quantos impostos para atenuar o volume do deficit, “denunciava” a cooperação com o Sector Solidário, “decretava” o fim de muitas obras, “travava” a economia e “devolvia” fundos comunitários.
Fazendo-se acompanhar do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e do Secretário de Estado da Segurança Social, o Primeiro-Ministro recebeu a CNIS no dia 9 de Novembro. Aí foi encontrado um princípio de solução para todas as situações de candidaturas aprovadas e de obras em curso ou contratualizadas.
Venceu a força da razão. Na parte fundamental, foram satisfeitas as reivindicações do Sector Solidário.
2. “O poder decorre da vontade dos homens e tem um estatuto fixado por eles” (Rousseau). Assim sendo, e usando a frase de Keynes, compete ao Estado “o direito e o dever de conceder benefícios sociais que garantam à população um padrão mínimo de vida”. Funcionando ele como uma mola propulsora de desenvolvimento para a sociedade do mundo moderno, é dele a responsabilidade sobre questões sociais e a de estabelecer acordo entre os indivíduos que vivem em comunidade para que um povo possa ter dignidade e uma vida tranquila.
A sociedade “sonha e concebe” um devir com direitos sociais. O Estado “estabelece” vias e metas na sua implementação. Com os seus saberes e as suas competências, os promotores sociais cooperam na sua efectivação. A harmonia colectiva constrói-se e acontece.
Para que reine certo consenso na sociedade, deve ser favorecido o aparecimento de uma solidariedade entre os seus membros. Uma vez que a solidariedade varia segundo o grau de modernidade da sociedade, a norma moral tende a tornar-se norma jurídica, pois, numa sociedade moderna, é preciso definir regras de cooperação e troca de serviços entre os que participam do trabalho colectivo (preponderância progressiva da solidariedade orgânica).
A cooperação entre Estado e sociedade só acontecerá de forma responsável quando a ética for colocada como factor decisivo, pois somente com ela poderemos fazer com que toda a sociedade e Estado trabalhem de forma colectiva e harmoniosa.
É em bases como essas que assenta a filosofia da cooperação.
3. Segundo a última Carta Social, entre nós, o chamado sector da economia social é responsável por 73,3% das respostas sociais, com incidências nas áreas da acção social, da educação, da saúde e do desenvolvimento local. Situadas nesse sector mas responsáveis pelo chamado subsector da economia solidária, as IPSS respondem por um montante de 66,5%.
Como bem diz o Decreto-Lei 119/83, o que caracteriza o subsector da economia solidária é o facto de as instituições particulares de solidariedade social serem “constituídas, sem finalidade lucrativa, por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos”. Não só não têm fins lucrativos como, no exercício de cidadania e com motivações solidárias e/ou caritativas, com as suas competências e as suas responsabilidades, as Instituições de Solidariedade e os seus dirigentes lançam-se na aventura da cooperação implementando uma construção com direitos e serviços sociais que a sociedade sonhara e concebera e que o Estado estabeleceu.
O que se passou relativamente ao reembolso do IVA vem demonstrar que o sector da economia social, em geral, e particularmente o subsector da economia solidária talvez careça de um novo enquadramento legal. Mormente, carece de respeito.
Quando cooperam com o Estado, as Instituições de Solidariedade estão a implementar serviços e direitos sociais garantidos pelo Estado e para cuja harmonização já foram cobrados impostos: não é ético nem justo cobrar novos e mais impostos com a implementação de direitos onerando aqueles que cooperam sem fins lucrativos e, sobretudo, solidariamente. Não se trata de dispensar benefícios mas de enquadrar a cooperação na ética da harmonia.
Lino Maia
Data de introdução: 2010-12-10