PADRE FRANCISCO CALDEIRA, PRESIDENTE DA UIPSS/MADEIRA

Com as autarquias vejo o perigo de burocratizar as respostas sociais

SOLIDARIEDADE - Quais são as grandes metas a alcançar neste mandato em que está à frente da UIPSS/Madeira?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Em primeiro lugar pretendemos criar uma certa unidade, uma filosofia de clarificação dos protocolos de colaboração com o Governo Regional através da elaboração de um instrumento legal que sirva de guia para todos os protocolos. Outro objectivo é a constituição de instalações próprias onde possamos funcionar, com os recursos e equipamentos necessários para trabalhar. Queremos também intervir ao nível da formação do nosso pessoal e neste aspecto estamos a tentar criar cursos de formação sistematizada, que vão de encontro às necessidades das pessoas, mas que também dêem créditos e estejam dentro dos parâmetros do Contrato Colectivo de Trabalho, em colaboração com instituições de ensino da Região. Também temos como projecto fazer uma radiografia social da Madeira, já que não existe nenhuma.

SOLIDARIEDADE - Estão há pouco tempo constituídos como União, mas apesar disso as instituições filiadas recorrem muito aos serviços que disponibilizam?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Nós ainda estamos numa fase materialmente instaladora, estamos a constituir os nossos serviços em diversas áreas, como a área jurídica ou de contabilidade. No entanto estabelecemos três áreas principais de intervenção: o apoio jurídico e contabilístico, a formação dos recursos humanos e a área de negociação com as instâncias públicas e com os sindicatos. Em relação à área de negociação, é bom referir que na Madeira a actuação é um pouco diferente da do continente, principalmente nos protocolos na área da Educação.

SOLIDARIEDADE - Quais são as principais diferenças de que fala?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Desde já o facto do nosso pessoal ser pago segundo o regime laboral da Função Pública, o que consideramos muito positivo. Outro aspecto que difere diz respeito às comparticipações fiscais para a área da Educação que estão equiparadas nas ipss’s e no sector público, excepto para o pré-escolar. Refira-se também que há uma maior intervenção da Secretaria Regional de Educação nas ipss´s da área, que pode ser criticável ou não. Relativamente às instituições cujas valências estão sobre a tutela da Segurança Social seguimos o modelo adoptado no continente, desde a elaboração dos protocolos às comparticipações.

SOLIDARIEDADE - Considera que a ilha tem uma boa cobertura social ou existem ainda lacunas a necessitar de intervenção?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Há muitas lacunas sem dúvida, principalmente na área da terceira idade. Também existem alguns lugares onde se verificam carências de respostas para a infância e juventude, nos concelhos mais populosos como Câmara de Lobos ou Santa Cruz. Existe igualmente a necessidade de apostar nas franjas da sociedade onde se gera a nova pobreza, a nova exclusão, ou seja, nos bairros sociais, nas zonas altas da cidade do Funchal.

SOLIDARIEDADE - É, portanto, necessário criar mais instituições na Madeira?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Sim, há a necessidade de criar mais algumas, principalmente na área da terceira idade. Com o aumento da população idosa as infra-estruturas que existem não conseguem dar resposta às necessidades das pessoas. Precisamos de mais centros de dias, de mais lares. E mesmo na área da juventude é preciso mais respostas no sentido da protecção da criança e do jovem em risco. Temos feito algum trabalho em colaboração com a Comissão de Protecção de Menores e temos algumas instituições que se dedicam a acolher esses jovens em risco, mas ainda não é suficiente.

SOLIDARIEDADE - Na realidade madeirense, solidariedade social significa ainda muito Igreja…Não seria necessário um maior envolvimento da comunidade leiga nestas questões?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- A Igreja sempre teve um papel histórico na organização da caridade, mas os centros sociais e as respostas sociais são emergentes das comunidades onde se inserem. Obviamente que juridicamente são de constituição canónica, mas as suas direcções também são constituídas por leigos. Apesar disso, é um facto que cerca de 80% está dependente da Igreja, mas agora começa a notar-se outro fenómeno que é uma tentativa dos serviços sociais que sempre foram prestados pelas ipss’s passarem a ser prestados pelas autarquias.

SOLIDARIEDADE - E considera que essa aposta das autarquias interfere ou colide com o trabalho das instituições?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Eu creio que existe um campo de acção para todos e é um facto que as autarquias têm mais recursos financeiros e técnicos para investir do que nós. Mas agora põe-se outra questão: será que com a municipalização de toda a área social é possível continuar a dar respostas tão próximas da população? As instituições de solidariedade social têm como característica emanar da própria comunidade para dar respostas a essa mesma comunidade. Com as autarquias vejo o perigo de burocratizar as respostas sociais, o campo social e, de certa forma, distanciar-se da população. Passamos a trabalhar nos gabinetes e a dar respostas no papel, mas a questão da proximidade, da própria sensibilidade e atenção para os novos problemas que surgem, pode começar a falhar.

SOLIDARIEDADE - Mas acredita que essa tentativa de municipalização do campo social é mais visível na Região do que no resto do país?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Penso que não. Mas na Madeira, há bem pouco tempo, nem existiam nas autarquias pelouros na área social e desde há três/quatro anos para cá todas as câmaras passaram a ter um. Eu creio que se o trabalho for de parceria, afasta-se o risco de duplicação de funções, mas o perigo de distanciamento e de afastamento da realidade das problemáticas continua. Nós, ipss’s, tentamos sempre adoptar projectos de parceria.

SOLIDARIEDADE - Na intervenção que fez no congresso, referiu que muitas ipps’s estavam a perder a sua matriz e natureza solidária e a adquirir uma matriz mais classista e corporativa. Estaria a referir-se ao panorama regional?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Normalmente as nossas instituições surgem para dar respostas multifacetadas aos problemas sociais que advêm da comunidade. Quando vemos surgir ipss’s que estão muito ligadas as instituições financeiras, clubes, etc., claro que essa ligação restringe o seu âmbito de acção. Oxalá que essas instituições que têm surgido mantenham esta filosofia solidária de intervenção.

SOLIDARIEDADE - Mas existem muitas na Madeira?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Há uma ou outra…

SOLIDARIEDADE - Cabe ao Estado essa fiscalização. Considera que tem sido feita de forma eficaz e assídua aqui na ilha?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Quando o Estado constitui um ipss deve verificar todos os aspectos e depois estar atento ao seu funcionamento. Se esse trabalho tem sido feito cá, não sei. Não tenho ideia nenhuma sobre isso.

SOLIDARIEDADE - Um dos compromissos que a direcção da UIPSS/Madeira assumiu no I congresso que realizaram o ano passado foi o de colaborar na concepção de um instrumento legislativo que estabeleça o enquadramento político e jurídico do sistema de cooperação entre o Governo Regional da Madeira e as ipss’s, onde deveriam estar definidos os objectivos, princípios, regras e formas de apoio técnico e financeiro. Esse diploma já está pronto?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- Ainda estamos a dar os primeiros passos para cumprir esse objectivo, está ainda muito longe de ser protocolado e de ser aplicado no terreno. O nosso principal objectivo com esse instrumento legal é regular o funcionamento das ipss’s tendo em conta as especificidades da Madeira. Por exemplo, temos instituições que estabelecem protocolos com a Secretaria da Educação e simultaneamente com a Segurança Social. Ora a Segurança Social da Madeira está muito mais dependente da Segurança Social nacional do que a Secretaria Regional da Educação que tem um grau de autonomia muito elevado. Ao nível das contratações laborais, mantém-se a mesma questão: temos contratações laborais diferentes para as áreas ligadas à Segurança Social e para as áreas afectas à Educação. Queremos uniformizar estas relações para que as instituições, perante as mesmas situações, possam ter abordagens semelhantes. O protocolo tem que funcionar como chave-mestra para todos os restantes que venham posteriormente a ser celebrados e para isso tem que ter um horizonte temporal mais vasto.

SOLIDARIEDADE - Qual a ligação que mantêm com a CNIS?
PADRE FRANCISCO CALDEIRA
- É obviamente uma relação aberta, franca, de colaboração. Nós temos problemas específicos, pelo facto de sermos ilhéus, mas temos relações de cooperação e de amizade com os corpos dirigentes. Penso que a CNIS tem uma importância ímpar, sobretudo na área da cooperação com o Estado e também como entidade potenciadora para a criação de sinergias, de dinâmica social, levando as instituições a cumprir o seu papel.

 

Data de introdução: 2006-11-12



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...