JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

O turismo é a pimenta do século XXI

O turismo é uma atividade particularmente importante para a economia nacional. Em 2024 terá contribuído com pouco menos de 12% do PIB (cerca de 34 mil milhões de euros) embora numa perspetiva de valor acrescentado o contributo seja um pouco menor (8,1%).

O crescimento no emprego no setor do turismo tem sido substancialmente superior ao crescimento geral do emprego na economia e atualmente o setor representará ligeiramente menos de 10% do emprego total.

Mas não é só nesta perspetiva das contribuições para os agregados macroeconómicos que o turismo é importante.

Por exemplo, foi o desenvolvimento turístico que tornou possível recuperar os centros históricos, nomeadamente em Porto e Lisboa, do mesmo modo que algumas atividades agrícolas, em particular no setor do vinho, teriam mais dificuldade em navegar a situação crítica que atravessam sem os contributos do turismo em espaço rural.

O turismo também é responsável, em larga medida, pelo atual regime de excedente orçamental em que vivemos na medida em que o crescimento do emprego turístico tem contribuído para os superavits da segurança social que são o suporte dos atuais saldos positivos da execução orçamental.

Não obstante todas estas boas notícias receio que estejamos a viver uma quimera e que o turismo possa ser no século XXI o que a pimenta foi no século XVI.

Os excedentes orçamentais são em larga medida ilusórios. Na verdade, o consolidado da administração central com as autarquias e as autonomias regionais apresentava a agosto de 2025 um saldo negativo de 2,4 mil milhões de euros. O saldo global fica positivo porque a Segurança Social tem um excedente de 4,4 mil milhões. O problema é que os atuais saldos da Segurança Social são o que na minha terra chamamos mel de enxame novo. Os novos contribuintes em resultado do aumento do emprego, em boa parte imigrantes, geram encaixe, mas, por enquanto, pouca despesa. Como é evidente não será sempre assim…

Há um par de semanas, enquanto esperava pela abertura da Feira do Livro no Porto, sentei-me numa esplanada e pedi um copo de cerveja e tremoços. Os tremoços, possivelmente por um menor apelo cosmopolita, não estavam disponíveis, contudo, havia amendoins. Quando chegou a hora de pagar pediram-me oito euros o que me pareceu um exagero e me levou a perguntar se não havia engano na conta. Não havia engano, não senhor, era mesmo assim como, aliás constava do cardápio que obviamente eu não tinha lido nem julgava necessário ler para coisa tão corriqueira.

Entretanto dei por mim a pensar que a minha indignação em relação ao caso estava um pouco deslocada. Em boa verdade, numa esplanada de Paris, Barcelona ou Londres os preços seriam, porventura similares. Ainda recentemente estive em Veneza e, próximo da Piazza San Marco, uma cerveja Moratti custava nove euros. De alguma forma em Veneza é mais barato que na esplanada do Porto dado que a Moratti tem 0,66 litros de líquido e trazem com a cerveja, incluído no preço, um pote com batatas fritas bem maior do que alguma vez eu conseguiria comer.

Na verdade, o problema não está no preço dos oito euros pela cerveja e pelos benditos amendoins. Se conseguem vender a esse preço, ótimo. Ótimo para os donos do negócio, ótimo para o saldo do turismo e potencialmente positivo para a economia. O problema está em que o empregado que me serviu em Veneza ganha tipicamente 24.000 euros anuais e, com alta probabilidade, o empregado que me serviu no Porto ganha o salário mínimo, ou seja, em regime anual cerca de metade do que ganha o empregado italiano.

Quando se vende a preços internacionais, mas se pagam salários muito mais baixos que os salários que vigoram por essa Europa próspera, parece seguro concluir que muitas das nossas empresas estão a fazer margens anormalmente elevadas.

Há um sítio onde o podemos sab com toda a certeza. A atual concessionária dos aeroportos está a fazer resultados muito acima do que justificaria o capital investido e o risco do negócio. Um governo incompetente vendeu por dez réis de mel coado uma concessão estratégica do ponto de vista nacional onde o atual concessionário privado suga os ativos de uma forma que chega a ser escandalosa.

Em si mesma, esta situação de lucros acima de uma hipotética situação de equilíbrio, não é necessariamente negativa ou grave. A acumulação capitalista não é crime e pode até fornecer a base para um nível de investimento elevado que permita modernizar a economia, aumentar a produtividade e melhorar os padrões de vida de todos.

Obviamente não sei o que andam a fazer as empresas - que as circunstâncias atuais tornaram muito lucrativas - com os excedentes que estão a encaixar. Infelizmente o nosso sistema estatístico não é suficientemente granular para nos iluminar neste particular.

Os dados dos agregados macroeconómicos dizem-nos que os balanços das empresas não financeiras, entendendo aqui por balanço a diferença entre ativos financeiros e passivos financeiros, melhoraram significativamente nos últimos anos. Os balanços das empresas não financeiras deterioraram-se significativamente no período que se seguiu à adesão ao euro, no quadro de um endividamento geral e insustentável da economia, começaram a corrigir com a intervenção da troika, voltaram a piorar um pouco com a pandemia, mas, nos últimos anos, a tendência é de clara melhoria.

A situação de liquidez das empresas não financeiras parece ter melhorado significativamente como se constata pelo crescimento dos depósitos bancários, notório sobretudo depois da pandemia e do surto turístico.

Tudo isto, não obstante ser conseguido à custa de salários baixos, poderia ser positivo se, em resultado de margens anormalmente altas em alguns setores da economia, as taxas de investimento estivessem a subir, isto é, se a acumulação de dinheiro estivesse a alimentar um surto de investimento significativo.

Mais uma vez, olhando para os números macro não é isso que está a acontecer. As taxas de variação homóloga do PIB e da Formação Bruta de Capital Fixo tem andado razoavelmente próximas não sendo visível qualquer alteração estrutural em resultado da melhoria das margens e da situação de liquidez das empresas.

O sacrifício dos trabalhadores portugueses até podia justificar-se se a acumulação de anormal de riqueza se estivesse a transformar em um crescimento elevado do stock de capital produtivo. Também não parece ser o caso, pelo menos tanto quanto de pode ver nos números agregados.

Daí que o turismo nos nossos dias se possa transformar na pimenta do século XVI. Também nessa altura a riqueza se transformou sobretudo em ostentação, fausto e exibicionismo nas ruas de Lisboa, enquanto cidades como Antuérpia, primeiro e, Amsterdão, depois, enriqueciam verdadeiramente com o comércio das mercadorias que trazíamos do Oriente, de África ou do Brasil.

Temo bem que os lucros anormais do turismo acabem em coleções de Porches e Ferraris numas quantas garagens, mas deixem traços pouco visíveis em investimento produtivo e alguma inovação.

Gostava muito de estar enganado…

 

Data de introdução: 2025-10-15



















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