1 - Esgotado o procedimento que conduziu às eleições para a Assembleia da República de 18 de Maio último, com a indigitação e posse do novo Governo, de maioria relativa da AD, passamos de imediato para o ciclo eleitoral seguinte, que há-de conduzir à eleição dos novos órgãos municipais e das freguesias, lá para Setembro ou Outubro próximos; a que se segue a eleição do novo Presidente da República, em Janeiro de 2026 – daqui a meio ano apenas.
A minha primeira memória de eleições para titulares de funções públicas foi a eleição presidencial de 1958, em que, no dia em que fiz seis anos de idade, fui pela mão do meu pai até à assembleia de voto, em Ermesinde, nessas eleições em que, é hoje consensual, o General Humberto Delgado teve mais votos do que o candidato da União Nacional, o Contra-Almirante Américo Tomás, mas a quem foi retirada a vitória que obtivera nas urnas por uma falsificação levada a cabo pelas autoridades de então, afectas ao chamado Estado Novo.
Nos anos que mediaram entre essas eleições de 1958 e a Revolução do 25 de Abril de 1974, o regime, que apanhara um susto com a votação de Humberto Delgado, decidiu, mediante uma revisão constitucional à medida, acabar com a eleição directa para Presidente da República, apesar de tudo consagrada na Constituição de 1933.
Passou o Presidente da República a ser eleito por um colégio eleitoral restrito e de confiança, constituído pelos deputados à Assembleia Nacional e pelos procuradores à Câmara Corporativa, que reelegeram Américo Tomás em 1965 e em 1972.
(É essa memória das eleições de 1958 que recomenda que se mantenha ainda o sufrágio universal como método de eleição do Presidente da República, em detrimento de algumas vozes que vêm defendendo a eleição indirecta do primeiro magistrado, visto como incómodo contrapoder relativamente ao Governo, por detentor de idêntica legitimidade popular.)
Mas verdadeiramente as minhas primeiras eleições foram as legislativas de 1969, no princípio da Primavera Marcelista, em que participou a Oposição; no Porto, o meu círculo, através de duas frentes eleitorais, a CDE – ligada ao Partido Comunista e ao MDP/CDE; e a CEUD – constituída predominantemente por personalidades ligadas ao socialismo democrático, à social-democracia e a alguns círculos católicos progressistas.
Mesmo a lista da Acção Nacional Popular (novo nome da União Nacional, único partido autorizado e afecto à Situação), no que foi visto como uma tentativa de Marcelo Caetano de limar alguns dos traços mais opressivos da Ditadura, continha alguns candidatos que escapavam ao cinzentismo dominante e que viriam a integrar, na Assembleia Nacional então eleita, a chamada Ala Liberal, com intervenção designadamente em sede de restituição aos cidadãos das liberdades civis.
Foi o caso de, entre outros, no Porto, Francisco Sá Carneiro, Joaquim Macedo, Pinto Machado, José da Silva; e, no resto do País, Pinto Balsemão, Mota Amaral, Miller Guerra, Pinto Leite, Magalhães Mota, Raquel Ribeiro – e outros, que, após o 25 de Abril, desaguaram maioritariamente no PSD, que ajudaram a fundar, e no PS.
(A Câmara Municipal do Porto organizou, por iniciativa do Arquivo Ephemera, uma exposição sobre Francisco Sá Carneiro – que creio que ainda se encontra em exibição no átrio dos Paços do Concelho -, onde se explicita em detalhe esse período politicamente muito activo e interessante que vai da substituição de Salazar por Marcello Caetano até ao 25 de Abril e ao período imediato à Revolução que entre nós restituiu a Democracia.)
Já aqui, nestas crónicas, dei conta de terem sido essas eleições de 1969 a minha estreia na participação cívica, distribuindo nas escadas da igreja de Ermesinde boletins de voto da Oposição aos eleitores que passavam em direcção ao local da votação.
Aquando das eleições para a Assembleia Nacional de 1973, apesar de já ter então 21 anos – e ser, portanto, de maior idade -, não me deixaram inscrever no recenseamento eleitoral.
De modo que, em eleições propriamente políticas, a primeira vez que votei foi em 25 de Abril de 1975, nas eleições para a Assembleia Constituinte, prometidas pelos militares de Abril.
2 – Essas eleições, para a Assembleia Constituinte, foram até hoje as mais participadas no regime democrático que há 51 anos nos tem assegurado a liberdade e a paz.
Também já tive ocasião de aqui escrever – nestes cerca de 20 anos ininterruptos que levo de cronista no Solidariedade – do privilégio que tive de assistir das galerias a várias sessões da Constituinte.
(O meu sogro foi deputado Constituinte pelo Porto e várias vezes me levou a assistir a esses momentos fundadores do quadro democrático em que felizmente até hoje vivemos.)
Esse privilégio era acompanhado de um outro não menos interessante: o de conhecer e ouvir, directamente da fonte, as intervenções desse conjunto de 250 deputados, que constituíam o escol do país, quer no que se refere ao prestígio profissional, quer à participação cívica, quando a mesma exigia coragem, durante a ditadura.
Creio mesmo que é na notoriedade profissional e na intervenção cívica que noto as maiores diferenças entre os deputados que ajudei a escolher em 1975 para a Assembleia Constituinte e os que constavam das listas de candidatos em 2025, a pedir o meu voto.
Em 1975, apresentaram-se a sufrágio, salvo raras excepções, personalidades cuja presença honrava o Parlamento e que nessa Câmara prosseguiam a participação cívica de uma vida dedicada ao serviço da Pátria.
Em 2025, ao percorrer a composição das listas concorrentes, e com a mesma ressalva de raras excepções, eu próprio, que me gabo de não andar fora do mundo, não conhecia o percurso anterior nem reconhecia quase ninguém, sequer pelo nome; nem atribuía, portanto, aos candidatos especial competência para me representar.
3 - Claro que é sempre preferível escolher pelo voto deputados sem especiais qualificações do que vê-los impostos por decisão de qualquer autoridade; pelo menos, em democracia, posso, findo o mandato, devolvê-los para de onde vieram.
Mas tenho muitas vezes pensado se a progressiva dissolução das democracias, a que vimos assistindo, mesmo as que julgávamos mais consolidadas, em benefício do populismo, não terá que ver com a quebra de qualidade do pessoal político.
Ainda hoje, dia em que escrevo, vejo na televisão a reportagem que nos chega de Los Angeles, na Califórnia, da mobilização de tropas federais, ordenada por Donald Trump, para reprimir uma manifestação legítima contra a perseguição aos imigrantes, alvo das políticas da presidência americana, que os trata como criminosos.
Trata-se de uma democracia consolidada, a dos Estados Unidos, há bem mais tempo do que a nossa – e, como se vê, não está imune aos populismos e à autocracia, isto é, ao ataque às liberdades civis.
Da mesma forma, entre nós, nos dias de hoje, é também pelo modo como os poderes públicos lidam com a imigração que se mede a solidez da nossa democracia; e não será por impedir o reagrupamento familiar de quem legitimamente se quer integrar no nosso País, como há quem peça ao Governo que impeça, que se defendem os direitos de todos.
As primeiras vítimas a sofrer as ofensivas autocratas são sempre os outros…
Mas, se deixarmos, a nossa vez também chegará!
Henrique Rodrigues, Presidente do Centro Social de Ermesinde
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