É já tradição que as organizações de diferentes âmbitos, aproveitem os atos eleitorais para fazerem valer as suas reivindicações mais estruturais ou as que menos são valorizadas e se revelam de elevada importância para a prossecução dos fins de cada uma delas. Procuro estar atento, sobretudo, às do setor social. Por isso, li com muito interesse o documento preparado pela CNIS que leva o título “Contributo da CNIS para todos os partidos com assento parlamentar”.
Os responsáveis pela elaboração deste documento, em meu entender, tiveram o cuidado de não se quedarem, apenas, por se vincularem a propostas de medidas que visem a solução dos problemas quotidianos das IPSS, alguns que até estão a colocar em risco a sobrevivência de muitas, mas sem as esquecerem, quiseram abordar assuntos de ordem mais estrutural. Pessoalmente, estou convencido de que se conseguirem o acolhimento dessas propostas, fica mais fácil negociar as questões que visam a resolução do grande desafio que, presentemente, se coloca às IPSS e que tem a ver com a garantia da sustentabilidade da área da solidariedade social como componente estruturante de um Estado Social que necessita dela, não apenas como forma de implementar medidas de ação social, mas, fundamentalmente, como agentes transformadores do desenvolvimento socioeconómico. Este desenvolvimento que não pode estar, exclusivamente, confiado à economia de mercado, mas que tem de contar com a que tem uma dimensão social, pois só assim, podem caminhar juntos o crescimento económico e a distribuição equitativa dos rendimentos desse crescimento, tendo em conta a parte da população portuguesa mais vulnerável.
Assim, tem todo o sentido que o documento proponha medidas que visam a revisão constitucional, de modo a tornar mais explicita a missão da solidariedade, completando uma lacuna existente no n.º 5 do artigo 63.º da Lei Fundamental, que é da de não atribuir a esta «uma formulação que igualmente configure como um direito o direito à solidariedade – ou um direito à proteção social, traduzido em medidas de apoio social- assegurado por um sistema nacional de cuidados a quem careça de proteção social». A aceitação desta proposta permitiria, em meu entender, uma revolução na relação do Estado com o setor social, concretamente, no que diz respeito aos direitos e deveres de ambas as partes. Outra modificação que acarretaria e que, há muito, vem a exigir alterações substanciais é a metodologia de cooperação vigente e a definição de corresponsabilidades conforme a natureza das problemáticas sociais, precavendo respostas adequadas em termos de eficácia e eficiência de meios.
Na prossecução da revisão constitucional solicitada, vem outra que urge resolver, que é a regulamentação da Lei de Bases da Economia Social, de modo a que, segundo reivindica a CNIS, se «estabeleça a identidade e respeite as caraterísticas do Terceiro Setor, libertando as Instituições que se enquadram no seu seio, designadamente as IPSS, da tentação , em que se tem caído, de as sujeitar, quanto a procedimentos, a um regime quase de direito público,..», referindo questões como as da autonomia, as de ordem financeira, as de aplicação de procedimentos administrativos que se revelam uma tortura burocrática e na falta de condições de «liberdade de ação para a atuação em mercado aberto». Esta, tem sido ao longo dos tempos, a maior tensão existente entre um Estado democrático, que devia fomentar, a participação, regulada e acompanhada, dos cidadãos organizados, de modo a fortalecer a democracia participava e ter mais garantida a de ordem representativa. Um modelo como este não se compadece com relações impositivas em que se fala de cooperação, mas, na prática, prevalece o querer do mais forte que, neste caso, é o poder central e, agora, o mesmo risco poderá correr-se com o poder local. Esta revisão da Lei de Bases da Economia Social, a acontecer, tem de prever a sua amplitude, na medida em que há muitos setores que, embora não tenham direta prestação de serviços sociais, dão um contributo para o crescimento da economia, mesmo que não seja na sua vertente financeira explícita, mas contribuem para o desenvolvimento integral e sustentável do país. Penso em muitas atividades ligadas à cultura, à edução informal, à defesa do património, à proteção do ambiente, à cooperação com outros países em vias de desenvolvimento… Instituições que, na sua natureza e finalidades, são órgãos intermédios da sociedade civil e como tal deveriam estar, explicitamente, representados no setor da economia social. O problema da falta de possibilidade de “concorrer” com o “mercado aberto”, embora compreenda a razão justificativa da CNIS, considero que seria de deixar muito claro onde começa e termina, em termos de autonomia financeira, a Economia Social e a Economia de Mercado. É que a possibilidade de entrar num mercado aberto, sem parâmetros definidos à partida, corre o risco de resvalar para a preocupação da obtenção do lucro, como um fim em si mesmo, e não de assegurar excedentes financeiros que viabilizem a sustentabilidade de qualquer IPSS, concretamente os encargos que o Estado não cobre, existindo já neste aspeto uma injusta desigualdade de condições na concretização das finalidades das IPSS.
O documento que ousei comentar é composto por 7 propostas. Propositadamente, limitei-me às duas primeiras, pois julgo que as restantes encontrarão uma resolução mais escorreita se estiver resolvida e assumida com determinação a relação do Estado com a economia social que já deu provas suficientes que está onde e com quem a economia de mercado não quer estar, porque não sacia a sede de lucro que a carateriza. Por outro lado, parafraseando o Papa Francisco, é uma economia que não mata, mas procura dar vida em muitas situações em que o poder financeiro sem coração exclui e mata a alegria de viver. Se a Economia Social não estiver ao serviço, preferencialmente, dos “últimos”, não tem razões para existir. Por isso, felicito o contributo que a CNIS ofereceu aos partidos, pois, se eles o aceitarem, terão a garantia de puderem contar com um contributo para um Estado Social robusto e inquebrantável.
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