HENRIQUE RODRIGUES

“Nesta cidade em que o poeta é agora focinho de leitão” (a)

1 - A minha mãe era professora. Os seus pais, e meus avós maternos, foram ambos professores. Os seus noves filhos, incluindo a minha mãe, em algum momento das suas vidas, foram professores. Os irmãos dos meus avós maternos, meus tios-avós, e eram também muitos, foram professores. Os seus filhos foram professores, padres e freiras. Um dos meus bisavôs maternos foi também professor. Vinte dos meus primos direitos, do lado materno, são, ou foram, igualmente professores.

Salvo algumas excepções, quase todos na escola pública.

Havia, no antigo regime, uma revista do Ministério da Educação Nacional, chamada Escola Portuguesa, que trouxe uma vez a lume o levantamento dos membros da família que eram professores – e eram mais de 40 os que exerciam, em simultâneo, a docência no sistema de ensino público.

Devo muito daquilo que sou a esse ambiente de ensino, que, mais do que profissional, era como que um destino, que cercava e envolvia o meu crescimento e como que impregnava, sem se dar por ela, o meu modo de ver o mundo.

Ainda recordo os inúmeros serões, em colectivo familiar, em Ermesinde, no Porto ou em Abragão, debatendo as minudências da língua portuguesa, a etimologia das palavras, a construção das frases, as ambiguidades semânticas, as excepções gramaticais, a flexão regular e irregular dos verbos, as metáforas e as metonímias …

Ficou-me desses hábitos o gosto pelos detalhes e o amor da língua – que ainda hoje mantenho.

Com referi acima, muitos dos meus primos direitos exercem ainda hoje a docência no ensino público e a atual crispação entre o Governo e os professores é tema das conversas de fim de semana, que como que prolongam os debates sobre a língua de há algumas décadas atrás.

Creio, pois, que estou razoavelmente informado sobre as razões das partes desavindas.

Suponho que estou de acordo com a maioria, que considera justa a luta dos professores e respeitáveis as suas queixas.

 

2 - Sei, de conhecimento directo, da existência de professores, do quadro da sua escola, licenciados e com mestrado em ensino, com mais de 30 anos de serviço - e que recebem, no fim do mês, o salário líquido de 1.300,00 euros.

Nunca chegarão ao topo da carreira, pois ficaram estagnados por vários anos nos níveis 4 e 6, sem possibilidade de acesso aos níveis superiores, possibilidade rateada apenas para alguns, em função das quotas de acesso e dos limites para as classificações, no processo de avaliação.

 Parecem-me estas as principais razões de queixa dos professores, no panorama geral do conflito, de par com a recuperação integral do tempo de serviço “congelado”, para o efeito do reposicionamento na carreira.

 Trata-se, como referi, de razões de queixa – quer dizer, constituem razões, e boas razões.

Há todavia outros aspectos, de significado mais restrito, que integram a agenda da luta, mas cuja justeza não é, para mim, tão linear.

Uma delas tem que ver com a precariedade da colocação, nomeadamente dos professores que se não encontram vinculados a uma escola e que correm o risco de ter de andar “com a casa às costas”, como é uso dizer-se – por terem de concorrer, para obterem a vinculação, para localidades distantes da sua residência.

Outra respeita aos professores que se encontram num quadro de doença prolongada - colocando-os longe dos familiares que os acompanham e deles cuidam.

São razões, em abstracto, estimáveis: parece uma violência empurrar para leccionar no Algarve um professor residente no Minho, com família constituída e consigo residente; como parece injustificado afastar da sua residência professores que se encontram doentes – verdadeiramente doentes.

Afigura-se igualmente desajustado separar elementos do casal, se ambos professores, segundo a antiga “lei dos cônjuges”, que permitiu, durante décadas, um professor chamar para trabalhar junto de si o seu cônjuge, colocado “em longes terras”.

 

3 - Todas estas mobilidades têm aparente justificação absoluta.

No entanto, por constituírem excepção, é legítimo que o Governo procure restringir a sua aplicação aos casos em que os professores se encontram efectivamente doentes, fiscalizando esse estado; e reduza a mobilidade por razões de proximidade geográfica, de forma a não perverter a regra, cuja lógica os sindicatos defendem, de colocação mediante a classificação no concurso nacional.

Com incentivos para quem é deslocado, naturalmente (já que não se podem ir buscar professores a Cuba).

  A alternativa, susceptível de resolver mais adequadamente todos os interesses conflituantes, seria a possibilidade de contratação directa pela escola de uma parte significativa dos professores de que carece.

Todos nos lembramos dos nossos professores e não nos enganamos quando, cá para o nosso íntimo, os classificamos como muito bons, bons, suficientes ou incapazes.

Os directores das Escolas não são menos observadores do que nós somos – e também sabem quais os melhores para ensinar na escola por que são responsáveis.

Mas essa aproximação entre o conhecimento dos méritos dos decentes e a sua contratação não merece a estima dos sindicatos – que não prescindem de um concurso nacional, mesmo com os desvios referidos.

Seria talvez uma forma de inverter a tendência do ranking das escolas dos últimos anos, voltando a conferir à escola pública a exigência republicana da qualidade e do rigor, como factor da mobilidade social.

 

4 – Como referi, no essencial, é justa a luta dos professores.

Mas tem sido, em boa medida, ineficaz.

Durou todo o ano de 2022-2023, e já está aprazado o recomeço para 6 de Setembro.

Está a perder créditos, na percepção social.

O decurso do tempo tem degradado a coreografia das manifestações com que os sindicatos dão publicidade às greves – e isso tira, ou enfraquece, a razão.

Dos professores, exige-se compostura e educação – quando dão aulas, mas também quando se apresentam noutros contextos.

Não deixam de ser professores quando fazem greve.

Não foi apenas o mau gosto da máscara de porco colocada sobre a cara do Primeiro-Ministro e que me evocou o título de Cipriano Justo.

Confesso que não estimo particularmente ver adultos, professores, a apitar com estridência nas manifestações, como adolescentes.

Preferia para os meus netos professores com outra ‘gravitas’, com outros modos.

‘Est modus in rebus’

 

a)Cipriano Justo

 

Data de introdução: 2023-07-12



















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