PADRE LINO MAIA, PRESIDENTE DA CNIS

Até 2023 salário mínimo aumenta 6% ano. Sector Social precisa de atualização idêntica

O Presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) tem dificuldades em compreender a ausência de referências à cooperação com o sector social no programa do novo governo. De resto, o documento não é muito generoso com o sector de uma maneira geral. É verdade que também não há lá nada contra, mas as instituições de solidariedade são aparentemente votadas a uma grande indiferença.

Lino Maia crê, no entanto, que a nova ministra, Ana Mendes Godinho, tem características para recuperar rapidamente a evidente falta de experiência e conhecimento das pastas do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

O presidente da CNIS está preocupado com o futuro das instituições e, por isso, diz que o próximo desafio é a sustentabilidade. E o Estado, através do governo, tem que assumir as suas responsabilidades.

Há novo governo, programa eleitoral, novo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. O executivo não tem apoio de uma maioria parlamentar. A CNIS prevê alguma mudança significativa nos próximos tempos?
O que interessa são as políticas. Penso que para a CNIS isso é indiferente. Não é por aí que estou apreensivo. No passado recente havia mais ponderação no governo com o acordo que tinha com os outros partidos, mas fundamentalmente acho que não haverá grandes alterações.

Ana Mendes Godinho, a nova ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não tem muita experiência...
Eu tenho a impressão de que é uma pessoa sensível que saberá ouvir e procurará boas soluções. Não estou apreensivo, embora reconheça que com o ministro que lhe precedeu já havia um grande conhecimento mútuo, trabalho em conjunto, mas não estou preocupado. Tenho-a por uma pessoa de boa vontade, sensibilidade, capacidade de ouvir, que até já demonstrou. A minha única preocupação é que havia já assuntos em agenda, calendários definidos e agora a mudança pode provocar algum protelamento. Pode haver, também, forças que queiram marcar terreno, forças que podem não estar em sintonia com as nossas preocupações e maneira de ser. Podem querer ter ascendente sobre o ministério. Mas estou confiante em relação à ministra.

A Secretaria de Estado da Ação Social vai para a Guarda, como vê esta situação?
Sou a favor da desconcentração. Olhando a que a Guarda representa o interior, pode até ser interessante. No fundo, o interior associa a depressão, a pobreza, a desertificação e é onde nós temos instituições que tantas vezes são as únicas entidades prestadores de serviço à comunidade e até os principais agentes económicos. São as instituições que mais emprego dão e que mais fazem pelas populações locais. Isso pode ter vantagens para uma secretária de Estado que começa uma atividade política em contacto com esta realidade.

Já falou com a nova ministra?
Sim, por iniciativa dela, logo depois de ter tomado posse. Fiquei encantado porque é uma pessoa sensível, sabe estar atenta, dialogar e ouvir. Estou otimista.

Achou surpreendente a forma como Vieira da Silva deixou a vida política?
Eu não tenho a veleidade de dizer que éramos amigos, mas tenho muito respeito por ele. Vinha percebendo que isso lhe ia acontecer. Foram 20 anos em que esteve nesta área. É o ministro com mais anos no Ministério do Trabalho e é compreensível que tenha chegado a um momento em que se colocou na reserva. Não para voltar, mas ele será sempre um senador a quem temos de ouvir e que poderá, e certamente vai, prestar grandes serviços à comunidade. Precisamos de ter pessoas que conheçam, que saibam e que sejam vozes de referência. Ele vai ser isso. Não se retirou para ficar inativo nem para andar por aí a criar problemas. Retirou-se para dar lugar a outros e ser uma referência. Tenho muito medo de estarmos sempre sujeitos ao voluntarismo, a experiências sempre inovadoras e novas...

O que o preocupa mais no relacionamento com o governo nos próximos tempos. A cooperação?
Quando penso nos próximos tempos, penso que este sector é um pilar muito importante do Estado Social e é o principal agente de proteção social neste país. É importante que isto seja compreendido. A minha grande preocupação é a da sustentabilidade deste sector. Se este sector perigar, e não digo que isso não possa acontecer, nós teremos muitos problemas em Portugal. São idosos, são crianças, são pessoas com deficiência que estão dependentes da nossa atividade. A sustentabilidade é um desafio. Há boa gestão, há qualidade, há muito voluntariado, mas é importante que o Estado tenha em atenção que a sustentabilidade não depende exclusivamente da gestão. O Estado é corresponsável. Nos próximos anos é esta a grande preocupação. Continuando a privilegiar os mais carenciados, cada vez temos pessoas dependentes durante mais tempo, pessoas que não terão meios para suportar os custos, o Estado tem que estar atento, voltar para aqui o seu olhar. Esse é o grande desafio.

Foi aprovado o programa do governo. Do que conhece do documento que implicações se preparam para o Sector Social Solidário?
Neste programa de governo há um conjunto de desafios, de propostas, de políticas que considero positivas. Espero que não seja apenas um programa de boas intenções, mas que seja para concretizar. Não fiquei muito contente por verificar que há uma espécie de ignorância sobre a Cooperação e sobre o sector de uma maneira geral. Não há lá nada contra, mas parece-me que brota de lá a ideia de que o Estado é que tem que fazer, o Estado é que tem que ser, o Estado é que tem que estar. Ignorando que o instrumento do Estado na proteção social são as instituições de solidariedade, mesmo sendo autónomas. Penso que no programa do governo isto não está claro. Há iniciativas políticas que considero positivas. O grande objetivo, neste momento, que temos que consensualizar em sede de diálogo, é o facto de se dotarem as instituições de meios para prosseguirem os seus fins. O Estado tem aqui fortes responsabilidades.

Mas há impactos no sector social que constam do programa do governo. O aumento do salário mínimo, por exemplo.
Segundo o programa, em quatro anos, o salário mínimo vai aumentar até 2023 cerca de 150 euros, perto de seis por cento ao ano. É bom, é necessário e é capaz de não ser suficiente. Mas não é só o salário mínimo. Neste sector temos uma percentagem muito grande de trabalhadores que são atingidos sempre que há uma atualização. Mais de 50 por cento dos trabalhadores, em qualquer atualização de salário mínimo, são cobertos pelo novo valor. O salário médio é, de facto, baixo. Notamos neste momento, em algumas zonas do país, dificuldade em contratar trabalhadores porque são assediados por outros sectores que remuneram melhor. E eles são fundamentais para as IPSS. O trabalho não é fácil e devia ser melhor recompensado. Temos que estar atentos. Temos encontrado nos sindicatos uma grande compreensão, porque o rendimento e as receitas das instituições não permitem uma remuneração justa. Por isso é que apelo a alguma compreensão, quando no programa do governo se fala da atualização de salário mínimo, mas também numa política salarial que deve ser adotada. Nós temos salários muitos baixos. Era importante que ao longo desta legislatura tivéssemos como referência a atualização do salário mínimo, que andará perto dos seis por cento ao ano, e que essa fosse também a atualização da cooperação para permitir melhor retribuição aos trabalhadores e assegurar a sustentabilidade das instituições. Para mim, é essa a orientação, 5/6 por cento ao ano durante quatro anos. Quando há mais de 20 anos foi celebrado o Pacto de Cooperação para a Solidariedade previa-se que nunca o Estado desceria dos 50% na comparticipação para o sector. Temos um estudo que mostra à evidência que, neste momento, não ultrapassa os 42% dos custos. Em algumas valências apenas cobre 38%. Se houver uma intenção de recuperar esta diferença para os 50%, penso que, não sendo ótimo, era um bom caminho.

Julga que, se não houver essa consideração por parte do Estado, pode estar perto o momento de rutura estrutural deste modelo de sustentabilidade das instituições?
Temo. Em alguns sectores da sociedade portuguesa, designadamente partidos, ainda olham muito para estas instituições como instituições de caridade. E pensam que elas fazem coisas fantásticas, porque querem e porque têm meios. Não há a consciência de que são não só um pilar do Estado Social, como são responsáveis por 80% do que se faz de ação e proteção social direta. São números oficiais. Se elas não fizerem o que fazem teremos muitas pessoas abandonadas. Haverá idosos, crianças, pessoas com deficiência sem qualquer proteção. O Estado fez uma opção que eu considero correta. Verificando a génese, a história, o conhecimento, a competência e o envolvimento deste movimento, o Estado confiou-lhe grande parte das suas obrigações na proteção social. Agora não pode esquecer isso. Se este sector colapsar parte do Estado também colapsa. E eu temo o efeito de contágio. Se alguma instituição falir, por causa da situação difícil que enfrenta, pode haver um efeito de contágio perigoso.

O Estado é ingrato em relação ao Sector Social Solidário?
O Estado também tem dificuldades. Como encontra neste sector muita boa vontade, muita capacidade, vai confiando, nem sempre assumindo as suas responsabilidades. Eu também tenho que reconhecer que o Estado não tem fechado os olhos. O compromisso de cooperação que foi assinado há poucos meses dá sinais muito positivos e é o reconhecimento de que o Estado tem consciência do nosso valor e importância.

Em entrevista ao Solidariedade, o ex-ministro Vieira da Silva dizia que um dos problemas do sector é que as famílias não estão a cumprir na comparticipação devida...
Concordo com Vieira da Silva, mas sei que há sempre a tendência para atirar as culpas para outros. Instalou-se na sociedade portuguesa a ideia de que o Estado é que comparticipa, paga, é responsável e as instituições apenas recebem o dinheiro. Nos anos da crise acentuada houve muita gente no desemprego, diminuição de rendimento e houve menor contribuição para as IPSS. As famílias deixaram de contribuir e agora não querem recuperar a parte que lhes cabe. O Estado comparticipa com cerca de 40%, as famílias contribuem com 33%. Há aqui um desequilíbrio. Isso também prova que as instituições privilegiam os mais carenciados. Era fácil se as IPSS fizessem a seleção dos utentes em função dos rendimentos.

E o Instituto da Segurança Social (ISS) está mais exigente nas fiscalizações?
Claramente. É importante o acompanhamento, a fiscalização, as contas certas. O problema é que o ISS é cada vez mais um algoz, sempre à procura do que está mal. Não é um parceiro que acompanha, ajuda e colabora. No compromisso de cooperação previa-se a criação de equipas técnicas que ajudassem as instituições e havia uma mudança sobre o acompanhamento, fiscalização, inspeção. Temo que agora haja um compasso de espera e não entre já em execução.

Com o novo ministério pode até acontecer um reforço do papel do ISS?
Pode. Eu acredito e espero que não. Mas há o risco de haver um zelotismo exagerado. Eu sou a favor do zelo, mas sou contra o zelotismo.

Victor M. Pinto – Texto e fotos

 

Data de introdução: 2019-11-07



















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