OPINIÃO

O mês de Novembro

Como escreveu, embora a outro propósito, Manuel Alegre e cantou Adriano Correia de Oliveira, “este é um mês de lágrimas e sol/ o grave mês/ em que os mortos amados batem à porta do poema”.

Trata-se de um pequeno excerto de um conjunto de poemas à memória de Manuel Ortigão, miliciano que morreu na guerra colonial - e o mês do poema é Maio: “Porque tu me disseste: quem me dera em Lisboa/ quem me dera em Maio. Depois morreste/com Lisboa tão longe, ó meu irmão tão breve/que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro.”

(Quando se lembra, em abono da União Europeia, que o pós-guerra trouxe à Europa 60 anos de paz, esquecemos muitas vezes que essa paz se refere apenas à ausência de guerra entre as potências europeias; mas que, nesse espaço de tempo, outras guerras houve – e, entre elas, a “nossa” guerra na Guiné, em Angola e em Moçambique, que, durante mais de 10 anos, ceifou tanta da nossa juventude e empurrou tanta outra para o exílio.)

O mês é Maio, mas serve para Novembro - também ele, como todos os meses, mês de lágrimas e sol: do sol que nos aquece o corpo e a alma no verão de S. Martinho e em que os mortos, como já aqui escrevi, lembrando Fernando Echevarría, assarapantam as lojas, vigiam a fermentação dos mostos e são os primeiros a provar o vinho novo; mas mês também das lágrimas e das saudades com que lembramos esses que amamos – e que já morreram.

Evocamos e convocamos os mortos, os nossos, os que nos foram mais próximos – como que a dizer-lhes que ainda fazem parte da família, que é sempre seu o lugar na mesa e que permanecem – e porventura de modo mais denso -, dentro do círculo de afectos e de memórias que enlaça cada uma dessas pequenas células que é uma família.

E é certo que permanecem connosco e na casa.
A família é, na verdade, como a Pátria.
Não na perspectiva cumulativa do salazarismo, em que os elementos da triologia Deus, Pátria e Família funcionavam como recíprocos complementos de conformismo, obediência e “respeitinho” – mas como uma verdadeira sinédoque, em que se nomeia a parte pelo todo.
Uma e outra como o resultado de uma longa sucessão de gerações, todas com um fio a ligá-las: para o passado e para o futuro.
Somos também feitos da massa dessa herança de pais, avós e bisavós – e é essa mesma massa que fará o molde dos que nos hão-de continuar, connosco e depois de nós.

2 – Continuando à volta dos candidatos presidenciais, resolvi levar a sério o pedido do Prof. Cavaco Silva, na apresentação da sua nova candidatura ao mesmo posto.
Do Centro Cultural de Belém, essa espécie de TGV do esplendor do Cavaquismo – ditosos tempos em que ninguém nos lembrava de que os investimentos feitos com as patacas de Bruxelas deveriam ser reprodutivos, multiplicar as exportações e diminuir o défice, ou de que os pobres não têm vícios, como hoje não há especialista que não repita -, o Presidente da República interpelou-me assim: “Portugal encontra-se numa situação difícil. Mas há uma interrogação que cada um, com honestidade, deve fazer; em que situação se encontratria o país sem a acção intensa e ponderada, muitas vezes discreta, que desenvolvi ao longo do meu mandato? O que teria acontecido sem os alertas e apelos que lancei na devida altura?”
Virei-me, pois, para dentro de mim e quis interrogar-me sobre os resultados dessa acção e os efeitos desses alertas e apelos.
Com honestidade, como, desnecessariamente embora, me foi pedido.

Não foi fácil – nem Cavaco Silva me facilitou a tarefa, com o seu jeito evengélico de esconder com uma mão o bem que faz com a outra.
Bem queria eu saber o que fiquei a dever ao Presidente da República, durante esta crise – que digo eu, durante estes cinco longos anos, em que José Sócrates e Cavaco Silva , em cooperação e sintonia, nos pastorearam com mão firme.
Mas, se não o disse, ao longo do tempo, tãopouco o explicou, agora.
A acção foi discreta, intensa e ponderada, é certo – disse-o o Presidente.
Mas, se a ideia era para ficar oculta, por discreta, como poderemos agora avaliá-la, desse lado sombrio da lua, onde se acolhe?
Como avaliá-la, se ela foge da luz e se esconde, por humildade e pudor?

3 – Percorri, de todo o modo, o catálogo:
Ao cabo de 5 anos, os salários reais baixaram, para ficarem congelados nos próximos anos; na função pública, terão um corte de 10%.
Sem Cavaco, desceriam ao nível da China ou da Índia?
Quanto às pensões, a mudança ocorrida nos últimos anos consiste em trabalhar durante mais tempo, descontar mais quotizações e receber menores reformas, durante menos anos.
E assim vai continuar, como já preveniu Pedro Passos Coelho: acabaram-se os direitos adquiridos e só haverá pensões na medida do dinheiro que houver para as pagar.
Sem Cavaco, poderia ser pior?

Mas pior, como?
O desemprego atingiu, no último mês, um recorde histórico – e a tendência é para aumentar.
Dever-se-á a Cavaco o recorde?
Já que falámos, na primeira parte da crónica, da família e do seu sentido, cabe perguntar: os apoios à natalidade, deram resultado? Aumentaram os nascimentos?
Acabou-se agora com os apoios, porquê? Estava a nascer gente demais e era preciso pôr-lhe cobro?
E quanto à protecção da instituição familiar: promoveu-se a estabilidade ou fomentou-se a dissolução?
Sem Cavaco, que novas formas de casamento haveria?
Seria diferente do que temos como herança dos 5 anos fracturantes de José Sócrates?
As famílias, nos seus recursos e na sua identidade, poderiam ter sido mais maltratadas?

É que pode acontecer, na verdade, que essa acção que o Presidente quer que avaliemos seja tão discreta, tão discreta, que se não dê sequer por ela.
Artur Portela Filho, numa das suas crónicas publicadas n’O Conde d’Abranhos, nos anos 70 do século passado, ironizava a propósito da, a seu ver, incapacidade de renovação da Igreja Católica, que, por mais profundas e metafísicas e telúricas que sejam as razões que justifiquem a imobilidade, uma coisa é certa: ninguém a vê mover-se.
O que os olhos não vêem, o coração não sente.

Por Henrique Rodrigues – Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta

 

Data de introdução: 2010-11-05



















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