1 - O Ministério da Educação tem a sua sede na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa.
Trata-se de uma localização de alto valor simbólico – o 5 de Outubro comemora a implantação da República, em 1910, e esta teve como uma das suas principais bandeiras a Educação (ou, como então se dizia, a Instrução Pública), generalizada e gratuita.

Numa altura em que tantas forças e entidades, discretas ou abertas, preparam a comemoração do centenário da República, trago também eu aqui ao Solidariedade a minha contribuição, com algumas reflexões quanto ao estado da Educação, e do Ministério que dela (des)cuida, em Portugal.
Para começar por dizer que aquele intuito republicano da Instrução Pública para todos, que a nós nos parece adequado e justo, se afigura uma noção completamente absurda para a cultura do “eduquês” que desde há várias décadas tomou conta do referido Ministério.

Na verdade, a tónica na instrução, isto é, na aquisição de conhecimentos, que, para os revolucionários de 1910, constituía o modo de assegurar a igualdade de oportunidades para todos, foi substituída pelo centramento no chamado processo de aprendizagem, menos preocupado com os conteúdos científicos e mais com a envolvente externa do meio escolar.
Onde a instrução exigia competência científica, estudo e disciplina na sala de aula, o “eduquês” contrapõe a prioridade dos métodos relativamente às matérias, a prevalência do prazer sobre as regras e o dever, a ausência de reprovações e o sucesso educativo para todos, saibam ou não saibam.
É esta tensão entre uma cultura de exigência e uma tentação de “balda”que marcará o debate público sobre a escola nos próximos anos – sendo claro que do lado daquela se encontra a sociedade e do lado desta o Ministério.

Confesso que no início do mandato acreditei que a actual titular da pasta representava uma saudável insídia do mundo real no corpo obeso do Ministério da Educação e nos seus vícios de ultra-romantismo tardio.
A sua identificação certeira de algumas das pechas do sistema e a aparente determinação com que parecia disposta a combatê-las de forma frontal prenunciava uma alteração saudável na relação de forças daquela tensão a que me referi.

Repetiu-se, no entanto, o que já tantas vezes sucedera, no que a linguagem das organizações chama o princípio da adaptação ao meio – o Ministério mimetizou-a.
O último episódio deste embate entre o bom senso e o Bom Selvagem é o do celebrado artº 22º do novo Estatuto do Aluno, que os deputados da maioria, em óbvia concertação com o Governo – nem Sócrates admitiria doutro modo -, pretendiam fazer aprovar de modo a que “aluno que falte às aulas/é como se lá estivesse”.

Em resumo, do que se trata é de a lei que o Governo pretendia fazer aprovar permitir a passagem de ano mesmo àqueles alunos que devessem chumbar por faltas, ainda que injustificadas, desde que fizesse a meio um exame que ninguém percebeu muito bem como seria – mas que todos percebemos que seria como aqueles que são feitos para ter resultado positivo, nem que seja à força.
A imprensa, os comentadores, a sociedade, todos acharam a pretensão um disparate, e mais um passo no sentido errado.
Suspeita-se que por o Presidente da República, que tem mostrado uma subtil atenção aos sinais da sociedade, ter explicado por miúdo ao Governo que não promulgaria lei semelhante, este recuou na intenção, mudando-a por uma mais inócua.
Ainda bem.

2 – A questão para o Ministério é que os nossos indicadores em termos de sucesso educativo e abandono escolar precoce constituem uma vergonha para mostrar aos parceiros e sócios da Europa.
Mas a questão para os portugueses é que muitos dos que têm sucesso nas nossas escolas possuem escassas competências – como ainda agora se viu pela forma como o nosso sistema escolar público foi tratado pelas autoridades suíças.
É no reforço destas competências escolares que os responsáveis nacionais têm que investir; ao invés de trabalharem para a fotografia e para a propaganda, como tantas vezes acontece.

A TSF, que costumo ouvir, intercala os seus programas com resumos de notícias já passadas – uma espécie de genérico -, tendo como objecto a actualidade política.
Num deles, o Primeiro- Ministro, no uso da conhecida competência retórica com que costumava sair vitorioso dos debates parlamentares, e em resposta a uma crítica do lider da oposição que levava à conta de mera propaganda os sucessos proclamados pelo Governo, diz qualquer coisa assim;” Propaganda?! Propaganda?! Então assegurar que todas as crianças do ensino básico aprendam inglês é propaganda? Oh, senhor deputado!... Oh, senhor deputado!... Propaganda…?!”
Pois… Propaganda, com efeito, senhor Primeiro –Ministro.
É que justamente as crianças não aprendem inglês. Faz que aprendem.
Quem diz inglês, diz música, ou natação, ou outras das actividades extracurriculares cuja configuração centralista e jacobina constitui a última vitória daqueles abencerragens do Ministério da Educação a que me refiro mais acima.

Como evidenciou um estudo amplo efectuado sob a direcção da UDIPSS Braga no mês passado – e que replica o que vemos de forma generalizada por todo o país -, essas actividades, quando levadas a efeito por autarquias ou por empresas privadas em out-sorcing, funcionam, num preocupante número de situações, em instalações pelintras e insalubres, sem recursos humanos qualificados e em horários que perturbam e por vezes implicam modificações anti-pedagógicas nos próprios horários curriculares das escolas e no processo de ensino/aprendizagem ( creio que é este o jargão) dos alunos.
E sem fiscalizações hostis e malcriadas.
Enfim, o exacto oposto das regras de funcionamento das ATL das IPSS.
De modo que, se informam o senhor Primeiro-Ministro de que todas as crianças do ensino básico aprendem inglês de forma minimamente satisfatória, enganam-no. Ou têm medo de lhe dizer a verdade.
Ora, tenho para mim que, sendo evidentemente sincera a aposta do Governo na formação e educação das crianças e dos jovens – e, já agora, também certamente em alguma instrução -, só por ignorância do que se passa na vida real o Governo há-de ter permitido acabar com uma rede de serviços que funcionava bem e barato, e em harmoniosa articulação com as escolas, a dos ATL das instituições, para a substituir por um serviço incompleto e incompetente, sem recursos e sem meios.

3 – Também na TSF, em declarações prestadas na semana passada, a propósito da iniciativa do Procurador Geral da República de pretender privilegiar na urgência da investigação a criminalidade e delinquência em meio escolar, em particular a dirigida por alunos contra professores e funcionários, e também contra os colegas, a Ministra da Educação veio discordar abertamente do Procurador, nos termos seguintes:”Não há lugar mais seguro para as nossas crianças do que as escolas”- falava das públicas, claro!
Ora, se o Procurador entende que o panorama da delinquência nas escolas é preocupante, insistindo mesmo, como o fez, para que os professores denunciem, sem medo e mesmo que haja pressões das escolas para que o não façam, todas as agressões e outros crimes praticados pelos alunos, salientando, e bem, que a censura penal precoce e o termo da actual sensação de impunidade afastará em adultos da via do crime mais grave muitos dos actuais alunos das escolas, é porque tem informação sobre a situação real que o confirma. E também bom senso, e os pés na terra.

Claro que a intervenção do Procurador arrasa décadas das “verdades” politicamente correctas e desfigura a perfeição idílica com que a máquina do Ministério compõe o retrato das escolas – e que é o espelho do seu próprio retrato.
É ele, todavia, quem está com a razão, como bem sabemos.
A quem fala de segurança, e a acha importante, todos podemos explicar que há pelo menos um lugar em que as crianças estão mais seguras do que nas escolas.
É nos ATL das instituições particulares.
Basta fazer o levantamento de situações de violência ocorridas nas IPSS – e fazer a seguir o das ocorridas nas escolas públicas (mesmo que só os casos participados, que, como nos disse o Procurador Geral, é uma pequena parte).
Sabendo, como todos sabemos, que é na verdade assim, afirmar que a escola é o lugar mais seguro só para justificar as políticas é, com efeito, apenas propaganda.
Ou conversa para enganar meninos, para nos mantermos neste mundo infanto-juvenil.

*Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta

 

Data de introdução: 2007-11-14



















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