Cantando as transferências

1. Num debate entre alguns dos candidatos à Câmara Municipal de Lisboa foi referido que, ao longo do ano, o Ministério da Educação transferiu para aquela autarquia duas tranches de 1,2 milhões de euros, cada, para a implementação das actividades de enriquecimento curricular (AEC) e que parte daquela verba foi desviada para outras despesas camarárias. Ao mesmo tempo, compromissos assumidos com Instituições de Solidariedade não foram cumpridos. A acrescentar a essas informações sobra a do possível apelo às IPSS concelhias para que, perante a actual situação de indefinição motivada pelas eleições em cima da abertura de um novo ano escolar, no imediato, possam vir a assumir a responsabilidade pelas AEC…
Tudo isto se passa na capital portuguesa, quando tanto se fala de transferência de competências para as autarquias. Sintomático, sem dúvida, até porque, ali mesmo, as Instituições de Solidariedade com ATL não terão sido convenientemente respeitadas neste último ano …
Passa-se na capital, mas algo de semelhante se passará por muitos outros lados…

… Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar…

2. O Congresso da Associação Nacional dos Municípios, que decorreu durante o mês de Junho nos Açores, confirmou a actualidade do tema da transferência de competências para as Autarquias. Nas áreas da Acção Social, da Educação e da Saúde.
E, com violação da Cláusula VI, números 1 e 3 do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social (Cláusula VI, nº 3: “serão ponderadas pelos subscritores do Pacto as propostas de alteração da legislação referentes à Administração Local”), em ambiente de alguma reserva e secretismo, apoiado na “vontade dos Municípios em participarem por direito e activamente na definição e concretização de políticas sociais, passando pelo apoio concertado e articulado às camadas da população mais desfavorecidas”, um “pacote” de transferências na área da Acção Social estará a ser negociado entre a ANMP e o Governo.
No que às IPSS diz respeito, segundo a “ versão para ser submetida aos relatores” do “documento interno” da ANMP, que reconhece que “apenas 70% da Rede de Serviços e Equipamentos é propriedade das IPSS”, “enquanto não vigorar a Carta Social – Municipal – ao Município caberá apenas emitir parecer obrigatório e vinculativo sobre o apoio (às IPSS)”; “numa segunda fase (quando vigorar a Carta Social Municipal) o Município concentrará todo o procedimento: aprecia a candidatura, faz a atribuição, o processamento, passa a elaborar os acordos de gestão/cooperação, bem como a acompanhar e a controlar financeiramente a sua execução”.
“Assim, paralelamente, numa primeira fase, caberá ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social a atribuição e processamento do apoio financeiro, a elaboração dos acordos de gestão/cooperação, bem como o acompanhamento e controlo financeiro da sua execução; numa segunda fase, o MTSS – após a aprovação e entrada em vigor da Carta Social – deixará de ter qualquer competência neste procedimento”…
A Carta Social Municipal é “um instrumento de planeamento vinculativo” de equipamentos e serviços.
Trata-se apenas de uma “versão”, de 16 de Maio último, para ser submetida aos relatores.
Mas os sinais são evidentes e preocupantes: como aí se diz, as IPSS serão “parceiros executores”…

… P’ra melhor, está bem, está bem. P’ra pior já basta assim…

3. As mais de 3.000 IPSS que são responsáveis por cerca de 70% das respostas sociais são uma expressão do exercício da cidadania, da solidariedade e do espírito de caridade de muitos homens e mulheres que, tocados pela sorte dos irmãos ou concidadãos, como voluntários determinados, se dão as mãos para marcarem a construção de um presente e um devir mais pleno e feliz. Muitas dessas Instituições têm uma já longa experiência e todas têm uma inestimável vitalidade. São Instituições de Solidariedade com a forma de Associações de solidariedade social, de Associações de socorros mútuos, de Centros sociais paroquiais, de Fundações de solidariedade social, de Irmandades da misericórdia, de iniciativa e constituição canónica (Igreja Católica), de iniciativa de outras igrejas e de iniciativa de cidadãos e organizações civis.
A realidade portuguesa na área da acção social é pródiga em boas práticas no combate à exclusão social, com respostas individuais e colectivas, surgidas como fruto de entregas a sensibilidades, a capacidades de intuir necessidades e projectar respostas, que se foram desenvolvendo e testando ao longo de muitos anos por milhares de voluntárias e voluntários em todo o país.
Não sendo a transferência de competências um assunto tabu ou encerrado, ignorar a realidade portuguesa é semear a confusão e desincentivar irreversivelmente a acção voluntária e o voluntariado.
E há complicados imbróglios que aquela “versão” favorece e questões a que, claramente, não responde…
Apontam-se apenas alguns: muitas das respostas sociais são de iniciativa da Igreja Católica ou de outras igrejas e organizações que, visivelmente, não têm um âmbito municipal. Algumas Instituições desenvolvem a sua acção em áreas que não coincidem com os limites do município em que estão sedeadas e há respostas que apenas se justificam para dilatadas áreas geográficas. A necessária multiplicação de estruturas municipais burocratizará, complicará e onerará enormemente os custos sociais. As respostas sociais poderão ser submetidas à lógica do retorno em votos e de experimentalismos conjunturais e ineficazes. As transferências correrão o risco de se ser mais de verbas do que de competências. A contratação colectiva perigará e as instâncias de negociação multiplicar-se-ão inconsequentemente…
E… depois… tudo será provisório para ser reconvertido numa regionalização que mais cedo ou mais tarde acontecerá, com instâncias a avocar aquilo que imprudentemente se esbanjou…
Claro que as autarquias têm inalienáveis competências em matéria de acção social, como, mobilizar os cidadãos, valorizar o voluntariado e a ideia da responsabilidade social das organizações da sociedade civil, apoiar, criar ambientes propícios à cooperação entre agentes locais, coordenar esforços e competências e… suprir…

… Somos um povo que cerra fileiras…

* Presidente da CNIS

 

Data de introdução: 2007-07-06



















editorial

NO CINQUENTENÁRIO DO 25 DE ABRIL

(...) Saudar Abril é reconhecer que há caminho a percorrer e seguir em frente: Um primeiro contributo será o da valorização da política e de quanto o serviço público dignifica o exercício da política e o...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Liberdade e Democracia
Dentro de breves dias celebraremos os 50 anos do 25 de Abril. Muitas serão as opiniões sobre a importância desta efeméride. Uns considerarão que nenhum benefício...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Novo governo: boas e más notícias para a economia social
O Governo que acaba de tomar posse tem a sua investidura garantida pela promessa do PS de não apresentar nem viabilizar qualquer moção de rejeição do seu programa.