CRESCER EM RESPOSTA ÀS NECESSIDADES

«Pelo Sonho é que Vamos», Seixal

“A cooperativa nasceu da necessidade de um grupo de amas que tinham feito uma acção de formação para mulheres desempregadas de longa-duração em 1995 e que no final continuavam desempregadas. Na altura foram desafiadas a criar o seu próprio posto de trabalho e, com a ajuda da coordenadora do curso, a Dra. Nídia Abreu, e apesar das muitas dificuldades, constituíram-se como cooperativa e abriram as creches «Sonho Azul» e «Colo dos Afectos»”. Foi desta forma que, em 1997, nasceu a «Pelo Sonho É Que Vamos», Cooperativa de Solidariedade Social, CRL.
Manuel Matias, actual presidente da Direcção, refere ainda que “a ideia era ficar por aí, pois não se pensava noutro tipo de respostas sociais”.
Mas a realidade fez emergir novas necessidades às quais a instituição nunca voltou as costas, razão pela qual, como sublinha o sucessor na presidência da grande mentora do projecto, Nídia Abreu, “a instituição não cresceu, nem se estruturou de forma racional, foi dando resposta às necessidades da comunidade”.
Assim se explica que, apenas dois anos passados da fundação, a Cooperativa tenha aberto o primeiro Centro de Acolhimento Temporário.
“Houve uma intervenção policial num dos bairros críticos aqui da zona e cinco crianças ficaram na esquadra sem nenhum local que as acolhesse. Ao fim do dia, após esgotar todas as possibilidades de entrega das crianças, o chefe da PSP entrou em contacto com a Dra. Nídia Abreu para saber se a Cooperativa estava disponível para acolher aquelas crianças. Ela, uma pessoa com uma generosidade e um coração sem medida, não foi capaz de dizer que não e acolheu, inicialmente, as crianças na creche e durante alguns dias mesmo em casa das funcionárias”, conta Manuel Matias, que explica o sentido do nome «Janela Aberta»: “É inspirado em S. Francisco de Assis, ou seja, quando o Mundo fecha as portas a estas crianças, Deus abre uma janela, dizia a Dra. Nídia”.

A PREPARAR UMA VIDA NOVA

E assim, a «Pelo Sonho É Que Vamos» dava mais uma resposta a uma comunidade com diversos focos de carência de toda a ordem, levando-a, passados três anos, criar mais uma resposta, o Lar de Jovens «Vida Nova», “que também surge das necessidades que se sentiam”.
“O Centro de Acolhimento era dos 0 aos 12 anos, a definição dos processos de vida era demorada e havia crianças que estavam muitos anos na instituição… Ao atingirem os 12 anos era sempre doloroso vê-las partir, principalmente por mais uma perda que elas iam sofrer. Então, o Lar «Vida Nova» veio dar resposta, em primeiro lugar, a estas crianças que estavam no CAT «Janela Aberta», mas as vagas não eram todas ocupadas por elas. Desta forma evitava-se que tivessem que ir para outra instituição e que houvesse um corte nesta relação das crianças com a nossa instituição”, argumenta o presidente.
E no sentido de abranger toda a complexa cadeia que a desestruturação familiar acarreta, surge nesse mesmo ano de 2002 a Casa de Acolhimento Temporário de famílias em risco «Nova Esperança».
“Muitas destas crianças, e muitos destes projectos de vida, não podiam andar para a frente, porque, muitas das vezes, eram situações de violência doméstica que as envolviam. Então, a Dra. Nídia avança para a abertura de uma casa abrigo para vítimas de violência doméstica, no sentido de permitir que muitas das mães pudessem ficar com os seus filhos, que lhos eram retirados por não terem um lugar seguro para viver com eles. A Casa Abrigo «Nova Esperança» nasce para tentar colmatar esta lacuna”, destaca Manuel Matias, que de seguida recorda um dos mais difíceis momentos da vida da instituição, corria o ano de 2007: “Esse é um episódio marcante para a instituição e que foi bastante traumatizante… As legislações foram alteradas e Portugal, de repente, começou a ter índices de comparação com países que não têm nada que ver com a nossa realidade sócio-económica e a instituição não cumpria com esses requisitos. A tutela da altura decidiu, então, encerrar estas duas valências e deu-nos a possibilidade de podermos reabrir, se tivéssemos capacidade para tal. Conseguimos abrir fruto do apoio de privados, de alguns mecenas e das juntas de freguesia e da Câmara Municipal do Seixal e a outra metade dos 60 mil euros necessários para as obras veio de um empréstimo bancário com o aval pessoal de alguns membros da Direcção da altura. Como havia sido encerrado, a Segurança Social não podia ajudar-nos, mas o ministro Vieira da Silva disse-nos que quando reabríssemos seríamos apoiados… mas até hoje ainda não o fomos!”.

«BASTA QUE A ALMA DÊMOS»

Traumas e promessas por cumprir à parte, a «Pelo Sonho É Que Vamos» garante, actualmente, protecção e apoio, em creche, a 25 crianças na «Sonho Azul» e 48 na «Colo dos Afectos», acolhe 11 jovens (0 aos 12 anos) no CAT «Janela Aberta» e mais uma dezena no Lar de Jovens (12 aos 18 anos) «Vida Nova» e alberga 20 utentes (mães e filhos) na Casa Abrigo «Nova Esperança».
A estas respostas, a instituição agrega ainda o Gabinete de Apoio à Vítima de Violência Doméstica do Seixal, aberto em 2009, sendo que integra ainda a Comissão Alargada de Protecção de Menores em Risco e o Concelho Municipal para a Igualdade de Género e de Oportunidades (CONCIGO).
Inspirados no poema de Sebastião Gama – «Pelo Sonho é Que vamos/Comovidos e Mudos…/Chegamos?/Não chegamos?/Haja ou não frutos,/Pelo Sonho É Que Vamos./Basta a fé no que temos/Basta a Esperança naquilo/Que talvez não teremos./Basta que a Alma dêmos,/Com a mesma alegria,/Ao que desconhecemos/E ao que é o dia-a-dia» –, os responsáveis da instituição não se dão por satisfeitos e querem servir ainda melhor a comunidade que continua a viver muitos e graves problemas, ao que não é alheia a sua localização na órbitra de Lisboa.

DIFICULDADES ACRESCIDAS

E se para as instituições que recebem comparticipação familiar pelos utentes a vida está complicada, para as que não a têm as dificuldades são acrescidas.
“Penso que as instituições como a nossa, que estão abertas 24 sobre 24 horas, 365 dias por ano, deveriam ter um tratamento um pouco diferente em relação a outras instituições em que há comparticipação familiar. Penso que seria mais simples, se os nossos Acordos de Cooperação pudessem ser mais generosos”, defende Manuel Matias, que deixa mais algumas sugestões que facilitem a sobrevivência de instituições que amparam quem não tem mais ninguém que lhe valha: “Outra medida seria termos alguns privilégios na área dos impostos, como na gasolina, na electricidade, na TSU (Taxa Social Única) que pagamos, que poderia ser um pouco reduzida, etc… Não é preciso ser um génio para encontrar duas ou três possibilidades para apoiar um pouco mais instituições deste tipo”.
Fazendo reparos ao Estado, Manuel Matias não deixa de lembrar que “as IPSS também não souberam antecipar-se à crise, nem estruturar-se, e pedir ao Governo um pouco mais cedo”.
“Não sou político, nem quero ser, mas com a chegada da Troika e havendo esta consciência de que as questões sociais iriam agravar-se, poderia ter havido linhas de apoio, como houve para a Banca e para outros sectores, e não tanto para os encargos das instituições, mas para dar resposta às novas necessidades e ao agravamento das despesas que daí advieram”, sustenta.
“Há uma série de pessoas com casa própria que, de repente, por endividamento, por perda dos ordenados, ou dos empregos mesmo, não pedem ajuda por vergonha”, relata, dando conta de mais um projecto que fervilha: “Uma das nossas ideias para a nova creche é termos uma certa quantidade de jantares para que as famílias possam jantar à mesa de suas casas. É preferível a irem jantar a uma cantina social, pois não me parece que seja o melhor para aquelas crianças, nem para os próprios pais”.

PROJECTO PIONEIRO EM PORTUGAL

No primeiro dia deste mês de Outubro de 2012, a «Pelo Sonho É Que Vamos» abriu portas do seu mais recente equipamento, que para já irá acolher mais uma creche.
“Temos projectos novos, como a nova creche, construída no âmbito do Programa PARES, com capacidade para 33 crianças. Será a Creche «Sonho Azul 2», porque inicialmente era para substituir a outra”, explica Manuel Matias, presidente da instituição, que dá conta das vantagens do novo edifício: “É para 33 crianças, mas com a possibilidade desse número ser alargado em virtude da nova legislação. Este novo equipamento vai permitir-nos dar um salto qualitativo, principalmente na área da creche, mas também passaremos a ter um espaço para receber pessoas e ter reuniões com entidades exteriores”.
No entanto, a grande ambição da Cooperativa é algo de inovador em Portugal e pretende, no âmbito da sua acção na emergência infantil e familiar, alargar estas respostas àqueles que são portadores de deficiência. Assim, o Projecto de Intervenção Especializado na Área da Saúde Mental inclui a construção de um Centro de Acolhimento Temporário, um Lar de Infância Especializado em Crianças Diferentes e um Lar de Jovens Especializado na Saúde Mental.
“A instituição tem já em fase de conclusão do processo um outro projecto para crianças, dos 0 aos 12, a que nós chamamos diferentes. Será um centro de acolhimento especializado para crianças com problemas, como autismo e outro tipo de dificuldades, e na área dos jovens com problemas de saúde mental, dos 12 aos 18 anos, com possibilidade de ficarem até aos 21 anos, um apartamento de autonomia”, aclara Manuel Matias, resumindo: “Àquilo que já temos a funcionar vamos dar-lhe uma especialização que ainda não temos, para responder às necessidades que já existem. Decidimos avançar por este caminho porque já temos jovens com estas problemáticas aos quais não somos capazes de dar a melhor resposta. Fazemos um esforço diário para que a nossa resposta possa trazer melhor qualidade de vida a estas crianças e jovens e respectivas famílias, mas por falta de técnicos e de espaço condigno não podemos fazer a intervenção que queremos e com a dignidade que merece”.
Apesar das dificuldades, o líder da instituição explica as razões da construção de raiz destes equipamentos: “As nossas instalações são alugadas e são custos muito elevados, pelo que o propósito é rentabilizar o dinheiro que gastamos em rendas. O projecto já está aprovado pela Segurança Social, para 60 crianças, e são três equipamentos numa espécie de condomínio social, um equipamento pioneiro no País”.
Os fundamentos financeiros deste crescimento residem ainda na optimização de recursos, pois como refere Manuel Matias: “O facto de aumentarmos a capacidade faz com que as nossas contas fiquem mais equilibradas”.
Para o arranque falta apenas desbloquear a utilização do terreno contíguo ao novo edifício, sito na freguesia de Paio Pires, que a Câmara Municipal está a tratar.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2012-11-01



















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