A solidão dos idosos

1. Nos idos anos cinquenta, no Coliseu do Porto, o Padre Américo dizia que “pior que não ter onde viver era não ter onde morrer”. Bem pior, ainda, será sentir-se só depois de ter amado e ver-se morrer sem a companhia de alguém que perpetue a última recordação, a última vontade, o último olhar ou o último suspiro.

Vem isto a propósito de notícias recentes que nos fazem despertar para o drama da solidão dos idosos. A estupefacção surgiu com um primeiro caso do cadáver de uma mulher abandonado durante nove anos na casa em que vivera. Apareceram depois alguns a anunciar o seu incómodo por uma situação que apenas foi testemunhada pelo cadáver de um cão durante todo aquele longo tempo. A comunicação social assumiu, e bem, as suas funções. Os olhares voltaram-se para os idosos e encontraram uma série de casos de pessoas que tiveram a pesada solidão por única companheira no momento da sua morte. Repentinamente, todos repararam no drama de viver e morrer só no meio de tanta gente.

O abandono dos idosos não é fenómeno novo. A imagem do velho envolto no seu manto de serapilheira e deixado num ermo monte replica-se pela memória, como se os idosos fossem coagidos a ser similares dos gatos que, quando pressentem a morte, evitam os afectos humanos.
É o falhanço da família e da vizinhança. É o primado dos números e do ter. É a desvalorização do ser e do estar. É a inversão e a perda dos valores.

2. Com centros de convívio, com centros de dia ou de noite, com serviços de apoio domiciliário, com lares e na rede de cuidados continuados integrados, com muita acção social e muito apoio na saúde, é inestimável e incomensurável o apoio das Instituições de Solidariedade aos idosos. Visitando uns e dando espaço de afecto a outros. Criando condições para a realização de sonhos e de projectos e contrariando o isolamento. Promovendo uma melhor qualidade de vida e uma melhor saúde. Contrariando o abandono e minorando o sofrimento. São Instituições no bairro, de aldeia ou “da terra”. Se é muito significativa a acção social dessas Instituições, o apoio a idosos é claramente maioritário. Porque há sempre alguém na comunidade que sente como sua a sorte dos outros, especialmente dos mais velhos que, muitas vezes são os mais carenciados.
Se a solidão e o abandono dos idosos são dramáticos, teriam uma dimensão bem mais grave entre nós sem o muito e bem que faz esta teia de capilaridade de Instituições de Solidariedade.
Porém, se são Instituições de vizinhança, não dispensam as responsabilidades das famílias ou de outras vizinhanças. Nem devem ser apenas as Instituições de Solidariedade a ocuparem-se dos mais velhos nem as primeiras mobilizadas para o respeito e acompanhamento dos idosos.

3. Se, quando se é jovem, deseja-se viver muito, devemos olhar para aqueles que têm longos anos com veneração pela sua vitória.
Os idosos são as pessoas com mais idade. Portanto, com mágoas de um passado nem sempre luzidio mas com mais vitórias, com mais experiência, com mais doação à família, à comunidade, ao mundo e a Deus. Provavelmente mais do que noutras fases da vida, são eles quem melhor sabe saborear e valorizar a vida. Quando a oportunidade lhes é dada, com espírito e com coração, como eles sabem dar vida à Vida! Até por isso, como eles são preciosos em dinâmicas favorecedoras da vida, como a família. Com a ciência feita na vida e com a serenidade que a idade muitas vezes favorece, ainda têm muito para dar. Certamente de um modo diferente, que não menos importante. Merecem ser ouvidos e são credores de atenção, de respeito e de gratidão. Carecem de seguimento e de acompanhamento.

Precisam apenas de espaços e de oportunidades para contar os seus sonhos, para exprimir os seus afectos, para narrar as suas experiências, para partilhar os seus valores, para assumir as suas vidas.
As condições preferenciais de vida para os que têm mais idade são viver com aqueles que eles geraram e amaram, entre os afectos que alimentaram e na casa que eles próprios ergueram ou adaptaram à sua maneira e a que naturalmente se habituaram. Estão presos a essas pessoas, a esses afectos e a esses espaços por laços indestrutíveis. Quando e enquanto for possível, devem ser-lhes proporcionadas condições suficientes para que se mantenham no ambiente de que foram artífices. A solidão pode ser opção de vida, mas certamente não é opção para a morte…

Primeiramente e sempre, a família deve sentir como precioso dom a presença do familiar idoso no seu espaço de realizações e de afectos.
Apareçam em sintonia as instituições da comunidade, os grupos de caridade, os vicentinos, a vizinhança, o voluntariado, a Igreja e o Estado. Na defesa e protecção das famílias ou, supletivamente, em favor dos idosos, com serviços, com dádiva de tempo ou, por que não, com “apadrinhamento” por jovens que, no encontro com os mais velhos, descobrem o sortilégio da vida.
Se, para o homem de hoje, a sua aldeia é todo o mundo, impõe-se que o seu familiar e o seu vizinho sejam, sempre e em espiral, o seu primeiro amor e o seu primeiro companheiro de jornada. Nestes tempos de globalidade, enquanto se pensa à escala do mundo, importa sentir, agir e estar localmente bem.

Padre Lino Maia, Presidente da CNIS

 

Data de introdução: 2011-03-04



















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