TEATRO EM CONSTRUÇÃO (ATC)

Um enredo de serviço à comunidade

Três pancadas! Silêncio, por favor! Sobe o pano…
Neste palco representa-se “Operário em Construção”, de Vinicius de Moraes, um poema simbólico para aquilo que foi o nascer de um projecto que ultrapassou o amor ao teatro e transformou-se numa rede de intervenção social e cultural na Vila de Joane e no concelho de Famalicão. A história é anterior ao 25 de Abril de 74, mas só após a Revolução é que o projecto ganha estatuto de Instituição de Utilidade Pública e transforma-se numa Instituição Particular de Solidariedade Social (I.P.S.S.). O desejo de um grupo de jovens em representar, apesar do ambiente “hostil” inicial, conservador e avesso à difusão de valores culturais transmitidos através do teatro, foi a força motriz para erguer a Associação Teatro em Construção (ATC).

O reportório de peças foi crescendo, assim como a ATC, que na década de 80 já havia alargado a sua actividade ao apoio social a crianças, através da criação de um jardim-de-infância, resposta até então inexistente na freguesia de Joane e que inicialmente ficou a funcionar em instalações provisórias numa garagem. Em 1983, através de escritura pública, a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão cede a Casa de Telhado à ATC, para que a associação possa construir uma creche, um espaço de Actividade de Tempos Livres (ATL) e um centro de dia para idosos, bem como restaurar o jardim-de-infância. O teatro não podia ficar de lado e os protocolos com as Câmaras Municipais do Vale do Ave (na sua maioria) e do Vale do Sousa, possibilitaram que fosse feito, diariamente e em regime profissional para as crianças do 1º Ciclo do ensino básico. Este projecto de teatro itinerante para a infância mantém-se até aos dias de hoje, assistindo-se à renovação consecutiva dos protocolos que estiveram na sua origem.

Custódio OliveiraCustódio Oliveira, co-fundador e presidente da ATC desde 1998, também ele próprio um amante das artes dramáticas, define o percurso da instituição a que preside como “uma história de crescimento de pequenos passos, mas muito seguros”, afirma. O teatro, apesar de funcionar “num velho barracão”, tornou-se numa referência nacional e passaram por lá inúmeras Companhias com as suas produções, como por exemplo, “Casa de Comédia”, “A Barraca”, “Grupo de Campolide”, “TEAR”, “Seiva Trupe”, “TEP”, “TEUC” e “Teatro em Movimento”. Foi, ainda, nesse espaço que o “Teatro Construção” preparou os seus espectáculos, fez as suas estreias e actuações e organizou anualmente Cursos e o Festival de Teatro, que já vai na 24ª edição. Finalmente, em 1996, são inauguradas novas instalações, o Centro Cultural da ATC. O Teatro Construção passa, então, a contar com um espaço teatral maior, melhor dimensionado e devidamente equipado. A partir desta data, a ATC passou a dispor de um auditório para 204 pessoas, seis salas polivalentes, um ginásio, um café-bar, actualmente funcionando como café-net e um Pólo da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão ligado à rede nacional de Leitura Pública. Com a melhoria das condições físicas tornou-se possível intensificar, ainda mais, o desenvolvimento de novas iniciativas culturais, tais como exposições, debates, cinema e, mesmo mantendo o teatro amador, foi possível a criação de uma companhia de teatro profissional, designada Novo Teatro Construção.

Em 2000 nasce outro pólo da ATC, a Residência Comunitária “Casa de Giestais”. Esta nova estrutura integra uma Residência Comunitária para 25 idosos, um Lar de Jovens, um Centro de Acolhimento Temporário de Emergência Infantil, permitindo, em simultâneo, proporcionar novas condições de conforto e bem-estar às crianças integradas na Emergência Infantil “O Berço”, que passaram a dispor de uma nova casa.

A actualidade

Na Casa do Telhado, onde fomos recebidos, decorria o II Fórum Internacional “A Aventura de Inovar” dedicado à educação na primeira infância e que contou com a presença de especialistas nacionais e internacionais na matéria. A formação constitui uma das áreas de maior intervenção da ATC que investe na valorização e qualificação dos recursos humanos, sempre de forma integrada. “A ideia é que nada seja estanque e se feche em si mesmo mas, pelo contrário, haja uma integração de um conjunto de valências diversificadas”, explicou Francisco Melo, actual director de serviço da ATC. Os cursos de Informática e das novas tecnologias de informação, a formação de recursos humanos no âmbito do programa FORHUM, a formação externa dirigida à comunidade que nos últimos dois anos contemplou cerca de 400 pessoas, fazem parte de um leque vasto de possibilidades, a que se aliam workshops e seminários regulares realizados na instituição. A implementação de um sistema de gestão de qualidade, por uma empresa certificada é outra das medidas em curso e que está a ser aplicada na Casa de Giestais. “Tem de existir uma lógica de funcionamento interno em termos organizacionais, sempre numa perspectiva de melhoria contínua e tendo como centro de acção o idoso (no caso da Casa de Giestais)”, explicou Francisco Melo adiantando que a “ideia é ter um dia toda a instituição devidamente certificada”.

Francisco MeloNo desporto, as iniciativas também são constantes e regulares ao longo do ano. Atletismo, basquetebol, xadrez, BTT são apenas alguns exemplos. Sempre numa perspectiva formativa, o desporto é encarado como uma forma de “envolver crianças, jovens e adultos, incentivando a prática da actividade desportiva”, explicou o presidente da associação. Custódio Oliveira apresenta como uma das grandes iniciativas a prova de atletismo “Famalicão-Joane”, que este ano realizar-se-á a 23 de Setembro, como uma “das actividades mais participadas da ATC” e que chega a envolver perto de duas centenas de voluntários na sua organização. O Fit Club ATC, aberto há pouco mais de um ano, é outra das novidades dos serviços prestados pela associação. O ginásio, também aberto à comunidade, oferece aulas de aeróbica, danças de salão, artes marciais, além de constituir uma “excelente fonte de rendimentos” pois “temos que ter os meios para fazer as coisas”, afirmou Custódio Oliveira.

A Bolsa de Voluntariado, um projecto lançado há dois anos, é outro dos pólos dinamizadores da associação. Com uma equipa permanente com cerca de três dezenas de voluntários, os números variam consoante a actividade em causa. “Este espaço foi criado com o objectivo de encontrar algumas pessoas com formação específica que nos pudessem ajudar em determinadas áreas”, explicou o director de serviço, Francisco Melo. Claro que todo o trabalho indiferenciado continua a ser bem-vindo. A pintura de murais nas duas casas foi uma das últimas iniciativas desenvolvidas por voluntários no último mês de Abril. Alice Jacquet é uma jovem francesa de 23 anos que, ao abrigo do programa comunitário “Juventude em Acção”, está a prestar trabalho voluntário na ATC durante seis meses. O programa prevê o acolhimento de voluntários de outros países da União Europeia, para que a troca de experiências seja uma realidade diária. “Já tivemos francês, inglês, ginástica, informática, expressão corporal e música ensinadas por voluntários estrangeiros às nossas crianças”, explicou Francisco Melo. Em troca, “partilhamos experiências, descobrimos uma língua nova e, no meu caso, tenho oportunidade de ver as diferenças no sistema de educação”, disse Alice. A jovem francesa gosta de estar em Famalicão: “É um lugar muito bem situado, agradável e as pessoas muito acolhedoras”, garante. A ideia da interligação entre todas as valências é outra das novidades que encontrou. “Em França não existe esta ligação tão grande entre as crianças, os idosos, as pessoas com deficiência. Acho muito positivo”, concluiu Alice, enquanto se preparava para ajudar nos preparativos do jantar.

Esta ideia de interligação entre as valências é visível em projectos culturais como o “Artes e Letras”, em que as crianças vão ler para os mais velhos ou o “Contador de Histórias” onde, desta feita, são os idosos a contar histórias aos mais novos. Já o programa “Com as mãos na massa” leva os mais velhos de volta à escola, neste caso a Escola Bernardino Machado, onde têm oportunidade de frequentar um conjunto de oficinas na área da expressão plástica e cujos trabalhos são depois aproveitados para decorar a instituição.

Para além do social e do cultural, chegou a vez da saúde

Um dos novos desafios da ATC põe-se no campo da saúde. “Descobrimos que há realmente a necessidade de algo mais do que o lar tradicional para dar apoio aos idosos e é aqui que surge a ideia de construirmos uma unidade hospitalar de cuidados continuados”, explicou o presidente da direcção.
Embora já proporcionem aos utentes serviço de enfermagem, fisioterapia, psicologia, bem como apoio domiciliário, a nova unidade de cuidados continuados poderá vir a alargar muito mais as competências da associação no domínio da saúde. O projecto, inicialmente previsto para nascer no edifício da Casa das Fontes, mas posteriormente alterado devido problemas estruturais, implica um investimento de cerca de 5 milhões de euros. “Estamos em condições de garantir um financiamento da nossa parte na ordem dos 50 por cento, o resto teremos que ir buscar aos fundos comunitários”, explicou o presidente da ATC. As obras deverão começar no próximo ano, ficando a futura unidade de saúde operacional para servir a população dos concelhos de Famalicão e Guimarães.

O projecto contempla um espaço para internamento com capacidade para 15 a 20 camas, nove quartos, vários gabinetes médicos e de enfermagem, um parque de estacionamento coberto e um parque específico para ambulâncias. Com uma área total de 1900 metros quadrados, o equipamento irá contemplar ainda um Centro de Fisioterapia, com sala de hidroterapia, sala multi-funções (ginásio), gabinetes de fisioterapia, gabinete de apoio, balneários para ambos os sexos e uma farmácia. Todos os espaços serão devidamente concebidos para indivíduos com mobilidade condicionada. Além disto, também está prevista a criação de uma cozinha e de uma lavandaria industrial certificada para servir toda a instituição, permitindo uma “economia de recursos e meios”, como explicou Custódio Oliveira. A “Residência para Maiores” constitui outra das grandes novidades e prevê a construção de 24 apartamentos adaptados especialmente para idosos, uns para venda e outros para arrendar e que irão permitir ajudar a “sustentar” a unidade de cuidados continuados.

A multidisciplinaridade é talvez a característica mais marcante da ATC. O pano continua a subir e a descer num palco onde o social, o cultural e a saúde caminham de mãos dadas. Com um “elenco” fixo de 70 “actores” e uma “plateia” diária de mais de 400 espectadores, o caminho do futuro é marcado pela “filosofia de fazer sempre melhor”, como afirma Custódio Oliveira” e onde o “ponto” continua a segredar aos intervenientes que “a missão é, acima de tudo, servir”.

 

Data de introdução: 2007-05-04



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...