JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

O brilho do ouro e o desgoverno do mundo

O ouro brilha, é da sua natureza. Ultimamente também tem brilhado na sua incarnação de ativo financeiro.
Desde o início de 2025 o metal amarelo valorizou 27% e, se começarmos a contar em 2 de abril, o dia da infâmia das “tarifas recíprocas” de Trump, o ouro acumula ganhos de cerca de 5%. Em euros a coisa é menos impressiva dado que o a moeda única regista ganhos significativos em relação ao dólar no que levamos do ano corrente. Ainda assim, em euros, o ganho do ouro vai em 12,5% desde o início do ano.
De certa forma é normal. A eleição de Donald Trump, as suas estouvadas propostas políticas e a forma errática e imprevisível como as tem conduzido, criaram níveis de ansiedade e insegurança de tal modo elevados, que, para alguns investidores, o ouro aparece como o refúgio de último recurso, que nem mesmo as mais surreais iniciativas políticas Trumpistas, conseguirão destruir.
Contudo, não deixa de haver um lado estranho nesta história. Normalmente, em tempos de taxas de juro elevadas, como é o caso atualmente nos Estados Unidos, o ouro enquanto ativo costuma ter performances pobres. Quando podemos aplicar dinheiro de forma segura acima de 4%, porque diabo haveremos de preferir colocá-lo em algo que não rende rigorosamente nada e, ainda por cima, tem custos de conservação e segurança?
Não faltam no passado anúncios enfáticos do fim do papel monetário do ouro. John Maynard Keynes, que tal como Karl Marx ostentava uma manifesta incapacidade para prever o futuro, dizia que o ouro se transformaria numa “relíquia bárbara”. Já Vladimir Ilich Ulianov, o revolucionário russo, com o seu proverbial sentido pragmático, afirmou que ainda haveria de instalar latrinas em ouro na praça vermelha.
Enganaram-se redondamente!
Segundo algumas estimativas, os bancos centrais deste nosso vasto mundo terão 36.000 toneladas métricas de ouro sob a forma de reservas. O ouro terá mesmo deslocado o euro para o terceiro lugar do pódio em matéria de reservas globais sendo apenas superado pelo dólar enquanto ativo de reserva (claro que cotações elevadas do metal ajudam nestas contas).
Os bancos centrais detêm uma em cada seis toneladas do ouro extraído desde que os humanos inventaram a mineração do metal.
Jasão com os seus argonautas partiu para a Cólquida em busca do velo de ouro. Ao que parece nos rios da Cólquida o ouro era tão abundante que bastava colocar peles de carneiro na água e depois recolher as partículas que ficavam presas na lã. Engenhoso, sem dúvida!
No regresso Jasão não trazia apenas o velo de ouro, trazia também uma mulher – Medeia. Dela terá dois filhos que Medeia acabará por matar numa vingança mesquinha contra Jasão.
Nunca faltou tragédia onde o ouro esteve próximo!
Uma boa parte do ouro dos bancos centrais está guardado em Fort Knox nos Estados Unidos. Durante a guerra fria, muitos países ocidentais, temendo uma eventual invasão pela União Soviética e o consequente saque, preferiram deixar grande parte das suas reservas ao cuidado da Reserva Federal de Nova Iorque.
Foi sempre tudo feito numa base de confiança. No entanto, consta que, há um par de anos, alguns países terão discretamente pedido uma contagem física do stock. Ao que parece estaria tudo em ordem!
Não deixa de ser um sinal dos tempos que nos nossos dias o debate tenha ganho contornos um pouco diferentes, particularmente na Alemanha e na Itália. Agora fala-se abertamente na possibilidade do repatriamento do ouro guardado nos Estados Unidos o qual poderá valer qualquer coisa como 250 biliões de dólares.
Não estaremos a exagerar? Há alguma razão para pensar que o ouro europeu possa não estar seguro em Fort Knox?
Infelizmente há razões de sobra para a desconfiança que começa a tomar conta de muitos políticos europeus.
A América deixou de ser um país confiável.
Na desastrosa reforma fiscal que acaba de passar no Congresso e que Donald Trump batizou de “lei grande e bela”, no meio das quase mil páginas do texto, algures num canto obscuro, constavam disposições como uma taxa a pagar pelos não residentes detentores de ativos americanos. Tanto quanto sabemos, um módico de bom senso por parte de alguns senadores, terá impedido que essas disposições polémicas constassem do texto que finalmente foi aprovado. No entanto, o simples facto de uma administração americana ter colocado a hipótese de uma repressão financeira brutal sobre investidores estrangeiros diz-nos muito sobre o desgoverno que vai pelo mundo.
Lembrar, a propósito, que alguns círculos próximos da administração Trump chegaram a alvitrar a hipótese de obrigar os detentores de dívida pública americana a trocar forçadamente os seus títulos por outros de maturidade a perder de vista e taxas de juro reprimidas. Não consta que tal hipótese tenha sido oficialmente excluída.
Stephen Miran, o chefe dos conselheiros económicos de Trump, não se cansa de falar dos custos que a América suporta por conta do funcionamento do sistema financeiro internacional e, eventualmente, ocorre-lhe que, a bem ou a mal, os não residentes terão de pagar.
Com um louco a chefiar uma equipa de mentecaptos já não podemos ignorar mesmo os riscos que seriam inverosímeis há apenas um par de meses.
Quem nos garante que, num qualquer cenário de crise, em que seja necessário usar massivamente linhas de financiamento em dólares, um qualquer político americano nos diga que o nosso ouro é um excelente colateral ou, pior ainda, que o maldito metal seja usado como arma de pura coação política?
A visão de mundo regido por regras, e não pela força bruta do mais forte, convenientemente policiado por uma América, uma se via a si mesma como uma nação excecional, destinada para esse papel por um qualquer desígnio de Deus, morreu!
Descobrimos que o polícia, afinal, pode ser um agente desmotivado, que se está nas tintas para a segurança dos outros e bem capaz de fazer mais danos que próprios ladrões.
Bem fariam os europeus em cuidar da sua segurança e da segurança dos seus ativos.
Recentemente, Enrico Letta, ex-primeiro ministro de Itália e autor do relatório “muito mais que um mercado”, solicitado pelo Conselho Europeu e pela Comissão Europeia sobre a revitalização do mercado único, afirmou que divididos em vinte e sete mercados seremos sempre uma colónia financeira da América.
Sábias palavras!

 

Data de introdução: 2025-07-10



















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