PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

O apagão mal comunicado

O veredito dos cidadãos espanhóis e portugueses quanto à comunicação dos seus governos sobre o apagão é claramente negativo. Em Espanha, quase 60% dos cidadãos consideram que o governo lhes deu informação insuficiente[1]. Em Portugal, o nível de desaprovação terá também sido alto, considerando 41% que o Governo e as entidades públicas não lidaram bem com a situação[2].

Apesar da importância da comunicação em emergências, a desinformação circulou amplamente. Houve, durante longas horas, falta de clareza e informação sobre a causa, sobre as medidas para a remediar e sobre o tempo expectável de restabelecimento da normalidade.

Pelo que se soube posteriormente, as autoridades tinham um bom conhecimento de como se tinha gerado o apagão e do que fazer para restabelecer os serviços, mas ambos os governos, português e espanhol, parecem ter tido, uma gestão da comunicação da crise, baseada por cálculos de oportunidade política que contraria as boas práticas de comunicação em emergência.

 Um artigo publicado recentemente numa revista especializada fez uma análise comparada das estratégias adotadas nas duas últimas décadas em diferentes países[3].

Segundo a investigação, as pessoas tendencialmente adotam comportamentos cooperativos em situação de crise e podem ser de grande ajuda. Mas o seu papel tende a ser subavaliado. As estratégias de comunicação que envolvem as pessoas na mitigação dos efeitos, reduzem a ansiedade e o sofrimento que, pelo contrário são ampliados pela sensação de que algo importante está a ser escondido.  Mas os governos têm dificuldade em reconhecer este recurso.

Muitas vezes, acreditam que o público tende a reagir de modo irracional e a perder o controlo. Nesses casos, as suas estratégias de comunicação baseiam-se em voz de comando e preocupação com o controlo.

Há casos em que acham que têm prioritariamente de gerir a incerteza, porque as pessoas só serão cooperativas se instruídas devidamente sobre como reagir.

Menos frequentemente, a comunicação assenta na maximização da cooperação com os cidadãos que se acredita que agirão racionalmente e contribuirão para o encontro de soluções.

No nosso caso, foi evidente o desleixo no envolvimento das pessoas em qualquer das estratégias possíveis de mitigação dos efeitos do apagão. As pessoas nem receberam ordens, nem orientações, nem foram chamadas a colaborar.  Foram deixadas sozinhas com os seus medos e os seus instintos. Agiram como se o país vivesse em anarquia, momentaneamente com um Estado praticamente ausente.

Os canais de comunicação disponíveis não foram ativados. Nada de relevante sobre como agir soubemos pela rádio, pela TV, pelos SMS, pela internet.

As escolas funcionaram ou fecharam, os estabelecimentos comerciais encerraram ou mantiveram-se abertos, as pessoas foram para casa ou ficaram nos locais de trabalho, sem que ninguém as tivesse ajudado nas suas decisões. O trânsito orientou-se nas cidades sem semáforos e, pelo menos no caso de Lisboa, sem polícia visível. As pessoas fizeram o seu abastecimento de emergência desorientados sobre o tempo em que o apagão continuaria.

Aparentemente, no dia do apagão, ninguém no governo pensou nos termos dos seis princípios enunciado pelo manual de comunicação em crise e emergência do Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças (CDC) dos EUA, um manual de referência para as emergências. Quais são esses seis mandamentos e como foram aplicados?

Seja o primeiro, porque a primeira informação torna-se frequentemente a privilegiada. No apagão a desinformação dos ciberataques e da sabotagem russa chegou primeiro.

Seja correto, informe sobre o que sabe, o que não sabe e o que está a ser feito. Mas estivemos horas sem saber o que estava a acontecer e com que efeitos previsíveis.

Seja credível, fale com honestidade e fidelidade à verdade. Poderíamos acrescentar, no caso específico, não insinue causas que não conhece, nem venha reclamar emergências que efetivamente se exagerou, como no caso dito no dia seguinte da Maternidade Alfredo da Costa e dos risíveis jerricans dos motoristas do governo.

Expresse empatia, refira-se ao que as pessoas estão a sentir e aos problemas que enfrentam, construindo relação e confiança com elas. Nenhum conselho ou informação relevante sobre o que fazer tivemos do governo, apenas de alguns Presidentes de Câmara mais visíveis na comunicação social.

Promova ação, porque dar às pessoas coisas úteis a fazer, acalma e promove sentido de controlo por parte das pessoas. Por exemplo, garanta que a sua família pode estar em conforto durante as horas da noite em que pode não ter eletricidade, promova atividades sociais e jogos para as crianças não terem ansiedade, etc., etc.

Mostre respeito, porque isso é muito importante para pessoas que se sentem vulneráveis. Pode nem ter havido falta de respeito, mas houve tentação propagandística.

Aparentemente ninguém falou ao Governo destas regras básicas. Ou falou e este não soube ou não quis aplicá-las. No primeiro caso, devemos ficar estruturalmente preocupados com a falha da administração pública. No segundo, é de ficarmos descontentes com os nossos governos. Esperemos que os governos se saiam melhor na próxima crise.

 

[1] Dados do estudo do Centro de Investigaciones Sociologicas divulgados pelo El País. Ver https://elpais.com/espana/2025-05-03/casi-un-60-cree-que-el-gobierno-no-dio-suficiente-informacion-el-dia-del-apagon.html

[3] Sayaka Hinata, Hannah Rohde, Anne Templeton, Communicating with the public in emergencies: A systematic review of communication approaches in emergency response, International Journal of Disaster Risk Reduction, Volume 111, 2024

 

Data de introdução: 2025-05-08



















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