O caso das pessoas mais velhas apoiadas pelas IPSS
Sob o tema em epígrafe, no passado dia 23 de julho, decorreu em Aveiro um Seminário promovido pela CNIS. Pela importância do tema, normalmente ignorado, apresentam-se as conclusões:
As questões da sexualidade e das relações de intimidade das pessoas mais velhas nas instituições são complexas, multidimensionais e apresentam desafios para os utentes, para as instituições, para os trabalhadores e para as famílias.
As instituições cuidam de «pessoas de direitos, mas também de pessoas de expressões». Deve, assim, partir-se do pressuposto de que as pessoas têm o direito de decidir autonomamente também quanto à expressão da sua sexualidade, sendo este direito um direito fundamental dirigido à manutenção da dignidade de cada pessoa, seja qual for a sua idade e a sua condição de saúde. E este direito integra mesmo, em alguns países, parâmetros de avaliação da qualidade da intervenção de uma instituição.
Mas é um direito que enfrenta múltiplas dificuldades.
Desde logo, as dificuldades relacionadas com atitudes inadequadas dos profissionais e dos outros utentes (ridicularização, inferiorização, discriminação) e ainda as fragilidades das instituições (limites físicos das suas instalações e falta de formação dos profissionais).
A possibilidade de fazer escolhas relativas à própria vida inclui a possibilidade da expressão da sexualidade de cada pessoa, mas estas escolhas estão limitadas a vários níveis e em várias dimensões. Esses limites vão desde aquilo a que se pode chamar uma «conspiração de silêncio» em relação à sexualidade numa idade mais avançada, até à ausência de educação sexual dirigida às pessoas mais velhas, passando pela construção social do envelhecimento da mulher e os estereótipos de género que lhe estão associados, que tornam mais evidente a ideia de que a sexualidade não tem aí lugar.
A visão tradicional do que é a norma do ponto de vista sociocultural tem muitas vezes influência na perceção das necessidades dos mais velhos por parte dos próprios e dos seus cuidadores, determinando a (im)possibilidade de manter relações de intimidade e de viver a sua sexualidade.
Por outro lado, há múltiplos outros fatores – físicos, psicológicos ou psíquicos, individuais, sociais, culturais ou ambientais – que influenciam a sexualidade, e de entre estes há fatores com implicações ao nível da saúde, bem como incapacidades físicas que dificultam a autonomia e que se convertem num fator que afeta negativamente a sexualidade dos utentes. Revela-se por isso determinante olhar de forma atenta para as questões relativas à promoção da saúde sexual, apoiando as pessoas a encontrarem o seu bem-estar e felicidade e garantindo as condições para a sexualidade, que é ela mesma uma dimensão desse bem-estar.
Importa ainda pensar sobre a manutenção da capacidade de uma pessoa com alterações cognitivas para, no respeito pela sua dignidade, gerir a sua pessoa e tomar decisões sobre cuidados prestados. Tomar decisões sobre cuidados prestados pode implicar tomar decisões sobre relações afetivas e da sexualidade, e importa perceber se e como se preserva a autonomia e a capacidade para consentir, em especial se pensarmos que se trata aqui de direitos pessoais.
Uma pessoa num processo de alterações cognitivas, mas que em dado momento está lúcida e capaz de decidir, pode exercer pessoalmente os seus direitos ou deve ser protegida de si própria? Se sim, quando, como, por quem e em que condições? Sem incapacitação, sem paternalismo e sem infantilização, falámos aqui na ideia de que terá sempre de ser um «fato à medida», fato esse que acautele, também aqui, os diversos espaços legítimos de realização pessoal.
A prática concreta das instituições deve atender ao modo como os cuidados, os espaços e as rotinas devem ser adequados à possibilidade de os utentes pretenderem viver ativa e plenamente a sua sexualidade ou manter relações de intimidade, e sobre o modo como as equipas de profissionais devem ter acesso a formação especializada contínua e específica que lhes permita fazê-lo.
Concretizando, importa que as instituições se preparem para os difíceis equilíbrios entre as suas próprias perceções, as necessidades dos seus utentes e o papel da família nesta equação. É fundamental promover abordagens desprovidas de juízos de valor, bem como garantir que essas abordagens são respeitadoras das diferenças e identidades dos utentes e não assumem contornos discriminatórios – por exemplo em relação às mulheres, ou em relação às minorias sexuais. O modelo de gestão e organização das Instituições tem de ser capaz de, na prestação de cuidados individualizados, respeitar e responder aos direitos e escolhas dos utentes relativamente ao modo como estes vivem, ou pretendem viver, a sua intimidade e sexualidade. A organização dos espaços das instituições não pode deixar de atender ainda ao respeito pela intimidade da vida privada e à privacidade dos seus utentes na expressão da sua sexualidade.
Em conclusão, a ideia transversal que se pode retirar dos trabalhos do seminário prende-se com aquele que é um dos maiores desafios que se põem hoje às instituições, que é a individualização dos cuidados e a ideia de que o cuidar não é executar a tarefa, é atender à pessoa concreta e à sua individualidade e diversidade. É a pessoa, na verdade, «o centro do sistema».
Esta ideia não pode deixar de se repercutir nos trabalhadores, nos dirigentes, nas próprias instituições e na sua gestão e organização, bem como nas famílias dos utentes.
Por essa mesma repercussão, impõe-se não deixar cair o tema, razão por que a CNIS se compromete em mantê-lo na ordem do dia.
Lino Maia
Não há inqueritos válidos.