JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

Porque está a Europa a perder competitividade? Mário Draghi explica!

Para os que fazem a misericórdia de acompanhar este meu espaço de crónica é conhecida a minha convicta admiração por Mário Draghi.

No caso de Mário Draghi, porventura, a faceta mais conhecida pelo grande público é o lado político. É menos referido o facto de Mário Draghi ser um dos mais importantes economistas dos nossos dias. Mário Draghi fez parte de um pequeno grupo de génios que, curiosamente, coincidiram como alunos do MIT, grupo de que faziam parte, entre outros, Paul Krugman, Lawrence Summers, Olivier Blanchard ou Keneth Rogoff, enquadrados por Rudi Dornbush, um professor de ideias avançadas quer como economista quer como pedagogo.

Embora, a dada altura, Mário Draghi tenha abraçado uma carreira na banca de investimento (também ele andou pela Goldman Sachs) e tenha tido uma menor intervenção na esfera académica, a verdade é que, não obstante as diferenças políticas, Paul Krugman sempre se referiu a Mário Draghi como “um de nós”. Referia-se, obviamente, à ciência económica onde Mário Draghi nunca deixou de ser um dos melhores.

A mais recente intervenção de Mário Draghi no espaço público foi a liderança de um governo de unidade nacional, apoiado por praticamente todos os partidos políticos italianos, com vista a gerir a crise da pandemia e a respetiva recuperação.

Era, à partida, uma tarefa quase impossível na sempre fraturada e acrimoniosa cena política italiana, mas, para mim sem surpresa, Mário Draghi saiu-se com brilhantismo.

O governo de unidade nacional acabou por cair e talvez, de certa forma, felizmente, porque deixou Mário Draghi livre para um desafio quiçá ainda mais relevante. A Comissão Europeia encomendou um relatório sobre a perda de competitividade da Europa no quadro da economia global e sobre as medidas a tomar para restaurar aquela que foi (e ainda é!) a economia mais competitiva do mundo.

Vem isto a propósito porque saiu recentemente o relatório do grupo liderado por outro italiano, Enrico Letta, sobre o mercado único mais ou menos na mesma altura em que Mário Draghi fez um discurso público que levanta algumas pistas sobre o que será o relatório a produzir e publicar pelo grupo que lidera.

O relatório Letta é um texto muito importante, que ainda não pude ler com a atenção e profundidade devidas, contudo, em relação ao discurso de Mário Draghi, uma vez que é um texto curto e se mantém no plano das grandes generalidades, já é possível fazer algum comentário.

Segundo Draghi, as respostas da União Europeia às diversas crises globais são respostas do passado e são inúteis no novo quadro que se desenha de recuo do globalismo, do regresso a políticas económicas de cariz nacionalista e de uma ordem internacional que, nomeadamente depois da invasão da Ucrânia pelas tropas russas, já não podemos confiar que se rege por regras que todos mais ou menos respeitam, mas onde, pelo contrário, pode passar a prevalecer a força bruta.

Mário Draghi refere três debilidade estruturais da Europa.

A primeira é o paradoxo de, sendo a União europeia, se tomada no seu conjunto, a segunda economia do mundo e não muito mais pequena que a economia americana, não conseguir criar a escala necessária para desenvolvimento de muitas atividades essenciais nas economias modernas.

Dois setores ilustram abundantemente como não conseguimos criar escala.

No setor, agora infelizmente tão importante, das indústrias de defesa, os cinco maiores operadores europeus do setor valem 45% da indústria, nos Estados Unidos o número equivalente é 80%. No setor das telecomunicações temos na Europa trinta e quatro grupos relevantes, nos Estados Unidos são apenas três e na China quatro.

Todos sabemos de onde isto vem – vem da fragmentação do mercado europeu num grande número de pequenos mercados nacionais. O egoísmo nacional continua a imperar e, enquanto assim for, não podemos aspirar a competir com os gigantes que, naturalmente, se formam em mercados grandes e que não são fragmentados por exclusivismos regionais ou nacionais.

O segundo tema é a capacidade para o fornecimento de bens públicos em mercados fragmentados.

Aqui o exemplo óbvio é a problema das redes de transmissão de energia e, em particular, as conexões internacionais.

Para cumprir as metas da transição energética será necessário mais que duplicar a capacidade de transporte eficiente de energia elétrica. A nenhum país europeu valerá grande coisa se o fizer internamente se, ao mesmo tempo, esse processo não for acompanhado pelo reforço das conexões internacionais. A resistência feroz que a França, por exemplo, colocou às conexões europeias com a Ibéria, por puro egoísmo nacional, não augura nada de bom.

Por outro lado, grande parte do investimento a fazer nestas áreas que envolvem bens públicos será forçosamente investimento privado.

Também aqui não conseguimos competir com os Estados Unidos onde existe um mercado de capitais unificado e extremamente ativo. Não por acaso, em setores de ponta das indústrias digitais, a Europa tem uma presença diminuta. A maior empresa tecnológica da Europa, a Software House SAP, é a 13ª por capitalização bolsista a nível global, as primeiras doze são americanas.

Trata-se de áreas onde a abundância de capital de risco é determinante. A indústria de capital de risco sempre foi, por variadíssimas razões, mais desenvolvida na América do que na Europa. Se pensarmos que na europa, um mercado já de si mais pequeno, está dividido em quase trinta pequenos mercados nacionais, começamos a perceber porque na vibrante cena americana as start-ups têm muito maior probabilidade de sucesso.

A criação de um verdadeiro mercado de capitais unificado é fundamental!

Finalmente a Europa tem de acordar para a realidade de que não é possível continuar a pensar que vivemos num mundo governado por regras onde o acesso a recursos essenciais (matérias primas críticas e outros inputs) é decidido em mercados transparentes a que todos têm acesso.

Vivemos em tempos de renascimento dos nacionalismos económicos e do controlo estratégico sobre matérias primas críticas. O exemplo chinês no setor das baterias elétricas deveria ser suficiente para fazer soar todas as campainhas. A China vale quase 80% da capacidade produtiva de baterias a nível global, mas vale ainda mais no controlo das matérias primas críticas para a sua fabricação.

A Europa tem sido moralmente impoluta nestas histórias deixando aos mercados e aos atores privados a regulação destas matérias. Os outros, nomeadamente os Estados Unidos e a China estão ativamente a envolver o Estado na resolução destes problemas com políticas industriais explícitas e subsídios colossais quando necessário.

Talvez seja tempo de deixarmos de fazer o papel do menino do coro da igreja e perceber que vivemos num mundo de pós-globalização em que se não dos defendermos corremos o risco de ficar definitivamente para trás.

Creio que é esta a mensagem essencial de Mário Draghi. Prometo voltar ao assunto quando o relatório final for tornado público.

 

Data de introdução: 2024-05-08



















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