MARçO 2024

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e por quem querem e como querem que o país seja governado.

E, apesar de ter sido fora do tempo inicialmente previsto, uma vez mais foi dada ao povo português a oportunidade de se pronunciar. Houve tempo para os Partidos se organizarem, para elaborar os respetivos programas eleitorais e fazer a campanha eleitoral. A Proteção Social e o Sector Social e Solidário que, sem o necessário reconhecimento público mas em paz assegura a proteção social,  praticamente foram ignorados nos programas eleitorais e estiveram totalmente ausentes tanto nos debates como na campanha eleitoral. Mais expressivamente que em cenários anteriores, os portugueses pronunciaram-se. Temos uma nova Assembleia da República e teremos um novo Governo.

A CNIS respeita e respeitará  tanto a Assembleia da República como o Governo que daí emanar e for empossado pelo Presidente da República. Inequívoca e lealmente. Sempre assim foi e sempre assim será.

No dealbar de um novo ciclo, a CNIS não pode deixar de recordar algo que não pode ser ignorado tanto pela nova Assembleia da República como pelo novo Governo e que, em devido tempo, foi referido a todos os Partidos que, então, tinham assento parlamentar para que fosse tido em consideração nos novos programas eleitorais:

 

1. Durante a anterior legislatura, no contexto dos projetos de revisão constitucional apresentados no Parlamento e em sede da Comissão Eventual para tal efeito constituída, a CNIS teve ocasião de reunir com quase todas as formações políticas representadas nesse órgão de soberania, com vista à alteração do artº 63º da Lei Fundamental, relativo à Segurança Social e à Solidariedade.

O tratamento do nº 5 do artº 63º da Lei Fundamental carece de aperfeiçoamento. Com efeito, é desigual o tratamento normativo dos dois eixos do artigo: os primeiros 4 números referem-se à Segurança Social em sentido estrito, de natureza prestacional e de base contributiva, conferindo ao direito à Segurança Social a natureza de um direito fundamental e o respetivo âmbito universal – “Todos têm direito à Segurança Social” -, assegurado por um sistema de Segurança Social unificado e descentralizado; faltando porém ao nº 5º uma formulação que igualmente configure como um direito o direito à solidariedade – ou um direito à proteção social, traduzido em medidas de apoio social  -, assegurado por uma sistema nacional de cuidados a quem careça de proteção social, a determinar nos termos da lei.

É no âmbito da sua integração nesse sistema nacional de cuidados e de desenvolvimento social que devem ser definidos constitucionalmente a natureza, o papel e as atribuições das Instituições Particulares de Solidariedade Social, ao invés de uma formulação, como a atual, que se limita a garantir-lhes o apoio do Estado e a submetê-las à sua fiscalização, mas que é pouco nítida quanto à afirmação positiva, numa formulação genérica, dessas atribuições.

2. Outro aspeto relativo à legislação de enquadramento de nível superior tem que ver com a Lei de Bases da Economia Social – Lei nº 30/2013, de 8 de maio.

Falta, na verdade, iniciar o caminho da regulamentação da Lei de Bases da Economia Social, através da densificação legislativa que estabeleça a identidade e respeite as características do Terceiro Setor, libertando as Instituições que se enquadram no seu seio, designadamente as IPSS, da tentação, em que se tem caído, de as sujeitar, quanto aos procedimentos, a um regime quase de direito público, sem as vantagens, designadamente o conforto orçamental, que o Estado reserva para si próprio; em paralelo com a aplicabilidade da complexidade burocrática declarativa que onera o setor privado “stricto sensu”,  mas sem equivalente liberdade de ação para atuação em mercado aberto.

 

3. Em diversos diplomas relativos ao Setor Social Solidário persistem vestígios da legislação corporativa própria do Estado Novo, e do seu Código Administrativo, de Marcello Caetano, que veiculam conceitos caducados pelo tempo e pela liberdade, como é o caso da tutela, que constitui uma Secção própria, a III Secção, do Capítulo I do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro.

Ora, a tutela é tipicamente uma relação administrativa, entre dois órgãos de natureza pública, que permite ao órgão de tutela interferir na atividade do órgão tutelado, designadamente nomeando e destituindo os titulares dos órgãos sociais deste.

Mesmo sob a perspetiva da legislação existente, não é esse o caso das Instituições Particulares de Solidariedade Social, havendo contradição insanável num diploma que, num certo passo, proclama a autonomia das Instituições face ao Estado, para, mais adiante, qualificar como sendo de tutela a relação entre o Estado – aqui, Administração Pública – e as Instituições.

Neste sentido, urge promover a adequação à Constituição da legislação avulsa respeitante ao regime jurídico das IPSS, designadamente no que se refere à subsistência de referências a uma relação de tutela que não é, nem legal, nem constitucionalmente, admissível ou aceitável.

4. Um terceiro nível de enquadramento é constituído pelo Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, subscrito, em 23 de Dezembro de 2021.

O texto do Pacto revisto reconhece o papel, a importância, a valia, a capacidade de adaptação das IPSS no sentido da execução dos objetivos consensualizados, tendo em conta a aptidão destas Instituições para a aproximação aos problemas das pessoas concretas, através da rede capilar de equipamentos, respostas e serviços sociais assegurados pelas mesmas Instituições em todo o território nacional.

Trata-se de um modelo que tem permitido o progressivo aumento da cobertura em creche, com vista à conciliação da vida profissional com a vida familiar, a universalização da educação pré-escolar, o acolhimento de crianças e jovens em risco, o atendimento a pessoas com deficiência, a prestação de cuidados de longo prazo, assegurando condições de saúde e bem-estar das pessoas idosas ou dependentes, em lares, apoio domiciliário e unidades de cuidados continuados – só para referir alguns dos domínios mais expressivos.

Por outro lado, é também certo que, como em tudo, este modelo colaborativo só é capaz de produzir os resultados esperados se for financeiramente sustentável.

Nesse sentido, consensualizando-se que o Estado tem de assumir a Proteção Social como uma das suas inalienáveis competências e obrigações, deve relevar-se como um passo muito significativo o compromisso constante do Pacto de Cooperação, no sentido de o Estado e as Instituições deverem repartir de forma equitativa os encargos com as respostas sociais em que existem comparticipações familiares, sem prejuízo, como é bom de ver, das respostas sociais em que não haja comparticipações dos utentes, ou estas sejam meramente simbólicas, em que a comparticipação pública será a adequada a cada situação.

 

5. Há que rever o Regime Fiscal da Economia Social Solidária, em geral, e, em determinadas situações, designadamente empreitadas, a determinação da taxa do IVA.

Ora, afigura-se que, integrando as IPSS o âmbito da chamada economia social, de forma idêntica às cooperativas, nos termos do artº 4º da Lei de Bases da Economia Social, aprovada pela Lei nº 30/2013, de 8 de Maio – e constituindo mesmo as cooperativas de solidariedade social uma entidade equiparada legalmente às IPSS -, constituiria uma exigência de igualdade de tratamento poderem as IPSS beneficiar do mesmo regime fiscal em sede de IVA, no que se refere às empreitadas relativas a obras destinadas às suas atividades estatutárias.

A participação das IPSS como Entidades Promotoras no Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, no âmbito do PRR, pela similitude com a atividade das cooperativas de habitação, quer quanto à natureza jurídica das entidades, quer quanto ao âmbito material da atividade prosseguida, torna ainda mais pertinente a proposta da CNIS.

Por outro lado, e agora por referência às empreitadas em que sejam as autarquias locais a entidade adjudicante, também se propugna pela equiparação do regime fiscal referido.

Assim, e sem prejuízo da necessária revisão do Estatuto Fiscal da Economia Social, desde já se propõe, de forma prioritária, a redução, por via legislativa, da taxa de IVA para 6%, nas empreitadas relativas a obras que tenham como objeto instalações destinadas aos fins estatutários das Instituições.

 

Lino Maia

 

 

Data de introdução: 2024-03-14



















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