JOÃO CARLOS LARANJO, PRESIDENTE DA UDIPSS PORTALEGRE

A desertificação do distrito coloca graves problemas às IPSS no recrutamento de pessoal

À boleia da XVI Festa da Solidariedade, deslocámo-nos a Portalegre para sentir o pulso ao Sector Social Solidário no distrito do Alto Alentejo, em mais uma etapa da Volta a Portugal da Solidariedade.
João Carlos Laranjo, presidente da UDIPSS Portalegre, releva a importância das IPSS no território, onde se afirmam como o principal empregador e o suporte do número cada vez mais crescente de pessoas idosas. A desertificação, segundo o Censos 2021, o distrito de Portalegre foi o que mais população perdeu, cerca de 15%, levanta problemas de recrutamento de pessoal às IPSS, ao que os baixos salários não ajudam a resolver.

SOLIDARIEDADE - Qual é a situação do Sector Social Solidário no distrito de Portalegre?
JOÃO CARLOS LARANJO - Este sector da Economia Social, para o distrito, é fundamental. Estamos a falar de um distrito onde a população é muito idosa, pelo que temos de ter uma atenção especial para esta situação. As instituições que temos no distrito, em muitos dos concelhos são a única entidade empregadora, pelo que temos que ter instituições a trabalhar bem e com capacidade para dar resposta aos problemas que temos. No distrito, as IPSS são o maior empregador, mais até do que as autarquias. Basta ver os dados dos Censos, mas a quantidade de idosos que temos requer que lhes dediquemos muita atenção, não só a tutela, mas também as autarquias. Isto é uma responsabilidade do Estado que, através de acordos de cooperação, transfere para as instituições. E temos que refletir sobre a questão dos acordos de cooperação… O custo de uma cama no Interior é o mesmo que uma cama em Cascais, só que a diferença é que as reformas aqui são muito baixas, na ordem dos 300 euros, muito diferente das de Cascais! Isto reflete-se na mensalidade que pagam e no esforço que as instituições têm que fazer. As instituições não põem ninguém na rua e sei de casos em que as pessoas deixaram de pagar e são as IPSS que estão a suportar esses custos. E isto, repito, é uma responsabilidade do Estado. É necessário rever a fórmula como são calculados os valores dos acordos de cooperação, porque têm de ser diferenciados. Tem de haver uma discriminação positiva para o Interior, mas parece que toda a gente tem medo de mexer nisso!

Esta crescente perda de população no distrito, segundo o Censos de 2021 foram 15%, em que medida afeta as IPSS?
Tem consequências muito diretas. Esta desertificação do distrito deve-se à falta de desenvolvimento económico, porque, praticamente, não se instalaram aqui indústrias. A agricultura é o sustento desta economia, tirando algumas fábricas, como os casos da Delta ou da Hutchinson, mas são casos pontuais. Olhando a Portalegre, a maioria das pessoas já está aposentada, ou estão nos lares ou aposentados nos cafés, jovens não há! Isto origina que as instituições, neste momento, estão com graves problemas para arranjar pessoal para trabalhar. E, depois, há instituições que ficam longe, quase isoladas, e um funcionário ter que fazer 40 quilómetros por dia no seu carro. Depois, o valor que recebem nas instituições… Isto é outro problema de que gostava de falar, é que os trabalhadores das IPSS são mal pagos, as instituições não têm dinheiro para pagar mais, mas os funcionários são muito mal pagos para o trabalho que fazem. As pessoas fazem contas e, se ganha o ordenado mínimo e metade fica na gasolina, mais vale ficar no desemprego. As instituições que estão mais isoladas já estão a ir buscar os trabalhadores nas próprias carrinhas. E mesmo assim é difícil. Os funcionários das instituições têm de ter formação, têm de estar sempre bem-dispostos, bem fisicamente e motivados… e não se motivam as pessoas com vinagre!

E quais são as maiores lacunas no distrito em termos de respostas sociais?
Há um problema no concelho de Portalegre que considero grave e desumano. Na cidade só há uma instituição, que é a Santa Casa da Misericórdia, com uma capacidade limitada, pelo que os idosos da cidade têm de ser todos transferidos para as freguesias rurais. Uma pessoa que viveu toda a vida na cidade, nos últimos dias de vida vai morar para um sítio estranho, onde não conhece ninguém e onde os amigos não a podem ir visitar porque não há transportes públicos é desumano. Os idosos vão para um isolamento total, o que é desumano. E isto porque a cidade de Portalegre não foi capaz de constituir uma instituição dentro da cidade para dar resposta às necessidades da população da cidade. Este é um problema grave e que tem de ser resolvido. Enquanto fui diretor da Segurança Social pus sempre este tema em cima da mesa, mas nunca houve ninguém na cidade de Portalegre que quisesse por mãos à obra. E, como presidente da UDIPSS, hei de acabar o meu mandato quando vir aqui na cidade a primeira pedra para a construção de um lar.

A resposta de ERPI é a única ou a principal carência? De resto a cobertura é suficiente?
O que acontece no distrito de Portalegre é o que acontece no resto do país, ou seja, temos os lares, os hospitais e as casas das pessoas, mas há pessoas que estão nos hospitais, mas não podem ir para um lar porque não há vagas e também não podem ir para casa. Precisamos de Unidades de Cuidados Continuados e, no nosso distrito, as que foram feitas não foram distribuídas de forma correta para dar a resposta necessária. Foram localizadas numa zona do distrito, que tem tudo, e depois há uma outra grande zona que não tem nada! Outro problema é a saúde mental. Hoje as instituições estão a receber muita gente, e gente nova, com demências que, para além das instalações não estarem preparadas para essas pessoas, não há funcionários preparados para as receber e é uma situação que cria instabilidade total no seio das instituições. A saúde mental em Portugal não existe.

Como é a relação com as IPSS associadas e quais as principais solicitações que elas fazem à UDIPSS?
É um tema que vai demorar algum tempo a mudar, mas penso que as instituições vão ter que dar um salto no sentido de perceberem o que é a solidariedade entre elas. O que está em causa é a qualidade dos serviços que são prestados e o que todos querem é dar mais qualidade aos serviços. Temos que, tendencialmente, adaptar as nossas instituições aos novos utentes que vão ter no futuro, porque as necessidades serão, certamente, diferentes. O amanhã é hoje, por isso temos que começar já. E para que isso aconteça, as instituições têm de partilhar, não podem todas fazer o mesmo. É preciso saber o que é que cada uma faz e, em conjunto, reunir as melhores condições para dar resposta às pessoas. E as instituições não estão preparadas para esse associativismo e esta relação que existe entre elas é a que existe com a UDIPSS. A primeira coisa que nos interessa é o estado da arte, ou seja, o que é que se passa nas instituições para podermos junto da CNIS dar nota e esta junto da tutela ter os dados necessários para negociar. O apoio jurídico para as questões laborais são as maiores solicitações das associadas à UDIPSS. A questão laboral é fundamental. As instituições têm conflitos laborais quase todos os dias e, como a UDIPSS tem apoio jurídico gratuito, as instituições recorrem muito a nós. Esta é uma forma de ajudarmos as instituições e também uma forma de angariarmos novas associadas.

As autarquias do distrito são verdadeiras parceiras das IPSS?
Posso dizer que, grosso modo, são, mas cada uma colabora consoante a sua realidade. A situação financeira das autarquias também não é nada do outro mundo, mas para estas instituições qualquer coisa já é muito. Há autarquias que ajudam monetariamente ou em transportes ou trabalhos, há outras que só ajudam se solicitado e há outras que não têm condições para ajudar. Do que conheço, os presidentes das câmaras estão disponíveis para ajudar, mas muitas vezes não conseguem, porque não têm disponibilidade. No entanto, repito, isto é uma responsabilidade do Estado e não das autarquias, mas o Estado não se chega à frente. Sei de uma instituição em que o Estado era o gestor e sabia que cada utente custava 1.200 euros. Pois, o Estado estava a negociar a transferência da gestão para uma IPSS, mas a negociar a 700 euros. Ou seja, a saber que havia ali 500 euros perdidos… Chegaram aos 900 euros, mas o que aconteceu, independentemente da boa ou má gestão, foi a situação acabar mal, ou seja, levou ao encerramento das duas instituições. O Estado quando é para ele arranja dinheiro, quando é para as instituições dá algo e espera que as instituições se desenrasquem. Enquanto tivermos esta mentalidade de caridade, que é o Estado que promove, não chegamos a lado nenhum.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2023-10-04



















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