1. A consciência social, aliada ao dever ético da solidariedade, representa uma instância suprema de cidadania, um compromisso inalienável para com os mais vulneráveis e em situação de marginalidade, exclusão e pobreza.
Muito embora corresponda à família e à vizinhança o primeiro gesto de acolhimento e o encaminhamento das situações de carência para iniciativas de inserção social e de progressivo acesso a uma normal cidadania, as várias instituições intermédias de inspiração humanista e vocação solidária de base local devem assumir-se como mediações privilegiadas de atuação entre a Família, a Comunidade e o próprio Estado.
A nossa história e a matriz cultural marcadamente humanista foram gerando expressões organizadas e enraizadas nos próprios cidadãos que, no decorrer dos séculos e das mais variadas formas, têm vindo a assegurar o exercício da solidariedade e da proteção social junto das pessoas ou grupos mais carenciados.
Indício da dinâmica destas iniciativas foi o constante crescimento do número de instituições do sector social e solidário e o constante e progressivo alargamento da sua obra, integrando, em todo o País, uma verdadeira rede de solidariedade e de dinâmica e ampla proteção social.
E se a própria matriz de identidade as configura na sua estrutura organizativa e qualificação axiológica, o facto de as Instituições Particulares de Solidariedade Social serem constantemente chamadas a cooperar com o Estado, no exercício de muitas atividades e projetos, justifica uma cuidadosa conceção dos instrumentos legais que regulam a cooperação.
Há três modelos e, sobretudo, várias áreas de cooperação entre o Estado e o Sector Social e Solidário: Ação/proteção social e habitação, Educação, Emprego e Saúde. Exatamente por esta multiplicidade, há necessidade de uma maior coordenação política na definição e coordenação das políticas sociais.
2. Também será oportuno revisitar a Cooperação. Evidentemente no que respeita a competências e obrigações do Estado e identidade e autonomia do Sector Social Solidário. Certamente no que concerne à sustentabilidade do Sector. Mas o Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, assinado em 23 de dezembro último, já o refere - importa começar imediatamente a cumprir não só por causa da sobrevivência do Sector como também para que se pratique justiça com aqueles trabalham no Sector.
Um outro alerta é o que resulta de uma constatação histórica: as Instituições respeitam o Estado, mas estão antes do Estado, pelo que, repito, é imperioso que se respeite a identidade e a autonomia das Instituições de Solidariedade. Se as Instituições respeitam o Estado – e respeitam e são-lhe leais -, não se pode dizer o mesmo do Estado em relação às Instituições: o Estado quer, requer e reconhece mérito às Instituições do Sector Social e Solidário, porém parece desconfiar do Sector Social e Solidário – é ver o que se passa, por exemplo, com as excessivas fiscalizações. Mas não só…
O triângulo da cooperação deve ganhar contornos pentagonais: presentemente o triângulo é Estado central, Estado local e Sector social e solidário. Mas deverá ser tido em atenção todos aqueles que são os destinatários da missão das Instituições - Utentes - e também as Comunidades de onde emanam as Instituições, que não são todas iguais, algumas das quais estão desertificadas, deprimidas e são mais pobres e que, entretanto, são chamadas a não se alhearem daquilo que quiseram e construíram mas que não podem sustentar de igual forma. Portugal não é todo igual…
3. A realidade onde as Instituições intervêm, por um lado, é dinâmica, mutável e flexível, por outro, os critérios são padronizados, quando deveriam ser flexíveis, alguns de exceção e outros de majoração… E as opções, preferencialmente, deveriam ser acompanhadas de alguma atipicidade para melhor se ajustarem ao dinamismo, à flexibilidade, às mutações e às exceções… Note-se que, presentemente, as atípicas permanecem estratificadas e eternizam-se…
Criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 197/97, de 18 de Novembro, o Programa Rede Social pretendia fomentar uma consciência coletiva e responsável dos diferentes problemas sociais e incentivar redes de apoio social integrado de âmbito local perspetivando uma estratégia de abordagem da intervenção social baseada num trabalho planeado, feito em parceria, visando racionalizar e trazer maior eficácia à ação das entidades públicas e privadas que atuam numa mesma unidade territorial. Entretanto estratificou, burocratizou-se e municipalizou-se. Urge ser revisitado o Programa da Rede Social
A transferência daquelas competências para as Autarquias e para as quais o Estado quis e requereu a cooperação do Sector Social e Solidário não pode agora ser apenas encarada como transferência do Estado central para o Estado local: as Instituições são agentes, prestam serviço público, bens públicos. Compreendendo perfeitamente as reticências do Estado local para assumir as competências porque não é dotado com os respetivos e necessários recursos, não é compreensível que o Sector Social e Solidário possa ser ostracizado em todo este processo de transferência de competências.
Princípio de bom sinal na cooperação mas com um alerta é o que se passa no processo da gratuitidade da Creche. Reconhecendo já a resposta social na Creche que o Sector Social e Solidário dá, o Estado reduz ao Sector Social e Solidário a implementação da gratuitidade para sa crianças nascidas a partir de 1 de Setembro de 2021. O processo não está concluído mas está no bom caminho. O Estado pode contar com o maior envolvimento das Instituições de Solidariedade. Recomenda-se, porém, que, posteriormente, não venha a transferir esta medida da gratuitidade de creche para outros agentes ou a fomentar a concorrência desleal como vem acontecendo, por exemplo, com o Pré-escolar. As Instituições de Solidariedade não querem ser limitadas exclusivamente às respostas sociais cujos utentes ou familiares não são um sedutor sindicato de votos…
Lino Maia
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