AUGUSTA FERREIRA, INVESTIGADORA DO ISCA DA UNIVERSIDADE DE AVEIRO

Plataforma permite cumprir obrigação legal e serve de veículo de credibilização das IPSS

É uma das investigadoras principais do «Projeto TFA TheoFrameAccountability – Quadro teórico para a promoção da accountability no sector da economia social: o caso das IPSS», iniciativa que agora necessita da adesão das instituições sociais para que os seus propósitos possam ser plenamente cumpridos. Augusta Ferreira, docente e investigadora do ISCA (Instituto Superior de Contabilidade e Administração), da Universidade de Aveiro. Em conversa com o SOLIDARIEDADE, a investigadora explica os objetivos do projeto, nascido no seio de um grupo de trabalho na academia aveirense, que é visto como uma ferramenta facilitadora para as IPSS e a sua maior credibilização junto da sociedade em geral.

SOLIDARIEDADE – Como surgiu o Projeto TFA - TheoFrameAccountability – Quadro teórico para a promoção da accountability (prestação de contas) no sector da economia social: o caso das IPSS?
AUGUSTA FERREIRA
– A iniciativa foi da Universidade de Aveiro, em particular do ISCA (Instituto Superior de Contabilidade e Administração), e nasceu no seio de um grupo de investigação que já trabalhava junto outras matérias e que se apercebeu que as IPSS passaram a ter a obrigação legal de publicação das suas contas num site. Quando nos apercebemos disso, fizemos um primeiro estudo, porque conhecíamos muito ao de leve o sector, porque achámos que era uma obrigação importante para as IPSS. A divulgação das contas daria um sinal de transparência e, de alguma forma, vinha também dignificar as instituições. No entanto, achámos os requisitos exagerados, porque elas não estariam ainda em condições de cumprir essa obrigação legal por força de não terem as condições tecnológicas para o fazer. Esse primeiro estudo mostrou-nos isso mesmo, ou seja, a maioria das instituições não tinha sequer um site! Pouco depois disso, abriu uma chamada de projetos da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e achámos que seria interessante desenvolver um projeto que, por um lado, permitisse às instituições terem essa ferramenta e, por outro, que fosse mais ambicioso e que, em simultâneo, fornecesse às próprias instituições um conjunto de indicadores que lhes permitisse mostrar a sua importância na sociedade. Muitos dos indicadores que conhecemos são focados em aspetos económicos e financeiros e há muito poucos que deem a conhecer os aspetos sociais do trabalho das instituições, as suas preocupações com a sustentabilidade, etc.

E como surge a CNIS na equação?
Bem, fomos amadurecendo a ideia e pensámos que não haveria um parceiro melhor para um projeto desta natureza do que a CNIS. Fizemos um primeiro contacto com a Confederação, que também gostou da ideia, e fomos à procura de outros colegas que também trabalham nesta área…

É quando entram o ISCA Porto e o ISCA Coimbra?
Exatamente. Colocadas estas instituições de acordo e com motivação, começámos logo a trabalhar.

E como é que de três entidades vocacionadas para a contabilidade e administração surge a vertente tecnológicas?
Este primeiro grupo que surgiu com a ideia, aqui no ISCA, é uma equipa multidisciplinar, que já trabalha junta há alguns anos. E é uma equipa, fundamentalmente, das áreas da contabilidade e da informática. Na equipa temos dois colegas que são da área da informática e quando o projeto foi aprovado contactámos também bolseiros dessa área que integraram a equipa.

Sendo um dos primeiros objetivos do projeto, e já concretizado, em que consiste a plataforma www.somosipss.pt?
A plataforma tem dois grandes objetivos. O primeiro está cumprido e está a ser colocado no terreno, estando agora as instituições a ser contactadas para que a experimentem. Neste momento, a plataforma serve para proporcionar às instituições a criação do seu próprio sítio na Internet. Temos já três instituições na plataforma, que foram as pioneiras e que estão a fazer esse teste. Cada uma, por si, conseguiu construir o seu site e publicar algumas notícias sem a nossa ajuda. Isto, para nós, é muito importante, porque é fundamental que as instituições o consigam fazer sem depender de terceiros. Esta primeira experiência, muito pequenina face à dimensão do universo de IPSS associadas da CNIS, foi importante para teste e para percebermos que a nossa intenção, ou seja, criar uma ferramenta simples e que cumprisse os objetivos, está a ser cumprida. Estão a ser contactadas outras instituições e temos tido boa recetividade. Acreditamos que vai continuar a correr bem. Em paralelo, construímos cinco tutoriais, já disponibilizados após registo na plataforma, e que poderão ser um auxílio para que as instituições possam criar os sites sozinhas. Gostava de salientar que essas três IPSS iniciais nem dos tutoriais precisaram.

Então, a plataforma inicialmente será um agregador de sites das IPSS, mas as especificidades permitirão fornecer uma série de indicadores para avaliação da atividade e do impacto das instituições?
A primeira fase da plataforma está construída, precisamente, para permitir que as instituições coloquem lá um conjunto de informações que achem relevantes, que vão desde a composição dos órgãos sociais aos serviços que prestam à sociedade, mas também um conjunto de funções que lhes permitam cumprir a legislação, ou seja, publicitação das contas e ainda a divulgação de notícias sobre a instituição, permitindo também fazer busca para encontrar outras instituições semelhantes. Depois, terá também, o que virá com a conclusão da segunda fase do projeto que ainda não está concluída, um espaço para colocar dados sobre a instituição, como, por exemplo, número de utentes satisfeitos por atividade. As instituições podem consultar os seus dados, mas também os de outras instituições registadas na plataforma. Estamos convencidos que isto pode potenciar o trabalho em rede entre as instituições.

Então, a plataforma não tem apenas aspetos contabilísticos?
Exato, a plataforma permite a divulgação dessa informação contabilística, mas, finda a segunda fase do projeto, com a disponibilização desse conjunto de indicadores, as instituições vão poder fazer essa comparação de dados por atividade e, na nossa opinião, isso permitirá ainda algo a nível global. Ou seja, nós vamos recolher e analisar dados para o conjunto das instituições que aderirem, a um nível mais macro, mas vamos igualmente fazer esse cálculo ao nível mais micro ou individual. É nessa comparação individual que consideramos que as instituições poderão ter muitas vantagens em aderir à plataforma, porque vai permitir-lhes compararem-se aos seus pares e observar quais as melhores medidas a tomar, potenciando a dinâmica de rede. Por outro lado, acreditamos que estes indicadores irão possibilitar algumas ferramentas ou, pelo menos, alertar para a existência de ferramentas que podem melhorar a gestão das instituições.

Para além da plataforma permitir a comparação entre as instituições, o grupo de trabalho vai continuar a acompanhar e a fazer estudos a partir dos dados registados?
O projeto tem uma duração limitada no âmbito do financiamento. No entanto, também percebemos que para as instituições a questão da continuidade é determinante. Portanto, estamos a pensar e, apesar de ainda não termos a solução para dar continuidade ao projeto, temos bastantes ideias. A nossa intenção é que o projeto possa continuar no sentido de que esse apoio possa continuar a ser dado, para que a recolha dos dados possa continuar a ser feita de forma sistemática ao longo do tempo e, naturalmente, assegurar a manutenção da plataforma para que as instituições possam continuar a dispor do seu site.

Um outro grande objetivo do Projeto TFA é a criação de um anuário financeiro?
Esse é o terceiro objetivo do projeto e daí também estarmos empenhados em continuá-lo. Agora, temos que encontrar a melhor forma de financiar a continuidade do projeto. Temos um centro de investigação e, do que conheço que é mais próximo do que é a ambição deste projeto, é o anuário financeiro dos municípios. É uma publicação que já tem umas 15 edições, que não é uma central de balanços, mas que permitiu resumir numa brochura um conjunto de indicadores importantes, no caso, sobre os municípios. O que vislumbrávamos fazer era uma coisa parecida para as IPSS, sendo que aqui a dimensão terá que ser também muito social. Ou seja, a preocupação com os números em termos financeiros é essencial, porque é cada vez mais claro que as instituições têm que ser sustentáveis, inclusive sob o ponto de vista da sustentabilidade financeira, porque o apoio que recebem do Estado não é suficiente para o serviço que prestam. Naturalmente terá essa componente económica e financeira, mas também terá uma vertente da sua contribuição social. Ou seja, aquilatar não só o retorno para a sociedade, mas também para a economia local e até noutras dimensões. Estamos a falar de um conjunto de indicadores que é muito transversal, para o emprego, economia local, sociedade, etc. E o objetivo do anuário é dar a conhecer o mais possível ao país o trabalho das IPSS e a sua contribuição.

Esse aspeto necessita de muito mais tempo?
Sem dúvida, mas vai ser também importante no sentido da credibilização das instituições junto da sociedade. Infelizmente, somos por vezes confrontados com opiniões pouco sustentadas, como a de que as instituições recebem muito dinheiro e depois não se sabe como o gastam, e depois lá vem a público mais um escândalo e a opinião pública volta a desconfiar do sector e o projeto também tem esse propósito de credibilização. E as instituições têm que perceber que para receberem essa credibilização tem que estar disponíveis para prestar essa informação, contabilística, económica e financeira, mas também sobre tudo o que lhe diz respeito em termos de atividade, para que a sociedade as possa conhecer melhor. A framework tem seis dimensões, que vão de aspetos da governação e gestão das instituições até dados que permitem avaliar a sua capacidade de adaptação às tecnologias, passando pela satisfação dos utentes ou dos trabalhadores.

A colaboração entre as diversas entidades do projeto é fundamental?
Naturalmente… E, sem desmerecer o papel de todos os outros, gostava de realçar o papel da CNIS. É, de facto, um parceiro muito importante, porque faz a ponte entre a equipa do projeto e as instituições no terreno. É um facilitador de muitos contactos e assim tenhamos um maior conhecimento do que é a realidade das IPSS no seu dia-a-dia.

Neste momento, quais são os passos que estão a ser desenvolvidos, concluída que está a primeira fase do projeto, com a criação do www.somosipss.pt?
A CNIS está empenhada em fazer a divulgação do projeto junto das suas associadas, nós temos o site onde vamos também fazer alguma divulgação e temos uma série de contactos a estabelecer, nomeadamente, junto das autarquias locais, que são um parceiro importante das IPSS. Vamos procurar fazer a divulgação para que as entidades adiram. Durante agosto será, provavelmente, um trabalho mais parado, por força da interrupção para férias. No entanto, gostava de salientar a importância de as instituições percebem a utilidade que a plataforma poderá ter no seu quotidiano. Gostava que as instituições nos vissem como um parceiro e um colaborador. E, por fim, gostava de apelar à participação nesta segunda fase, que é a de responder a um questionário para permitir o cálculo desses indicadores que serão, seguramente uma mais-valia. E que adiram à plataforma www.somosipss.pt.

PLATAFORMA JÁ DISPONÍVEL
A Plataforma «Somos IPSS» oferece às instituições associadas da CNIS, e outras entidades do sector social, a possibilidade de usufruírem de um website institucional, que lhes proporcione uma maior aproximação com a comunidade, divulgar as suas áreas de intervenção, bem como a partilha de outras informações que lhes permitam, por um lado, cumprir com as obrigações legais, e, por outro, disseminar as suas boas práticas e o seu impacto social.
Esta plataforma está enquadrada no «Projeto TFA - TheoFrameAccountability – Quadro teórico para a promoção da accountability (prestação de contas) no sector da economia social: o caso das IPSS», promovido pelo ISCA (Instituto Superior de Contabilidade e Administração), da Universidade de Aveiro, em parceria com a CNIS, o ISCAP (Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto) e o ISCAC (Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra), tendo como objetivos:
- Desenvolver uma plataforma tecnológica que permita às IPSS que não disponham de website a divulgação online da prestação de contas a que são obrigadas e de outra informação voluntária que cubra os aspetos sociais e económicos da sua atividade (www.somosipss.pt);
- Desenvolver uma estrutura de indicadores que permita à própria instituição, aos stakeholders e ao sector da economia social fazer uma avaliação da atividade das IPSS nas suas dimensões social, ambiental, financeira e económica;
- Dar início à elaboração de um anuário financeiro que permita fazer a avaliação do desempenho das IPSS.
Desenvolvida a plataforma tecnológica, é agora chegado o momento de adesão das instituições. Saiba mais sobre www.somosipss.pt AQUI.
Para mais informações contactar: p.tfa.geral@gmail.com.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2020-08-06



















editorial

VIVÊNCIAS DA SEXUALIDADE, AFETOS E RELAÇÕES DE INTIMIDADE (O caso das pessoas com deficiência apoiadas pelas IPSS)

Como todas as outras, a pessoa com deficiência deve poder aceder, querendo, a uma expressão e vivência da sexualidade que contribua para a sua saúde física e psicológica e para o seu sentido de realização pessoal. A CNIS...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Que as IPSS celebrem a sério o Natal
Já as avenidas e ruas das nossas cidades, vilas e aldeias se adornaram com lâmpadas de várias cores que desenham figuras alusivas à época natalícia, tornando as...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Adolf Ratzka, a poliomielite e a vida independente
Os mais novos não conhecerão, e por isso não temerão, a poliomelite, mas os da minha geração conhecem-na. Tivemos vizinhos, conhecidos e amigos que viveram toda a...