ESTADO DA EDUCAÇÃO 2018

A creche já é uma resposta social com intencionalidade educativa

No relatório «Estado da Educação 2018», publicado pelo Conselho Nacional de Educação, em finais de novembro, conclui-se que a rede de creches tem crescido positivamente, mas que ainda é bastante insuficiente, especialmente em zonas já identificadas. Por outro lado, as críticas à qualidade pedagógica não encaixam totalmente com a realidade. Neste âmbito, a CNIS tem desenvolvido trabalho, junto com a Academia, para colmatar a lacuna formativa, no sentido de tornar, cada vez mais, a creche “uma resposta social com intencionalidade educativa, planeada e avaliada”.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) divulgou na última semana de novembro o relatório «Estado da Educação 2018», um documento que colige dados sobre os diversos ciclos do sistema educativo, os aprecia e comenta e ainda contém recomendações.
Para o texto presente, e por ser a vertente mais significativa para as IPSS, apenas serão abordados alguns dos aspetos respeitantes à primeira infância e educação pré-escolar.
Um dos dados positivos que o relatório evidencia é o crescimento da resposta de creche (zero aos três anos), cuja taxa de cobertura se situava, em 2017, em 49,1%.
“A taxa de cobertura das respostas sociais para a primeira infância (amas e creches), no Continente regista um crescimento positivo entre 2008 e 2015, ano a partir do qual se observam quebras anuais”, pode ler-se no relatório, que revela ainda que “nas regiões autónomas este indicador apresenta um crescimento consistente, sendo de realçar os 56,8% alcançados em 2018”, na Madeira.
Comparativamente com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da União Europeia (UE23 países), Portugal apresenta uma taxa de cobertura da resposta social de creche (36,7%) ligeiramente superior às médias da OCDE (36,3%) e da UE23 (35,6%).
“Mas esse dado não nos alivia, nem nos consola, porque isso são médias”, começa por dizer Filomena Bordalo, assessora da CNIS, apontando que “há é défice de planeamento, porque, se calhar, para algumas regiões é o suficiente, mas para outras não é”.
Aquando da assinatura do Compromisso de Cooperação vigente, em julho passado, o primeiro-ministro António Costa anunciou a criação de sete mil lugares em creche, tendo referido que seriam direcionadas para “as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e para as zonas abaixo do indicador europeu de 30% cobertura”.
“Por isso, o novo PARES – Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais só abriu para creches, com o objetivo de aumentar a capacidade de resposta em creche e para os territórios em que há uma taxa de cobertura inferior a 33%. O próprio despacho define quais são os concelhos que estão abrangidos”, sublinha Filomena Bordalo, que ainda assim tem dúvidas: “Provavelmente, alguns concelhos que têm taxa inferior a 33%, comparativamente com outros em igual situação, não têm situações tão gritantes. Há concelhos que têm essa realidade, mas que, sabe-se, têm poucas crianças, o que muitas vezes não é comparável com as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e outros territórios”.
Segundo o relatório, “a Área Metropolitana de Lisboa permanece como a região do país onde se observam os valores mais baixos da taxa de pré-escolarização aos 3, 4 e 5 anos (70,7%, 85,0% e 89,2%)”.
Por isso, a assessora da CNIS defende que “tem de haver um planeamento mais fino, mais minucioso, o que habitualmente se chama de mapeamento, porque o problema são as médias”.
Até porque a realidade, segundo o relatório, demonstra que mais de metade dos bebés em Portugal não tem lugar em creche, independentemente da escolha dos pais.
Por outro lado, e por a resposta estar de fora do sistema educativo, o relatório critica a qualidade pedagógica em creche, sustentando-se em estudos sobre a qualidade dos serviços de educação e cuidados para crianças dos zero aos três anos que “apontam para níveis mínimos ou inadequados de qualidade na generalidade das instituições”.
Para Filomena Bordalo, “quando se fala em qualidade tem que se pensar que a qualidade não é um ponto de chegada, mas sempre um ponto de partida, porque ela é dinâmica, é constante, é melhoria contínua”.
E este é o pensamento que a CNIS tem seguido e tem passado às suas associadas.
“A preocupação e o esforço da CNIS tem sido no sentido da qualificação da resposta de creche, em vários domínios. Um é afirmar que a resposta social de creche é uma resposta social tanto de apoio à família como à criança no seu desenvolvimento”, sustenta, sublinhando: “A creche é uma resposta social com intencionalidade educativa, planeada e avaliada, e que não serve apenas para recolher meninos. A creche é para os proteger e os desenvolver nas suas capacidades e apoiar os pais no exercício das suas competências parentais”.
Nesse sentido, e colmatando uma lacuna evidente, a CNIS, em colaboração com outras entidades, especialmente da Academia, tem feito caminho na qualificação dos profissionais que trabalham em creche (educadores e auxiliares) e que se tem materializado na realização de formações e promoção de estudos e publicações.
“Ciente de que há lacunas na formação e no sentido de responder às preocupações que as instituições têm nesta linha, a CNIS, há uns anos, já estabeleceu um protocolo com as universidades de Aveiro e do Minho e ainda com a Associação Portuguesa de Educadores de Infância do qual resultou a publicação de trabalhos de professores desses estabelecimentos de ensino e ainda ações de esclarecimento e de formação para educadores de infância e pessoal auxiliar que trabalha em creche”, frisa Filomena Bordalo, que recorda ainda o projeto «Rosa dos Ventos» do qual saíram, “à semelhança do que existe de orientações curriculares para o pré-escolar, um conjunto de orientações pedagógicas para a creche”.
Com isso pretendeu-se “criar instrumentos de trabalho comuns às diferentes entidades que desenvolvem a creche a nível pedagógico”.
Para além deste aspeto, o relatório refere a alteração introduzida pela Portaria nº 2262/2011, de 31 de agosto, que aumentou o número de crianças permitidas por sala, como outro fator prejudicial à qualidade pedagógica.
“Penso que não é tanto a quantidade que interessa a quem fez o relatório, o que lhe interessa é fazer creches municipalizadas. Ou seja, a preocupação é com o serviço educativo, que as IPSS já desenvolvem e muito bem, mas que o estudo diz que não! Se assim fosse, por que razão as instituições tinham educadores de infância na creche?”, questiona Maria Conceição Marques, membro da Direção da CNIS com o pelouro da educação.
Outro aspeto referido no Estado da Educação 2018 é que “o número médio de horas semanais, que as crianças portuguesas com menos de três anos e com três anos ou mais passam em educação e cuidados para a primeira infância e educação pré-escolar (39,1 e 38,5 horas), é dos mais elevados de entre os países da UE28, cuja média semanal de permanência é de 27,4 e 29,5 horas, respetivamente”.
Sublinhando como positivos o alargamento e a flexibilidade de horários das creches, as autoras colocam algumas dúvidas sobre os benefícios para as crianças e famílias.
“Se por um lado esta flexibilidade permite às famílias uma melhor gestão dos compromissos profissionais e familiares, não deixa de ser preocupante este excessivo número de horas de frequência das crianças em creches. Mais de 50% das crianças frequentam 10 a 12 horas diárias (GEP-MTSSS, 2017) e Portugal é o segundo país da OCDE com mais horas de atendimento semanal (OCDE, 2018)”.
Esta uma questão que se prende com as dinâmicas laborais do País, bem diferentes das de outros países europeus, como também destaca o relatório. As IPSS fazem o seu trabalho que passa muito por adequar os horários às necessidades das famílias, pois recorde-se que a esmagadora maioria das creches existentes são de instituições sociais.
Para a dirigente da CNIS os dados revelados são, de certa forma, inevitáveis.
“A única recomendação que há para a existência de uma creche é do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e coloca-a sempre como vertente social, para que o bebé ali esteja enquanto os pais estão no trabalho. Ora, a criança tem que estar lá, pelo menos, nove horas, porque oito horas são as de trabalho dos pais, mais meia-hora para a frente e outra meia-hora para trás… são nove horas! O que está mal não são as IPSS terem creches, mas sim que as creches não estejam integradas no sistema educativo”, argumenta.
Por outro lado, é afirmado no relatório que o atual modelo de financiamento da primeira infância leva as IPSS a colocarem mais crianças por sala, até “acima do previsto na lei”, e a privilegiarem a as crianças de famílias mais favorecidas financeiramente.
“Essa acusação de que as IPSS favorecem a entrada de crianças oriundas de famílias com mais disponibilidade financeira, o que tem ‘levado a uma crescente desigualdade social’ é que está errada”, afirma Maria Conceição Marques, asseverando que tal “não corresponde à realidade e caso pontuais de instituições que o façam não pode rotular todas as outras”.
“Um estudo que a CNIS fez revelou que o custo médio real de utente/mês em creche, em 2017, era de 403,78 euros. Por seu turno, a Segurança Social comparticipou com 258,91 euros, ou seja 64%”, argumenta Filomena Bordalo, lembrando que, “se há entidades que são constantemente auditadas pela Segurança Social, são as IPSS, portanto, algo de errado há nesta conclusão retirada dos efeitos do atual modelo de financiamento”.
Para a assessora da CNIS, “se as instituições existissem apenas para os mais desfavorecidos, entre o que o utente paga e a comparticipação do Estado, as instituições estariam todas fechadas” e lembra ainda que, “até com os mais favorecidos economicamente, as IPSS têm limites para as mensalidades, que está situado no custo da instituição”.
No fundo o que está em causa é a sustentabilidade, algo que as autoras referem ser necessário apoiar, e que Filomena Bordalo explica de forma clara: “O desafio que as IPSS têm de enfrentar é o de conciliar a sustentabilidade social da sua missão e dos seus valores com a sustentabilidade financeira. Se não tiverem sustentabilidade financeira, não conseguem a social, mas também é verdade que se perdem a sustentabilidade social da missão e dos valores de nada serve ter sustentabilidade financeira. Este equilíbrio é que é o grande desafio”.
A isto Maria Conceição Marques acrescenta: “E para que isto aconteça é fundamental o Estado dar mais apoio em sede de cooperação”.
Até porque, como refere a assessora da CNIS, “não sendo o caso da creche, há respostas sociais altamente subfinanciadas”, porém, “a creche, na maioria das instituições, é uma resposta deficitária”.
Recorde-se que a capacidade de resposta nacional à primeira infância “assenta maioritariamente em creches sem fins lucrativos (75,1%) face a creches com fins lucrativos (24,9%) (MTSSS, 2017)”, lê-se no relatório.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2019-12-05



















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