FUNDAÇÃO AGA KHAN PORTUGAL, LISBOA

Criar e partilhar conhecimento em torno de problemas societais

Criada em 1967 pelo imam ismaili Aga Khan, chegou a Portugal em 1983 e adquiriu o estatuto de IPSS em 1996. A Fundação Aga Khan Portugal integra a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN), que reúne um conjunto de organizações, lucrativas e não lucrativas, com o objetivo de melhorar as condições e a qualidade de vida das populações mais vulneráveis. Apostando em áreas temáticas específicas, a instituição aposta forte na criação e partilha de conhecimento, focando a sua ação em questões societais.
Em Portugal, a Fundação Aga Khan trabalha na investigação-ação de áreas como o desenvolvimento da infância, educação, sociedade civil, inclusão económica e seniores.
Na generalidade das intervenções, “sempre em parceria”, como sublinha Karim Merali, CEO da instituição no nosso país, a Fundação não desenvolve respostas sociais típicas, exceção à gestão do Centro Infantil dos Olivais Sul, em Lisboa, que o Instituto da Segurança Social, em 2009, desafiou a assumir, e que promove as respostas de creche, pré-escolar.
Para os responsáveis da Fundação, este caso “tornou-se um laboratório vivo para partilhar conhecimento, inspirar outros e a partir do qual se desenvolvem programas que colocam em prática os princípios estudados.
A vertente do conhecimento é essencial para a Fundação Aga Khan, daí as suas intervenções serem sempre pensadas a médio-longo prazo.
“Somos muito focados e sabemos tirar as lições, por isso é que em cada intervenção nossa há uma grande componente da gestão do conhecimento, de forma a validar as respostas que podem ser desenvolvidas e replicadas, escaladas ou influenciar políticas públicas”, refere Karim Merali, explicando: “As nossas intervenções levam-nos sempre a olhar para desafios que a sociedade poderá estar a sentir ou a vir a enfrentar e que poderão causar grandes danos à sociedade no seu geral. Olhando dessa forma, e alguns são desafios societais, como a demografia e o envelhecimento, procuramos desenvolver, sempre em parceria, nunca sozinhos, respostas que possam vir a trazer benefícios para as comunidades e para a sociedade. Estes desafios não têm uma resposta tipo Nescafé, são desafios de longo prazo e há que fazer esse investimento”.
Nesse sentido, a ação da Fundação Aga Khan desenvolve-se por áreas temáticas, como acima referido.
Na área do Desenvolvimento da Infância o programa desenvolvido valoriza os primeiros anos de vida e coloca o foco na qualidade da aprendizagem, fortalecendo o desenvolvimento das crianças, famílias e dos profissionais. Neste campo, para além da gestão do Centro Infantil de Olivais Sul e do apoio a amas, a instituição promove ainda serviços integrados para a infância, programas de literacia familiar e de apoio à parentalidade, apostando ainda no desenvolvimento profissional contínuo.
Na vertente da Educação, o trabalho da Fundação aposta decisivamente na qualidade em educação, na educação jovem e adulta e no programa nacional de educação estética e artística e, ainda, na criação e desenvolvimento da rede e selo intercultural das escolas.
Na área da Sociedade Civil a ação da instituição procura a inclusão e o desenvolvimento sustentável das comunidades, algo também implícito na área da Inclusão Económica, pois esta procura criar redes de empregabilidade ou promover práticas inclusivas.
Por fim, na vertente dos mais velhos, o Programa Seniores procura, principalmente, a melhoria de vida dos idosos. AO prioridade é garantir o bem-estar dos mais velhos, através de densas redes de cuidados formais e informais, promovendo a sua participação e representação na sociedade e valorizando-os como recurso de conhecimento na comunidade. É neste âmbito que a Fundação Aga Khan tem uma parceria com o Patriarcado de Lisboa.
À partida poderia parecer estranho, mas não. É que sendo a Fundação Aga Khan uma instituição criada no seio da comunidade ismaili, um ramo do Islão representado pelo Rei Aga Khan, a sua associação com um organismo da Igreja Católica poderia parecer estranho.
“A parceria vai para além dos idosos e do envelhecimento”, começa por referir Karim Merali, acrescentando: “Esta parceria representa a importância de pormos em ação tudo aquilo que dialogamos sobre o que são os valores universais e transversais à sociedade. Este trabalho com o Patriarcado é o dar ação institucional àquilo que nos une. Penso que esta parceria vai muito mais além do trabalho em torno do envelhecimento, abrangendo esta dimensão que demonstra aquilo que são os valores universais, transversais a religiões, raças ou continentes”.
Sobre isto, o CEO da Fundação em Portugal recorda que a ação e o espírito da instituição se baseia naquilo que os islâmicos chamam de “consciência social do Islão, através da qual, ou das tradições abraâmicas, sendo mais abrangente, e que a Fundação ajuda, de uma forma institucional e pragmática, a traduzir”, ou seja: “A responsabilidade de todos nós, que temos condições mais favoráveis, de contribuir ou ajudar os que estão em estado de maior privação ou de desafios, de poder ajudá-los para que eles possam chegar a um nível que, os próprios, identifiquem como de qualidade de vida”.
Mas Karim Merali aprofunda ainda mais esta essência da Fundação: “Sabendo que há um princípio, comum e universal, que nos diz que a dignidade humana não é negociável. Nesse aspeto, é nossa responsabilidade contribuir para que essas pessoas e comunidades possam atingir um nível em que sejam autossuficientes, tenham conhecimento e sejam capazes de conduzir o seu processo sem serem reféns de ninguém. No fundo, todas as dimensões que as pessoas merecem e que contribuem para que a sociedade seja mais próspera, segura e inovativa”.
De inspiração religiosa, mas ação laica, a Fundação, segundo Karim Merali, nunca foi alvo de discriminação por inspirar a sua ação no Islão.
“No global, nunca senti qualquer discriminação, até porque na sociedade portuguesa as comunidades não impõem logo a barreira religiosa”, defende, contando a única situação em que houve alguma desconfiança inicial: “Diretamente com os beneficiários nunca tivemos problemas de discriminação, com uma única exceção, mas que compreendemos perfeitamente. Foi quando assumimos o Centro Infantil dos Olivais Sul. O processo de transferência de gestão decorreu num espaço temporal mínimo, não foi bem comunicado e os pais sentiram alguma desconfiança com o que se estava a passar e não sabiam quem nós éramos. Começaram por questionar o facto de sermos muçulmanos, sendo que isto aconteceu no pico dos acontecimentos envolvendo muçulmanos e que a Imprensa noticiava diariamente. Não disseram que não queriam, mas houve um questionamento. Mas com um par de reuniões a questão foi ultrapassada e, diga-se, o Instituto da Segurança Social esteve sempre connosco neste esclarecimento, o que deu grande conforto aos pais que foram apanhados numa situação inesperada. De resto, não sinto qualquer discriminação, antes pelo contrário, pois temos o protocolo com o Patriarcado de Lisboa, com quem trabalhamos muito bem em diversas frentes”.
E este sentimento estende-se tanto ao Estado como às outras IPSS.
“Se falarmos em termos de entidades públicas e do Estado, não sentimos qualquer discriminação. Conhecem-nos, quando não nos conhecem tentam-nos perceber, sabem que somos uma instituição internacional que opera em diversos países, especialmente na Ásia e em África, e que trazemos a tal experiência e conhecimento de ajudar no desenvolvimento. Dos pares também não. Poderá, uma ou outra vez, acontecer tentarem perceber melhor quem é que nós somos. E isto porque os tempos atuais não ajudam muito quando se fala que é uma instituição muçulmana. Pode haver não uma desconfiança, mas uma maior curiosidade em perceber-nos melhor”.
Para além disso, com base em alguns levantamentos que a instituição fez recentemente, “quando se fala da Fundação Aga Khan a reação é sempre muito positiva, por vezes não sabem o que faz, mas o sentimento é bom”, e Karim Merali lembra ainda que “Sua Alteza nas últimas visitas que tem feito a Portugal tem agradecido e enaltecido a forma como o Estado e os portugueses têm recebido a Fundação”.
É conhecida a boa saúde financeira da Fundação Aga Khan, mas isso tem uma explicação, segundo o CEO ~da instituição em Portugal.
“Como somos muito criteriosos naquilo que achamos que podemos acrescentar valor, não vamos a todas porque achamos que já há quem faça muito bem, vamos procurando onde podemos fazer a diferença e dedicamo-nos a essas áreas. Com pensamento de longo prazo e sabendo que os nossos recursos são capazes de alimentar, temos sido capazes de mobilizar em torno disso e de dar essa resposta”, revela, acrescentando: “E quando o fazemos sabemos o caminho que temos a percorrer. Nesse sentido não entramos em grandes aventuras que nos possam trazer dissabores. Não procuramos financiamento para isto ou para aquilo, focamo-nos nos desafios societais, como o do envelhecimento ou, como no início do século, o da globalização e quais impactos que iria trazer, e desenvolvemo-los. Com esta forma de pensar não entramos em grandes aventuras e depois somos muito criteriosos na gestão dos financiamentos que nos vão chegando. Sabemos que os recursos próprios conseguimos fazer X e desenvolver essa resposta, se houver mais podemos alargar e multiplicar e assim vamos desenvolvendo o nosso trabalho. Normalmente, a saúde financeira da instituição tem esta preocupação de olhar a médio-longo prazo, por isso os nossos orçamentos são trabalhados a 10 anos”.
Segundo Karim Merali a sustentabilidade é um conceito fundamental que deve ser posto em prática não apenas na vertente financeira.
“Quando olhamos para os nossos projetos, para a nossa intervenção no global, a sustentabilidade é claramente uma palavra-chave, mas a sustentabilidade não é só financeira, esta é apenas uma das componentes. Há toda uma sustentabilidade intelectual, que é fundamental, de justiça, de independência. Todas estas dimensão são fundamentais, se aquilo que for desenvolvido é capaz de ser”, argumenta, prosseguindo: “Por isso é que a Fundação trabalha sempre com as comunidades, sempre em parceria, sempre a co construir. Pensando sempre também na sustentabilidade dessas comunidades e dessas pessoas, porque chegados ao fim do dia elas têm que dizer que foram elas próprias que conseguiram, não foi a Fundação. As comunidades são donas do seu processo. E o que a experiência nos tem dado ao longo da vida é que sempre que conseguimos acreditar na solução que as pessoas nos trazem, estas normalmente dão certo, se lhe acrescentarmos algumas dimensões, sempre partindo do que nos dizem, porque as pessoas e as comunidades sabem o que querem para si”.

Pedro Vasco Oliveira (texto)

 

Data de introdução: 2019-05-09



















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