Silva Peneda foi secretário de Estado por diversas ocasiões e ministro do Emprego e Segurança Social durante seis anos. Mais recentemente, foi presidente do Conselho Económico e Social (CES) e, em 2015, assumiu as funções de assessor do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
Licenciado em Economia pela Universidade do Porto é, aos 68 anos, presidente do Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Solidariedade - Para quando a apresentação formal das medidas do Movimento pelo Interior?
Silva Peneda - O Movimento pelo Interior nasceu depois das desgraças dos incêndios que aconteceram ao nosso país. Os presidentes de câmara da Guarda e Vila Real e eu próprio, decidimos que era altura de fazer qualquer coisa. Algo que fosse reflexo de uma atitude cívica de um conjunto de cidadãos. O Movimento não tem estatutos, não tem direção, não tem presidente, não tem nada... e até tem um limite de vida fixo. Quando forem apresentadas as medidas acaba. Contamos que em maio/junho, estará terminada a nossa função. Falámos com o Presidente da República e com o Primeiro-ministro. O chefe de Estado que patrocina esta iniciativa ficou muito entusiasmado, bem como o chefe de governo. E ambos pediram celeridade para que o orçamento de 2019 já possa inserir sinais claros relativamente a estas questões.
O fim da dicotomia entre o litoral e o interior...
Nós entendemos que o país, há séculos, tem sofrido de uma tendência perniciosa: o litoral a crescer em termos de ocupação de território e população e o interior a perder. E, sem querer responsabilizar ninguém, o certo é que todos os governos falaram na necessidade de equilibrar o território, mas os resultados nunca apareceram. O que nos leva a crer que isto só vai lá com medidas muito radicais... Não muitas, porque quando são muitas elas perdem impacto, e apenas em três áreas fundamentais: a área fiscal, fundamental para criar emprego e empresas nas zonas do interior; a componente do sistema educativo, uma vez que temos universidades com qualidade no interior que podem ter muitos mais alunos - e recentemente já houve uma medida nesse sentido, com o anúncio pelo ministro da Educação de apertar os numerus clausus no Porto e em Lisboa -; e a terceira componente, em meu entender decisiva, que tem que ver com a ocupação no território dos serviços dos Estado. Numa época com tantas autoestradas, numa época que a comunicação é quase instantânea, não faz sentido que todos os serviços da administração pública estejam localizados em Lisboa. Não faz sentido nenhum. O presidente da câmara de Vila Real costuma dar o exemplo da GNR. É uma força de segurança que deve tratar das zonas rurais, então que sentido faz ter o comando geral em Lisboa? E o instituto da Vinha e do Vinho, a Agência do Ambiente, enfim, há tantos exemplos... direções-gerais, institutos públicos, o INE, tanta coisa que poderia sair de Lisboa e ser transferida para cidades do interior. É evidente que não pode ser feito em cima do joelho, como parece ser o caso do Infarmed. São opções políticas que custam dinheiro, que exigem planificação, mas iam provocar uma animação económica, social, cultural nas cidades do interior.
É isso, então que estão a preparar...
Nós entendemos que para preparar estas medidas teriam que ser pessoas com grande capacidade técnica e prestígio. Por isso convidámos o Dr. Miguel Cadilhe, responsável pela área da reforma fiscal. O Dr. Jorge Coelho ficou com a área da organização do Estado e no sistema educativo o Dr. Pedro Lourtie, que já foi governante nesta área e é meu colega no Conselho Geral da UTAD. E depois há uma série de pessoas de prestígio e empresários que se reúnem regularmente. Fizem
os uma grande conferência em Bragança. As próximas serão na Covilhã, em Portalegre, Beja, e Faro e o Movimento fará a apresentação formal numa conferência em Lisboa, em data a acertar com o Presidente da República e o Primeiro-ministro, altura em que entregaremos o nosso trabalho.
Alguns dados estão já adiantados. Miguel Cadilhe já disse o que tem para apresentar...
Ainda não nos debruçámos sobre a proposta, mas é conhecida. É arrojada e corresponde à ideia inicial do radicalismo. A mais polémica vai ser na parte do investimento estrangeiro. Cadilhe defende que nos contratos com os grandes investimentos, superiores a 25 milhões de euros, haja uma exclusividade para o interior. Vai ser polémico. As pessoas não conhecem o país. A qualidade de vida nas cidades do interior melhorou incrivelmente. Nos últimos 40 anos os autarcas fizeram um trabalho notável.
O grande investimento não percebeu isso ou continua a não haver condições no interior?
É uma pescadinha de rabo-na-boca. Em termos de decisão política nem sequer se pensa nessa hipótese. Estamos a prejudicar o país de duas maneiras. O aglomerar no litoral é um desperdício cada vez maior. Não há infra estruturas que cheguem e não se desenvolve o interior. Nós deveríamos parar para pensar, como os irlandeses fizeram, e perguntar: o que é que queremos que o nosso país seja em 2040? Se nada fizermos vai aumentar o fluxo rumo ao litoral e a desertificação do interior com as consequências conhecidas. É preciso sonhar que daqui a 20 anos Portugal será um país mais equilibrado. Terá cidades médias com pujança, com iniciativa, com empresas, com emprego de qualidade e o litoral mais gerível, com Áreas Metropolitanas de menos densidade, mais equilíbrio e qualidade a t
odos os níveis. Tem que haver um conjunto de políticas com o horizonte de médio prazo. No Movimento dizemos que, no mínimo, são precisas três legislaturas. As medidas que vamos propor precisam de estabilidade no tempo.
No nosso país as medidas são pensadas, no máximo, a quatro anos?
É preciso pensar o país. Definir uma estratégia e instrumentos de política para a seguir. Pensar o país a 20 anos. Tem que haver um grande consenso político. Tem que haver um conjunto de linhas orientadoras para que não varie conforme a conjuntura momentânea. Não será difícil conseguir um grande consenso para que o país caminhe no mesmo sentido. Por isso, preocupámo-nos em falar com o Presidente da República, Primeiro-ministro, parceiros sociais... As pessoas reagem positivamente, mas quando chega à altura de fazer... as coisas complicam-se.
Nesse sentido, acha que a eleição de Rui Rio para líder do PSD pode facilitar o consenso político?
Julgo que sim. Eu fui um dos seus apoiantes. A personalidade de Rui Rio é diferente da personalidade do líder anterior. Passos Coelho vinha de uma crispação forte porque ganhou as eleições e não conseguiu continuar a ser Primeiro-ministro. Teve um comportamento muito azedo que não facilitava o diálogo. Com Rui Rio espero bem que seja diferente. E não falo de coligações governamentais. É só que todos os partidos se comprometam na mesma direção. O facto de Rio ter ao seu lado Álvaro Amaro, autarca da Guarda, para as questões da descentralização é um excelente sinal. Ele é um dos elementos mais dinâmicos deste Movimento pelo Interior.
Porque é que o Movimento pelo Interior defende a descentralização e não a regionalização?
Como se sabe, eu sou um defensor da regionalização. Do ponto de vista político, essa é outra guerra, muito importante. Não fazia sentido para este Movimento. Estamos a falar de desconcentração e não da transferência de poder do Estado para órgãos regionais. Trata-se de transferir serviços. O Estado continua a comandá-los. A regionalização não tem um impacto direto. As medidas que vamos propor têm que ter uma influência imediata. E, além disso, é um tema polémico, de fratura, que poderia criar clivagens. Não é isso que queremos.
Está convencido que as medidas a propor pelo Movimento serão bem acolhidas pelo poder?
Nós vamos apresentar as coisas fundamentadas, em condições de serem implementadas. Mas, não somos ingénuos. Há muita gente que não vai gostar disto. Quem está instalado em Lisboa não vai achar piada nenhuma a estas investidas porque as pessoas pensam muito no curto prazo e no imediatismo e na sua carreira pessoal. Se forem capazes de pensar a longo prazo julgo que vão acolher bem esta iniciativa. Às vezes, Portugal faz-me lembrar alguns países do terceiro mundo com grandes metrópoles, onde está tudo concentrado, e à volta é tudo deserto. Portugal, se nada for feito, arrisca-se a ser, na sua geografia e na sua paisagem, como esses países do terceiro mundo. As medidas, apesar de radicais, vão ser o mais consensuais quanto possível. Esperamos que o poder também seja radical na sua aplicação para que tenham impacto.
O sector social solidário não mereceu a atenção neste Movimento...
O sector solidário tem segurado tudo isto. Se as IPSS e as Misericórdias não existissem já não tínhamos interior. São muitas vezes os maiores empregadores. Além dos serviços que prestam que é de inegável valia, nos apoios sociais, têm uma componente económica relevante. Nesta tragédia dos incêndios fizeram um trabalho notável de ajuda e recuperação, elogiado por toda a gente. As instituições sociais estão perto, ao contrário dos serviços da Segurança Social que estão em Lisboa. Os dirigentes das IPSS conhecem as pessoas pelo nome e sabem das suas necessidades concretas. Eu costumo dizer que a solidariedade exige olhos nos olhos. A proximidade é fundamental. Cada problema é diferente e as soluções são diferentes. As IPSS traduzem o padrão cultural próprio de cada terra, de cada região. Uniformizar isto é um erro. Castra a capacidade imaginativa das pessoas na resolução de problemas. A inovação social resulta da necessidade de encontrar soluções.
Nas políticas de cooperação faz sentido pensar-se na diferença entre o litoral e o interior?
Não é tão determinante. A Segurança Social tem padrões comuns nacionais, as pensões por exemplo, e julgo que faz sentido. O Estado, não os governos, mas os serviços da administração pública, muitas vezes querem afirmar o seu próprio poder. Sei do que falo, porque fui ministro durante seis anos. Os serviços precisam de mostrar aos dirigentes das IPSS quem manda verdadeiramente. Eu acho que há exageros. Não há necessidade de haver formas de atuação distintas, mas deve dar-se espaço às instituições para que atuem de acordo com o território a que pertencem. Devem ser acompanhadas pelo Estado, deve haver fiscalização, transferência de conhecimento, mas não me parece que seja preciso pensar-se na dicotomia litoral/interior.
Como tem acompanhado estas denúncias de casos de má gestão nas IPSS?
Sempre aconteceram situações destas. Agora há mais visibilidade. Temos que ser razoáveis. Estamos a falar de um universo de muitos milhares de instituições e aparecem três ou quatro casos em que há suspeitas na gestão. É exceção que confirma a regra. A maior parte destas instituições tem tantas dificuldades, com orçamentos tão exíguos, que não há espaço para pensar em fraudes e aproveitamentos. Há algumas instituições que atingiram determinada dimensão e têm dirigentes que nunca o deveriam ter sido. A justiça tem que funcionar. Está a funcionar, pelo que parece. Receio apenas que passe a ideia de que as instituições são todas iguais e que os dirigentes são uma cambada de vigaristas. Só quem nada sabe sobre o setor pode pensar assim... Eu conheço bem a realidade das IPSS.
O que faz um assessor do Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker?
De vez em quando tenho uns jantares temáticos com ele, sem papéis, só conversa. Com o comissário Carlos Moedas também tenho trabalhado muito bem, ajudei a organizar uma grande conferência sobre inovação social, na Fundação Calouste Gulbenkian, que juntou mais de mil participantes, sou presidente do Conselho Geral da UTAD, o que me tem desafiado bastante, estou como presidente da Mesa da Assembleia Geral da União das Misericórdias e tenho este desafio do Movimento pelo Interior. Ando muito entretido...
Texto e fotos: V. M Pinto
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