JOSÉ FIGUEIREDO

Felicidade Interna Bruta: Estamos Preparados?

Não deixa de ser curioso que a macroeconomia, uma ciência que foi inventada há menos de um século, já tenha criado uma certa dogmática a qual, também curiosamente, afecta mais o vulgo que propriamente os seus “cientistas”.

Por exemplo, actualmente todos falamos - economistas, jornalistas, curiosos e público em geral – com a maior naturalidade, do Produto Interno Bruto.

Que mal tem isso? Nenhum, pelo contrário. O problema é que por vezes se fala do PIB como se fosse algo de muito objectivo, muito preciso, como o peso de um saco de batatas ou a temperatura do ar.

Na verdade, aquilo a que chamamos PIB é apenas uma mera estimativa, obtida por métodos estatísticos e com elevado grau de incerteza.

Que o grau de incerteza é elevado confirmam-no as revisões constantes a que o PIB está sujeito.

Há poucos dias, o departamento de estatísticas oficiais Japonesas, que tinha anunciado há um par de semanas uma recessão no terceiro trimestre deste ano, corrigiu a estimativa para uma expansão a uma taxa anualizada de 1%. Não morram de espanto se, um dia destes, uma nova revisão atirar a economia de novo para recessão.

Já governos caíram porque se pensava que a economia estava em recessão quando estava, de facto, a expandir-se, como oposições já perderam eleições porque se pensava que a economia estava em bom estado, favorecendo a imagem do governo incumbente, quando, de facto, estava, em contracção.

Mas as fragilidades do PIB, para além das inconsistências da medição, podem ser encontradas a um nível mais profundo.

Se eu tiver um acidente com o meu carro não é provável que a sociedade fique necessariamente melhor. Contudo, o PIB aumenta face ao cenário de não acidente – o valor da reparação acresce ao volume de “riqueza” criada.

Admito que o meu divórcio tenha deixado a sociedade mais ou menos na mesma, contudo, o PIB aumentou porque o meu advogado me extorquiu uma soma considerável.

Acaso ocorra a mais bela experiência espiritual ou a mais intensa relação afectiva da minha vida, o PIB continuará quieto como uma pedra.

De alguma forma podemos defender que o PIB sempre servirá para alguma coisa. Tudo o resto igual, com um PIB um pouco maior, devemos ficar um pouco melhor, digamos um pouco mais felizes colectivamente. Mas não é necessariamente assim, como podemos ver numa experiência ao nível individual. Se eu comer uma francesinha - que até me apetecia - devo ficar melhor pelo menos relativamente ao estado de “não comer”. No entanto, nada garante que não sobrevenha um sentimento de culpa – lá se vai o colesterol, as minhas análises vão ficar terríveis, o meu médico vai moer-me o juízo, etc.

Ou seja, nada garante que ter mais coisas (apenas) nos faça necessariamente mais felizes.

Por isso começamos, economistas e não só, a falar cada vez mais da Felicidade Interna Bruta (FIB), como alternativa ao PIB.

Diria que há dois níveis de profundidade na abertura a este tema da FIB.

Um primeiro nível consiste em utilizar alguns indicadores que, não reflectindo necessariamente volume de PIB, podem ser importantes para medir (ou intuir) níveis de felicidade geral.

O PIB per capita da França é um pedaço menor que o dos Estados Unidos, cerca de 22% inferior.

Contudo, não é seguro que o nível médio de bem-estar em França seja inferior ao dos Estados Unidos.

Em França gastam-se 11,7% do PIB em custos com a saúde contra 17,1% nos Estados Unidos. Gastando muito menos a França tem o melhor serviço de saúde pública do mundo, com uma cobertura teoricamente de 100% da população, enquanto os Estados Unidos, gastando muito mais, tem um nível qualitativo muito inferior e, mesmo com os progressos recentes, ainda tem cerca de 10% da população que não está protegida por sistemas de saúde eficazes.

A mesma avaliação pode ser feita ao nível dos sistemas de educação - nomeadamente, a pré-escolar -, no acesso à justiça, etc.

Não é por acaso que a primeira tentativa (que eu conheça) de medir a FIB, apoiada e promovida pelo poder político, ocorreu justamente em França no tempo de Nicholas Sarkozy. Para o efeito Sarkozy reuniu uma equipa de notáveis que, entre vários prémios Nobel da economia, incluía Joseph Stiglitz.

É claro que, na altura, Sarkozy foi acusado de tentar esconder a má performance económica da França atrás do manto obscuro de medidas genéricas de bem-estar como a FIB.

Talvez até seja verdade que existia uma agenda política escondida de Sarkozy neste tema, contudo, não posso deixar de elogiar a iniciativa e lamentar que tenha, entretanto, sido esquecida.

Mas há um nível mais profundo no qual podemos pensar o tema da felicidade geral.

A felicidade, considerada no plano individual, é um conceito complexo e fugidio. Não é por acaso que raramente a ciência (também a económica) se ocupa da felicidade – à cautela preferimos falar de coisas menos fugidias (?) como “nível geral de bem-estar”.

Para falar de felicidade, mesmo os filósofos não estão totalmente à vontade. Frederic Lenoir, um filósofo francês, que publicou recentemente um livro com uma abordagem filosófica da felicidade confessa que vacilou durante anos antes de acabar e publicar o livro o qual, ainda assim, está longe de ser um calhamaço – duzentas páginas de formato de bolso.

O que nos faz realmente felizes? As coisas agradáveis, talvez. Mas isso pode acontecer apenas no curto prazo. Comer a francesinha pode fazer-me mais feliz agora, contudo, o remorso superveniente pode tornar-me mais sombrio. Ao contrário uma experiência dolorosa, por exemplo um grande esforço para executar uma tarefa agora, pode dar-me níveis de satisfação elevados mais à frente. Ou seja, não podemos ignorar o factor tempo. A felicidade forçosamente envolve não só um conjunto complexo de sensações/emoções (globalidade) como, por outro lado, envolve o factor tempo (duração).

Podemos construir indicadores fiáveis e objectivos para o nível da saúde física de um povo (mortalidade geral, mortalidade infantil, esperança de vida, prevalência de doenças, etc.).

Infelizmente estes indicadores não estão disponíveis para a felicidade – não existem ainda termómetros para tal.

Na verdade a única forma de medir a felicidade é perguntar às pessoas como se sentem. Por exemplo, perguntar, numa escala de 1 a 10, quanto feliz se sente determinada pessoa.

Mas mesmo isto é muito falível. Os seres humanos sofrem de adaptação hedonística. Acontecimentos traumáticos (ou o oposto), como um divórcio ou ganhar a lotaria, provocam alterações no nosso estado percebido de satisfação. Os efeitos desses acontecimentos podem ser duráveis. Se me perguntarem algum tempo depois qual o meu estado de satisfação posso responder 6 numa escala de 1 a 10. Contudo, nada garante que esse 6 represente o mesmo nível geral de satisfação que me teria atribuído a mim próprio antes do choque traumático.

Se a adaptação hedonística é verdadeira então deveremos observar uma baixa correlação entre os níveis auto-reportados de satisfação e os comportamentos emocionais.

Parece haver uma trágica evidência empírica deste caso. O suicídio é talvez a manifestação mais evidente de um estado profundamente infeliz. Contudo não se observa uma grande correlação entre os níveis auto-reportados de satisfação e as taxas de suicídio.

Tentando concluir, diria que devemos cada vez mais aproximar-nos do conceito de felicidade e menos de medidas como o PIB. Contudo, realisticamente, o dia em que o PIB e outros agregados macroeconómicos serão obsoletos e substituídos por medidas fiáveis de felicidade geral ainda está longe.

 

Data de introdução: 2016-03-10



















editorial

O COMPROMISSO DE COOPERAÇÃO: SAÚDE

De acordo com o previsto no Compromisso de Cooperação para o Setor Social e Solidário, o Ministério da Saúde “garante que os profissionais de saúde dos agrupamentos de centros de saúde asseguram a...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Imigração e desenvolvimento
As migrações não são um fenómeno novo na história global, assim como na do nosso país, desde os seus primórdios. Nem sequer se trata de uma realidade...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Portugal está sem Estratégia para a Integração da Comunidade Cigana
No mês de junho Portugal foi visitado por uma delegação da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa, que se debruçou, sobre a...