EDITORIAL

Contra o desperdício alimentar


1. Com a intenção de que sejam tomadas decisões importantes na resolução do problema do desperdício alimentar que existe na Europa, o Parlamento Europeu declarou 2014 como o "Ano Europeu contra o Desperdício Alimentar".
Segundo um estudo publicado pela Comissão Europeia, antes da entrada da Croácia na EU, a produção anual de resíduos alimentares nos 27 Estados-Membros rondava os 89 milhões de toneladas, podendo mesmo chegar aos 126 milhões de toneladas em 2020, caso não sejam tomadas medidas urgentes. Ainda, em Portugal, e de acordo com dados de 2012, cerca de um milhão de toneladas de alimentos por ano, cerca de 17% do que é produzido, vai para o lixo.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que o desperdício alimentar nos países industrializados ascende a 1,3 mil milhões de toneladas. Um terço dos alimentos produzidos “desaparece” ou vai para o lixo!.
Na Europa, o desperdício de produtos hortofrutícolas próprios para consumo ronda os 30%. Certamente também porque muitas vezes, a pretexto da segurança alimentar que urge garantir, a legislação rende-se a uma espiral de exigências sucessivas que quase ninguém sabe a quem interessam mas que, parecendo preferenciar o aspecto do que se produz ao humano a quem se destinam, muito provavelmente servirão alguns interesses. Simultaneamente, parece ser ignorada a degradação de muitos humanos a quem não chega aquilo que foi produzido para os humanos e que seria essencial para uma vida com dignidade.
Trata-se de um problema de consequência grave no âmbito ético-social e não menos grave no âmbito ambiental e económico – a produção destes alimentos envolve gastos em terrenos, energia e água, recursos humanos, etc.


2. Segundo José Graziano da Silva, diretor-geral da FAO, "cada um de nós tem um papel a cumprir. A começar com o ridículo fenómeno, nos países ricos, de não comprar vegetais imperfeitos… e o excesso de zelo na observação dos prazos de validade também contribui para o desperdício de grandes quantidades de alimentos."
Um dado curioso é o de que os países ricos desperdiçam na fase do consumo, enquanto os países em desenvolvimento desperdiçam durante a produção, pelo que no caso dos primeiros, onde Portugal se inclui, o principal comportamento de mudança está nas mãos dos consumidores.
No entanto, a sociedade, as empresas e o sector solidário vão encontrado soluções para reduzir este desperdício aliando à cadeia de produção, inclusivamente, soluções inovadoras, como, por exemplo, convertendo aquilo que pelo seu aspecto seria rejeitado em produtos saudáveis e atractivos ou contribuindo para a desmistificação da equação do bom aspecto a igualdade de boa qualidade.
A valorização dos resíduos orgânicos em casa, através da compostagem, o cultivo doméstico de alimentos, a procura de uma alimentação saudável e sustentável, a promoção do consumo responsável ou até mesmo criatividade na alimentação são contributos para o combate ao desperdício alimentar. E há Instituições de Solidariedade que já estão a percorrer tais vias.
A problemática do desperdício deve ser encarada pelos impactos económicos, pois todos os anos a produção destes alimentos que acabam no lixo exerce pressões enormes em recursos naturais como a água, o solo, ou no consumo de energia, na manutenção da biodiversidade ou na qualidade do ar. Mas, fundamentalmente, deve ser encarada pelos seus impactos sociais: 925 milhões de pessoas no mundo estão em risco de subnutrição, flagelo que seria vencido com a adopção de medidas eficazes contra o desperdício.


3. O sector produtivo primário, o sector agrícola, tem a vocação vital de cultivar e guardar os recursos naturais para alimentar a humanidade. A persistente vergonha da fome no mundo deve fazer pensar sobre o modo como usamos os recursos da terra.
Como refere o papa Francisco na sua mensagem para o dia mundial da paz (1 de Janeiro de 2014) "as sociedades actuais devem reflectir sobre a hierarquia das prioridades no destino da produção". De facto, "é um dever impelente que se utilizem de tal modo os recursos da terra, que todos se vejam livres da fome". As iniciativas e as soluções possíveis são muitas, e não se limitam ao aumento da produção. É mais que sabido que a produção actual é suficiente, e todavia há milhões de pessoas que sofrem e morrem de fome, o que constitui um verdadeiro escândalo. Por isso, "é necessário encontrar o modo para que todos possam beneficiar dos frutos da terra, não só para evitar que se alargue o fosso entre aqueles que têm mais e os que devem contentar-se com as migalhas", mas também e sobretudo por uma exigência de justiça e equidade e de respeito por cada ser humano. "A família humana recebeu, do Criador, um dom em comum: a natureza. A visão cristã da criação apresenta um juízo positivo sobre a licitude das intervenções na natureza para dela tirar benefício, contanto que se actue responsavelmente, isto é, reconhecendo aquela «gramática» que está inscrita nela e utilizando, com sabedoria, os recursos para proveito de todos, respeitando a beleza, a finalidade e a utilidade dos diferentes seres vivos e a sua função no ecossistema".
Em suma, a natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a administrá-la responsavelmente. Em vez disso, "muitas vezes deixamo-nos guiar pela ganância, pela soberba de dominar, possuir, manipular, desfrutar; não guardamos a natureza, não a respeitamos, nem a consideramos como um dom gratuito de que devemos cuidar e colocar ao serviço dos irmãos, incluindo as gerações futuras".
Fiscalizar para prevenir o oportunismo e a especulação é uma das obrigações do Estado de Direito; garantir o destino universal dos bens para que tudo quanto seja produzido esteja ao serviço de cada um e de todos é uma das funções do Estado Social.

Lino Maia, presidente da CNIS

 

Data de introdução: 2014-01-09



















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