OPINIÃO

A restauração da Independência


1 - Escrevo a crónica hoje, 1 de Dezembro, em homenagem aos “quarenta e pouco mais” – D. Antão de Almada, João Pinto Ribeiro e outros … - que, no 1º de Dezembro de 1640, tomaram o Paço da Ribeira, no Terreiro do Paço, em Lisboa, expulsaram a Regente, Duquesa de Mântua e atiraram pela janela Miguel de Vasconcelos, seu Secretário de Estado, fidalgo português traidor que se bandeara para o lado dos usurpadores espanhóis – na época, Filipe III de Portugal, ou Filipe IV de Espanha, que, com seu pai, Filipe II, e seu avô, Filipe I, constituem a Terceira Dinastia que reinou em Portugal.
Foram esses cerca de 40 fidalgos portugueses que, com o subsequente apoio popular, restauraram a independência de Portugal, após 60 anos de domínio filipino – de domínio espanhol, portanto -, colocando no trono D. João, duque de Bragança, que reinou sob o nome de D. João IV.
A Iª República, em 1910, instituiu a comemoração do 1º de Dezembro de 1640 como feriado obrigatório, para festejar a “Restauração da Independência”, festejo que a IIIª República, sob a qual vivemos, resolveu abolir, por respeito à competitividade e por desrespeito à História de Portugal.
Recordando, em breve resumo: após a morte de D. Sebastião, na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, e não tendo o Rei filhos, foi designado seu sucessor, como Rei de Portugal, o seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique, irmão de D. João III.
Este D. Henrique morreu em 1580, sem filhos legítimos e sem designar sucessor, pelo que os exércitos do Rei de Espanha, Filipe II, neto do nosso Rei D. Manuel I e candidato ao trono português, em combinação com o apoio dado a esse candidato espanhol por uma boa parte da fidalguia do nosso País, o impuseram como rei de Portugal.
(Foi também nesse mesmo ano de 1580 que morreu Luís de Camões – e por essa coincidência se lhe atribuem as célebres palavras com que se teria despedido desta vida: “Morro, mas morro com a Pátria.”)
Em bom rigor jurídico, durante os 60 anos de reinado dos três Filipes em Portugal, o nosso País não perdeu formalmente a sua independência.
Quer Espanha, quer Portugal, continuaram como reinos separados, embora sob o domínio do mesmo rei – chamando-se, por isso, o referido período da nossa História, de União Real.
Eram reinos formalmente autónomos e independentes – mas Portugal só mesmo formalmente o era.
Na verdade, sendo Filipe I Rei de Espanha, antes de ser Rei de Portugal, e sendo a força e importância global da Espanha muito superior à de Portugal e os respectivos interesses divergentes – como ainda hoje sucede -, era forçoso que o Rei Filipe colocasse em primeira linha os interesses do Reino de Espanha, subordinando a esses interesses prioritários as suas opções no que tocava ao exercício do seu poder em Portugal.
Vários exemplos conhecidos ajudarão a perceber melhor essa subordinação.
No plano internacional, a Espanha da dinastia dos Habsburgos – de Carlos V, de Filipe II, de Filipe III e de Filipe IV - encontrava-se tradicionalmente em conflito com a Inglaterra, então nossa aliada desde cerca de duzentos anos antes.
Colocado Portugal sob o domínio espanhol, é evidente que a aliança com a Inglaterra ficou, por assim dizer, suspensa.
Em 1588 – escassos 8 anos após a perda de soberania -, Filipe II organizou uma grande armada – que ficou conhecida como Armada Invencível -, com a qual procurou atacar a armada inglesa da rainha Isabel I.
A Armada Invencível não deu jus ao nome e foi derrotada, e dizimada, junto à costa Sul da Inglaterra.
Faziam parte da Armada Invencível quase todos os barcos portugueses de grande calado.
Dizimada a frota, deixamos de ter marinha que se visse: tornando irrelevante o direito que sobre metade dos mares e terras nos tinha sido concedido pelo Papa, que repartira o mundo, pelo Tratado de Tordesilhas, entre Portugueses e Espanhóis.
Sem barcos, não era possível manter o domínio dos mares, nem manter as possessões do Oriente.
Grande parte do nosso Império das Índias foi perdido nesse contexto.
Mesmo o Brasil, aqui mais próximo, nos foi conquistado em grande parte pela Holanda, também inimiga dos Habsburgos de Espanha e do Sacro Império.

2 – A aventura corajosa dos conjurados de 1640, que não quiseram continuar a obedecer ao poder estrangeiro, não tem encontrado réplica nos tempos que correm.
E os dois tempos são parecidos …
Também hoje quem manda em Portugal não são os portugueses.
(Já que falámos há pouco de Camões, lembremos a fala final de “Os Lusíadas”, tão a propósito destes tempos de “protectorado”, como lhe chama o Dr. Paulo Portas:
“Fazei, Senhor, que nunca os admirados/Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,/possam dizer que são para mandados,/mais que para mandar, os Portugueses”)
Há, é certo, uma espécie de português que faz que manda: o Presidente da Comissão Europeia, que, tendo, no tempo que lhe foi oportuno, fugido da tanga para a opulência burocrática de Bruxelas, nos aparece com regularidade no papel de porta-voz e empregado dos interesses dos “admirados Alemães”, a ameaçar com cenários de apocalipse se as poucas instâncias de poder nacional que se não vergam às ordens de Bruxelas, de Nova Iorque ou de Frankfurt, nomeadamente o Tribunal Constitucional de Portugal, não se acomodarem ao diktat estrangeiro nem aos seus comissários domésticos.
Temos Miguéis de Vasconcelos a mais e Antões de Almada a menos.

3 – Neste contexto, merece aplauso o Senhor Presidente da República: que, mostrando-se imune às pressões e ameaças, sejam cosmopolitas e externas, sejam internas e tristes, remeteu ao mesmo Tribunal, para apreciação preventiva da constitucionalidade, o diploma da impropriamente chamada “convergência” das pensões da CGA e do Regime Geral da Segurança Social – que, pela primeira vez em democracia, invade e cerceia com efeitos retroactivos direitos já constituídos e consolidados.
Não vou agora voltar ao tema de fundo desse diploma, de que já aqui tratei em crónica anterior.
O que me move é assinalar a forma como o Presidente da República qualificou as medidas do Governo, tendo os reformados como alvo: uma legislação sacrificial.
A designação é tanto mais significativa quanto é certo que o Presidente da República não é propriamente conhecido por cultivar a exuberância metafórica.
Ora, o adjectivo usado, “sacrificial”, remete para reminiscências aztecas, ou maias, ou assírias, povos em cujas práticas religiosas se contavam os sacrifícios humanos.
Claro que o Governo não vai levar os velhos ao alto de um monte, para aí os abandonar: sem comida, sem agasalhos, sem tecto.
Nem vai promover uma operação expressa de extermínio dos reformados, para se livrar da “peste grisalha” – designação reveladora de uma vontade eugénica, mas adoptada sem vergonha por um deputado da maioria e alguns seus seguidores.
Tãopouco lhes vai colocar o pescoço na ara, como se fossem cordeiros, para satisfazer deuses sanguinários.
Mas vai dar ao mesmo, em versão “civilizada”.
Ora, o que as palavras do Presidente da República sugerem é que a sua opinião acompanha a dos que defendem que a ideia que tem o Governo quanto às medidas lesivas dos reformados e pensionistas não é a de elas valem como um mero instrumento do ajustamento; mas que pretendem valer por si, como finalidade específica, como punição, com as bênçãos calvinistas dos países do Norte, dos que em Portugal viveram “acima das suas possibilidades”.
Os que, por isso, merecem castigo.
Para esses, é um lenitivo ouvir o Presidente da República dizer-lhes que a culpa não é deles.
Porque, com efeito, não é.

Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2013-12-06



















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