OPINIÃO

“Pela santa Liberdade/ Triunfar ou perecer” (Hino da Maria da Fonte)

1 - Sou um cidadão do Porto.
(Creio ser essa a minha mais antiga identidade cívica – e mesmo afectiva: um bom cidadão do lugar, como o Domingos Peres das Eiras, da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes.)
Dentro do espaço mais amplo que é a cidade, posso ainda dizer com orgulho que sou um portuense da zona oriental: mais especificamente, do Bonfim.
Estudei, do 1º ao 7º ano – dos 10 aos 17 anos -, no Liceu Alexandre Herculano, no centro da freguesia do Bonfim, vindo diariamente de comboio de Ermesinde, onde residia, para Campanhã, estação oriental de caminho-de-ferro, situada muito perto do referido Liceu.
Vinha de Ermesinde, de comboio, com o meu Pai, funcionário dos Serviços de Águas e Saneamento do Porto – Serviços que então funcionavam, como ainda hoje, na belíssima Quinta de Nova Sintra, no Bonfim, cujos jardins, infelizmente fechados ao público, constituem, na zona oriental, debruçados sobre o Rio Douro, uma réplica dos jardins do Palácio de Cristal.
A minha Mãe, professora primária, esteve, durante alguns desses anos, colocada da Escola da Praça das Flores – na toponímia oficial, Praça Dr. Nuno Teotónio Pereira – no Bonfim, claro!
Foi no Alexandre Herculano que comecei a minha colaboração em jornais: fiz parte da redacção do Prelúdio, o jornal do Liceu, onde publiquei as minhas primeiras crónicas – já lá vão 45 anos.
Também nesse Liceu, fui presidente da JEC – Juventude Escolar Católica, cuja sede concelhia funcionava numa residência de sacerdotes, na mesma Rua do Barão de Nova Sintra onde se situa a sede das Águas e Saneamento do Porto.
Foi ainda no Alexandre Herculano que iniciei a actividade de participação cívica, integrando a primeira comissão pro-associação dos liceus do Porto, aí por 1968/69; e foi também aí que me manifestei pela primeira vez, contra a visita ao Liceu do então Ministro da Educação, José Hermano Saraiva.
Deslocado para Coimbra, para estudar Direito – que então não havia no Porto -, era no Bonfim que passava todo o tempo que podia, sempre que não estava em aulas.
É que no Bonfim morava a minha namorada, minha mulher, com quem casei vai fazer 40 anos – na Igreja do Bonfim.
S. Lázaro, a Biblioteca Municipal, o Jardim Soares dos Reis, os cafés Belas Artes, Madureira e “O Nosso Café”, todos no Bonfim, foram os locais das minhas peregrinações entre 1969 e 1974.
Resido, desde Fevereiro de 1974 – dois meses antes da Revolução – a 50 metros dessa Igreja onde casei.

2 – O centro da freguesia do Bonfim é o Campo 24 de Agosto, onde se localiza a sede da Junta de Freguesia, no palacete cor-de-rosa dos Cirnes, situando-se também aí a mais emblemática estação do Metro do Porto, integrando, num dos patamares, a antiga Arca d’Água de Mijavelhas, do século XVII.
O Campo leva esse nome agarrado por ter sido no Porto que, em 24 de Agosto de 1820, se deu a sublevação contra o protectorado inglês em que vivíamos, na sequência da participação de tropas inglesas – comandadas pelo Marechal William Beresford –, ao lado das nossas, na Guerra Peninsular, contra as Invasões Francesas.
Essa sublevação ficou para a História com a designação de Revolução Liberal.
O Regente, D. João VI, fugira com a corte para o Brasil, por ocasião da 1ª Invasão Francesa, em 1807 – e por lá se deixara ficar, na ilha de Paquetá, gozando, ao que dizem as crónicas e um poema declamado por João Villaret, do clima, das mulatas e das galinhas assadas.
Em 1820, a burguesia liberal do Porto, chefiada por Manuel Fernandes Tomás, rebelou-se contra o domínio inglês e contra a caução que a esse domínio era conferida por D. João VI, instituiu a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, fez alastrar por todo o país a Revolução Liberal e acabou com o antigo regime da monarquia absoluta.
(Fez parte do Sinédrio, órgão de comando da Revolução, Francisco de Barros Lima, que foi mais tarde Presidente da Câmara do Porto e que deu o nome à Rua onde resido.)
Instituiu-se então em Portugal o regime liberal, baseado no sufrágio popular, na igualdade perante a lei e na separação de poderes: legislativo, executivo e judicial – importando os princípios da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos da América, ambas dos finais do século XVIII.
Acabou nessa data o direito divino como fundamento do poder temporal, deixando o Rei, ou o seu Governo, de poder dar ordens aos delegados às Cortes ou aos juízes, de os poder perseguir e prender por puro arbítrio, como antes acontecia.
Foi eleita uma Assembleia Constituinte, que aprovou a Constituição de 1822 – a 1ª Constituição Portuguesa, cuja obediência foi imposta ao Rei, que só pôde regressar do Brasil, em 1821, na condição de aceitar o novo regime.
De 1822 até hoje, sempre tivemos, como lei primeira, uma Constituição: 1822, 1836, 1911, 1933, 1976.

3 - A RTP Memória transmitiu, há pouco, a série histórica sobre o Processo dos Távoras, fidalgos da primeira nobreza de Portugal, justiciados e executados às ordens do Marquês de Pombal, após um simulacro de julgamento, estando a sentença condenatória lavrada de antemão, antes mesmo das audiências.
Numa das cenas, aparece o Marquês de Pombal a dizer ao juiz desembargador responsável pelo julgamento como quer que seja a sentença, ameaçando-o para o caso de esta não corresponder às suas exigências.
O juiz obedeceu, claro! E os Távoras foram condenados à morte e espoliados de todos os bens, perderam o direito ao nome e viram os brasões dos seus palácios picados à maça.
Estes factos não se passaram muito antes da vitória da liberdade, em 1820.
O julgamento dos Távoras decorreu em 1759 – apenas 60 anos antes da liberdade.

4 - Com a Revolução Vintista, instituiu-se em Portugal um regime baseado no sufrágio e na separação dos poderes.
Uma democracia liberal, diríamos na linguagem de hoje.
A democracia assenta no voto dos cidadãos como legitimadora da representação política e do exercício do poder, como sabemos.
Mas isso não basta para a definir.
A democracia é também o lugar do primado da lei: respeitada por todos e que a todos obriga, sejam governados, sejam governantes.
A Constituição é a primeira das leis, à qual todas as outras estão subordinadas.
E está em vigor pleno: a nossa Constituição não está suspensa, como declarou o Senhor Presidente da República.
Aliás, o actual Governo – como os anteriores – só governa por ter sido eleito nos termos desta Constituição.
A actual maioria parlamentar aprovou há dias, na Assembleia da República, na generalidade, o Orçamento de Estado para 2014, que, em várias das suas disposições fundamentais, se arrisca a fazer companhia aos seus irmãos de 2013 e 2012 na violação reiterada e consciente da Constituição.
(Em 2014, o F.C. Porto ganhará o tetra e o Governo o tri, mas este no campeonato das ilegalidades orçamentais.)
E aprovou, no mesmo dia, já na especialidade, um outro diploma, proposto pelo Governo, relativo ao corte retroactivo das pensões de aposentação dos funcionários públicos – diploma que, não integrando formalmente o Orçamento de Estado, tem repercussões orçamentais muito relevantes.
Os constitucionalistas dignos desse nome são unânimes em considerar que, pelo menos no que respeita à retroactividade dos cortes, se trata de uma patente e grave inconstitucionalidade; o mesmo sucedendo no estabelecimento, pela Lei do Orçamento, de um carácter duradouro à CES, que o TC considerou no ano passado tolerável apenas se fosse limitada e temporária.
Parece uma provocação ao TC e não aparenta o devido respeito pela lei.
Também não falta quem queira dar ordens ao Tribunal Constitucional, ou ameaçar os seus juízes, ou pressioná-los, como nos tempos do Marquês de Pombal.
Ainda há dias, da Televisão, a propósito de um documento da SEDES – que não é gente suspeita de esquerdismo -, muito crítico para com os cortes em salários e pensões constantes da Lei do Orçamento e da chamada “lei da convergência” entre a CGA e a Segurança Social, um dos comentadores porta-vozes oficiosos do Governo, Alexandre Patrício Gouveia, do “Compromisso Portugal”, veio propor a responsabilização dos juízes do TC, no caso de julgarem inconstitucionais as leis em causa.
Supõe-se que pretenda prendê-los, ou multá-los, ou suspender-lhes os salários, para os responsabilizar.
Por mim, para minha defesa contra o arbítrio – e o arbítrio a recear é sempre o do poder executivo -, quero tribunais livres e independentes.
Prefiro responsabilizar quem não cumpre nem quer cumprir a lei.
Bem sei que os nossos pequenos “Pombais” não passam de aprendizes.
Mas a ignorância, como se sabe, é atrevida!

Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2013-11-07



















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