OPINIÃO

Viva o Porto!

1 - O facto mais relevante das eleições autárquicas da semana passada foi a eleição de Rui Moreira para Presidente da Câmara do Porto.
Não quero com isto dizer que venha a ser o melhor Presidente da Câmara que poderia ter saído do naipe de candidatos que se apresentou a votos – embora future que vai desempenhar o mandato com honra para a cidade.
Não sei – nem é esse o ponto.
O que é significativo é ter sido possível, na segunda cidade do País, o surgimento de uma candidatura vitoriosa, completamente fora do universo dos partidos dominantes, proclamando essa independência com clareza e tendo orgulho nisso.
Partidos tão dominantes que, até hoje, monopolizaram o poder autárquico na minha cidade: de Aureliano Veloso a Alfredo Coelho de Magalhães, de Paulo Vallada a Fernando Cabral, de Fernando Gomes a Rui Rio, para limitar a lista aos eleitos pelo voto popular após o 25 de Abril.
Quando, há alguns anos, a luta persistente de muitos – entre os quais me conto -, para que a lei eleitoral para as autarquias retirasse aos partidos o imerecido privilégio da exclusividade na apresentação de candidatos, acabou por ter êxito, viabilizando candidaturas independentes, a propaganda partidária dos partidos dominantes assestou baterias nessa possibilidade, arrumando os candidatos entetanto surgidos sob o labéu do ressentimento ou da vingança.
Para esse discurso partidário, não haveria “verdadeiros independentes”, saídos directamente da sociedade civil, mas apenas políticos a quem tinha faltado o chão no seu partido tradicional, de que se desfiliavam, para afrontar esse mesmo partido na eleição seguinte.
Verdade que, em muitos casos, assim tem sido – e com frequente sucesso.
Mas, sendo embora também de avaliar sem censura essa rebelião de muitos contra hábitos, ou golpes, ou manobras, nos seus partidos de sempre – tornando-os, se não do coração, pelo menos do cartão, independentes -, o certo é que as candidaturas surgidas desse caldo partidário acabavam por desvalorizar, ou ensombrar, em concreto, a abertura que a lei eleitoral consagrara.
O que a eleição de Rui Moreira traz de novo consigo é essa origem não contaminada, nascida fora do clima miasmático dos aparelhos dos partidos e sustentada por uma galeria de gente de bem, reconhecida publicamente pelo seu duradouro empenhamento cívico nas causas do País, da Região e da Cidade.
Esta eleição constitui, por isso, uma clara validação, tardia embora, das virtudes da alteração da lei eleitoral, abrindo caminho para um cada vez mais numeroso universo de autarcas sufragados pelo voto popular, sem precisão de passagem, clara ou oculta, pelo viático dos meandros e corredores das concelhias ou distritais dos partidos.
(E também das instâncias nacionais, não se vá pensar que concordo com o Primeiro-Ministro, quando se ilibou a si próprio de responsabilidades nos maus resultados que teve nas autárquicas, endossando essas responsabilidades apenas às estruturas locais.)

2 - Creio que o Porto constitui o sítio certo, pelo clima, e possível, pelas gentes e pela história, para esta lufada de ar fresco.
É dos livros que as segundas cidades, nos respectivos países, constroem amiúde a sua identidade por contraponto à primeira, à metrópole – principalmente se esta for também a capital.
O confronto é mais nítido quando, para além dos normais privilégios e mordomias que a sede do poder político para si reserva, em homenagem à capitalidade, assalta essas instâncias do poder uma vertigem de centralização que deixa o País exangue e a capital inchada.
Trata-se, entre nós, de maleita antiga.
Para não relembar o tópico das tripas, única parte que os portuenses guardaram para si dos animais que cederam para alimentação da expedição naval para a tomada de Ceuta, pelo Infante D. Henrique, louvo-me do liberal Almeida Garrett, quando, no início do Século XIX, já identificava um dos males da Pátria: “Portugal é Lisboa; o resto é paisagem”.
Era assim no tempo de Garrett e da Monarquia Constitucional – não obstante ter nascido no Porto, com a Revolta de 24 de Agosto de 1820, contra a ocupação inglesa, o Regime Constitucional -, e, a bem dizer, nunca mais deixou de o ser.
Pelo contrário, a centralização dos recursos, dos investimentos e dos privilégios não mais cessou – até hoje, ao paradoxo de um Governo que se afirma liberal e que tem levado a cabo a maior concentração de poder, centralização da decisão e invasão da esfera privada que a democracia conheceu.
(Nem sei se será avisado falar hoje em Regime Constitucional, quando uma vice-Presidente do PSD, Teresa Leal Coelho (parece que professora de Direito), refere haver “incompatibilidade entre o primado do direito europeu ... e as interpretações soberanistas ... da Constituição ...”, interpretação que ignora o “plano da União Europeia.” E quando o Presidente da Comissão, Durão Barroso, que ganhou fama de sábio, quando Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, pela prudente gestão da arte do silêncio, resolveu efectuar uma incursão pela antiga Pátria, mas agora ao serviço da nova, exigindo ao Tribunal Constitucional que acompanhe as ideias do Governo e da Comissão Europeia sobre os cortes e a austeridade – e que abandone os escrúpulos jurídicos com que, por vezes, perturba a doce harmonia dos poderes soberanos cá de casa.)
Os partidos seguem a matriz do País: como ele, concentram, absorvem, controlam, da cúpula para a base.
Bem pode dizer-se que o “centralismo democrático”, exclusivo teórico do PCP, alastrou, como é próprio das soluções conservadoras e alheias à iniciativa individual, aos mecanismos de conservação do poder em todo o universo partidário.
Mas o certo é que, não obstante o insucesso do processo de regionalização, no tempo do Engº Guterres, o Porto manteve forte e nítido esse sentido de autonomia e independência, por um lado; e viu crescer o cenário de esvaziamento político e depauperamento económico e social, por outro.
Ciclicamente, quando a pressão é excessiva, o Porto reage: como em 1824, com a Revolução Liberal anti-inglesa; como em 1891, contra o Ultimatum e a submissão dos Braganças às ordens inglesas, proclamando efemeramente a República; como em 1958, na candidatura presidencial de Humberto Delgado, forjada no Porto.
Eu creio que a vitória de Rui Moreira tem também este sentido: o de dizer que o Porto está farto dos donos do regime e que vai encabeçar a luta para mudar as coisas.
Dentro da democracia e no respeito pelos Partidos ( embora estes se tenham de dar ao respeito: o sinal dado por Fernando Ruas, ao não querer fazer repercutir a representação na Associação Nacional de Municípios, dos mandatos autárquicos independentes vitoriosos, é bem a marca a esperar dos homens do passado).

3 – É altura de fazer replicar as boas práticas autárquicas – para me acolher numa semântica muito cá de casa -, mas agora nas eleições para a Assembleia da República, abrindo-a igualmente a candidaturas independentes.
Também nessa luta persevero há muito.
Já na passagem da década de 70 para a de 80, um movimento cívico que acompanhei, aqui no Porto – a Comissão Cívica Independente, onde pontuavam José Augusto Seabra, Manuel Coelho dos Santos, Jacinto de Magalhães, com elementos de Lisboa, como Vitorino Magalhães Godinho e Armando Rocha Trindade -, apresentava essa ambição e essa necessidade.
Lembro ainda uma sessão, organizada pela CCI – a comemorar o 5 de Outubro, agora votado ao anonimato, para aí em 1980 ou 1981 -, em que veio ao Porto o Professor Mota Pinto, então não militante do PSD, defendendo essa abertura a independentes nas eleições para a Assembleia da República.
Quando leio artigos como o de um tal Duarte Marques, deputado, no Público de há dias, no âmbito da campanha mediática a favor dos cortes retroactivos nas reformas dos velhos, que o Governo quer levar a cabo, defendendo que tais cortes representam a justa solidariedade dos velhos com os novos – quando é justamente ao contrário -, penso que bem precisa é a reforma da lei eleitoral para a Assembleia da República, como já propunha Mota Pinto, para que também aí, como vai acontecer nas Câmaras, os Partidos sejam mais exigentes nos candidatos que nos apresentam.
É uma pena - mas creio que a autoridade de anteriores líderes do PSD não é particularmente estimada pela actual gerência.

Henrique Rodrigues – Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2013-10-14



















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