EDUCAÇÃO ESTÉTICA NA TERCEIRA IDADE

Vida e arte em diálogo

Por Pedro Miguel Ferrão
pedrotoucedo@hotmail.com

Com o tempo a sabedoria

Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;
Ao longo dos enganadores dias da mocidade,
Oscilaram ao sol as minhas folhas, minhas flores;
Agora posso murchar no coração da verdade.
 W.B. Yeats

As palavras do poeta irlandês William Yeats traduzem parte da minha experiência enquanto professor de História da Arte na Universidade do Tempo Livre (UTL) - um curso organizado em Coimbra pela Associação Nacional de Apoio ao Idoso (ANAI). A sala de aula reúne pessoas dos mais variados estratos sociais e experiências profissionais que se encontram aposentadas, não constituindo a idade obstáculo para aprender informalmente as formas no tempo.  O seu entusiasmo mantém-se desperto e, tal como os misteriosos e belos cisnes selvagens de Coole, também (...) os seus corações não envelheceram; paixão ou conquista solicitam ainda seu incerto viajar.
Com efeito, o homem nasce aberto ao mundo e, no outono da vida, prossegue potencialmente criador, apesar do inevitável declínio que o ciclo da existência comporta. Pessoa infinitamente diversa, o Homem renova-se constantemente pelo processo pedagógico. Para os alunos que frequentam este curso, a sala de aula e as diversas visitas de estudo complementares, são espaços de troca de experiências, de convívio permanente e do retomar de aprendizagens que têm proporcionado um maior desenvolvimento das suas capacidades  estético-expressivas.
Para reagir a todas as harmonias, visíveis e ocultas, que se podem interpretar numa criação artística, torna-se imprescindível possuir um espírito aberto e desenvolver uma sensibilidade particular. Essa viagem de descoberta terá de se empreender de olhos bem abertos e com ânimo renovado. É que, como afirma E. Gombrich, “ (…) existem razões erradas para não se gostar de uma obra de arte.” Isso acontece quando, a priori, o nosso juízo de valor é parcial ou preconceituoso.
Para Almada Negreiros, um olhar descontaminado poderá ser capaz de “marchar limpo para diante”, de alcançar um horizonte mais vasto, virtualmente habitado pela obra de arte que admite a discussão e que não se deixa encerrar num juízo de valor absoluto, admitindo a relatividade da interpretação pessoal. Um olhar informado, mas descomprometido, será a melhor forma de observar e sentir a criação artística.
Uma abordagem sistemática de observação, descrição, análise e interpretação dos dados artísticos é um processo que, de acordo com Elisa Marques, procura “despertar a sensibilidade estética, o prazer da fruição e de contemplação”.
Uma educação integradora do ser humano, em qualquer altura do seu percurso de vida, terá de conciliar as diversas formas de conceber o fenómeno artístico. Pedagogicamente são determinantes os campos da arte e da estética, da crítica e da prática artística. Com efeito, esta abordagem procura conhecer para criar, avaliar para argumentar, permitindo ainda emitir juízos de valor sobre as diversas formas artísticas.
Uma arte para todos significa uma arte que chega a todos. Para que tal processo de democratização aconteça, torna-se indispensável um processo de comunicação eficaz. O sistema emissor da arte e o público receptor precisam da mediação de um sistema de educação integral e integrador, que não exclua ninguém que pretenda alargar o conhecimento e a compreensão da vida, nem alguma forma de arte que contribua para a formação da pessoa humana.
A sociedade contemporânea encontra-se profundamente dividida entre os interesses de desenvolvimento do bem-estar e a preocupação em promover o desenvolvimento pessoal e social de cada ser humano. A normalização dos indivíduos é um dos pilares em que se alicerça a actual organização social e económica, orientada para a ideia de progresso e subordinada ao conceito de utilidade e de sucesso. Segundo Viktor Frankl, essa visão redutora e normalizadora “ignora o valor de todos os que são diferentes e, ao fazê-lo, apaga a decisiva diferença entre ter valor no sentido de dignidade e ter valor no sentido de utilidade”.
Não podemos nunca confundir a dignidade do ser humano com mera utilidade social; muito menos ignorar o papel daqueles que, devido a idade avançada, a doença incurável ou outra incapacidade humana, não podem dar o seu pleno contributo social. A vida permanece potencialmente significativa, mesmo nas circunstâncias que podem inferiorizar o homem na sua autonomia vivencial. A sua experiência passada, os seus valores são intocáveis e constituem-se como um património, a sua mais-valia – a possibilidade, senão de mudar a situação presente, pelo menos de mudar a sua atitude futura, face à fatalidade que o impede de se realizar plenamente.
Neste contexto, a educação pela arte na terceira idade poderá ajudar a repensar o posicionamento do ser humano no mundo. A diversidade de visões artísticas constitui uma forma válida de lutar contra uma sociedade homogénea e indiferente à pluralidade cultural. Para o cineasta brasileiro Joaquim Pedro de Andrade, a vida, tal como a arte, só vale a pena quando nos implicamos e consegue “... ver e mostrar o nunca visto, o bem e o mal, o feio e o bonito”.

 

Data de introdução: 2004-10-07



















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