Natal e não Dezembro...

A semana passada, o Presidente da República veio a Ermesinde, no âmbito da presidência temática sobre o envelhecimento.
Trata-se da última presidência temática do Dr. Jorge Sampaio, e o tema eleito é como que a chave de ouro de um mandato que ficou marcado por uma tentativa de aproximação aos problemas concretos dos portugueses.
O enunciado do problema é simples: as condições de vida e o avanço da ciência permitem que as pessoas tenham uma vida cada vez mais longa, e isso é uma benção; mas, por outro lado, as famílias portuguesas têm cada vez menos filhos, a taxa de natalidade é inferior à taxa de substituição das gerações, e isso é mau. 

Explicando melhor: há cerca de trinta anos, a taxa de natalidade, isto é, a taxa média de nascimentos por família, andava pelos 3,2. Hoje é menos de metade, ostentando Portugal o duvidoso título de campeão, na OCDE, por ser o país com mais baixo índice de natalidade.
Para ser ainda mais nítido: quando falo em pessoas nascidas, faço-o na perspectiva de quem resulta de uma união entre um homem e uma mulher, quer sejam casados, quer vivam em união de facto; quer provenham de uma procriação assistida, quer de famílias monoparentais femininas, quer de famílias, que, à falta de designação menos polémica, chamarei de modelo clássico.
Por enquanto, não conheço outros modos de se nascer, seja a clonagem, seja no âmbito da união homossexual. 

Quer isto dizer que o valor referido da taxa de natalidade não ofende o princípio de não discriminação constante da Constituição da República, mesmo na perspectiva mais radical, que tem vindo a ser a canónica, na sua interpretação. 

2 - Tenho para mim que desta descida gradual da taxa de natalidade não podemos culpar o Governo.
É certo que o Governo - este, como todos -, nos assegura a comodidade intelectual de termos um culpado à mão - como o mordomo nos romances policiais -, mesmo quando a culpa não é do mordomo, mas é nossa.
Mas não é por culpa dele que nascem menos crianças.
Há 30/40 anos, a vida em Portugal era bem mais difícil do que é hoje, quer para as pessoas, quer para as famílias. E havia ranchadas de filhos.
Hoje, com mais recursos, com maior acesso aos bens de consumo, não nascem crianças que cheguem para substituir os seus pais na transmissão da vida.
Não são, assim, subsídios - primeira coisa em que um Governo pensa quando é confrontado com um problema novo -, que podem mudar o panorama, mas a mudança há-de partir de dentro de nós próprios.

3 - Claro que os Governos podem ajudar nesta mudança: não desvalorizando o casamento e a família heterossexual como fonte prioritária do nascimento e como primeira instância educativa, mesmo se a versão vulgar da interpretação do princípio da não discriminação - que é a versão dominante - recomenda o discurso folclórico do igualitarismo social e do privilégio fiscal relativamente às novas formas de estruturação familiar; não omitindo a aprendizagem e a disciplina como integradoras do tempo de escolaridade, mesmo se os tempos pedem mais pedagogia e menos matéria, mais prazer, mais demissão da autoridade e do magistério e elegem como questão estrutural do sistema de ensino a retirada do crucífixo das escolas; não promovendo o desemprego subsidiado daqueles que terminaram o seu percurso educativo, mas impulsionando a sua ocupação em tarefas de solidariedade, que em muitos há-de ser o primeiro momento de olharem para os outros a seu lado. 

São os jovens que educamos hoje que vão ou não cuidar de nós daqui a vinte anos.
Devemos no entanto ter esperança de que, como desde sempre vem sucedendo, o mundo caminha para um tempo sempre novo, e melhor que o anterior.
Mesmo nesta matéria de cuidar dos velhos… Pois não é da tradição literária a história antiga do filho que vai abandonar o pai no alto de um monte, e lhe deixa um cobertor, que o pai lhe devolve para quando chegar a vez de o filho ser abandonado?
A miséria não é mal privativo dos nossos dias.

* Titulo retirado de um verso de David Mourão - Ferreira, do livro "Cancioneiro de Natal". 

* Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2006-01-04



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...