UTENTES DOS CENTRO DE DIA DESESPERAM COM O FECHO DA RESPOSTA SOCIAL

Este vírus deu cabo de nós

O encerramento da resposta social de Centro de Dia, decretada a 13 de março, tem acarretado graves evoluções das demências e das dependências, significativas regressões cognitivas e motores e profundos e debilitantes estados depressivos entre a população utente daquela valência. Por isso, desde cedo foi reclamada a sua abertura, mas os constrangimentos sanitários ainda mantêm muitos encerrados e sem data para reabrirem. Para os utentes, o encerramento da resposta social e o confinamento foi “horrível”, “um martírio”, “dias muito tristes, de solidão e de desânimo”. Num desabafo, Jaime Nogueira, de 86 anos, disto tudo: “Este vírus deu cabo de nós”!
Técnicos das IPSS e familiares reportam que, desde a 13 de março foi decretado o encerramento dos Centros de Dia em todo o país devido à pandemia da Covid-19, as regressões cognitivas e motoras têm sido muito significativas e a progressão avassaladora dos estados depressivos.
A falta de estímulos e do convívio social forçada pelo fecho dos Centros de Dia tem devastado os mais idosos e não apenas aqueles que vivem sozinhos.
E se para os mais autónomos foi difícil atravessar cerca de seis meses sem o Centro de Dia, para outros menos autónomos e já dependentes a situação foi mais gravosa.
“Nunca pensei na minha vida passar por isto. Vivi a tuberculose, depois apareceu o cancro e, mal começou a ser desvendado o mistério do cancro, aparece este maldito vírus, que ninguém sabe donde ele veio, nem como é, mas o que sabemos bem é que de um momento para o outro apanha-se e morre-se!”, começa por dizer, ao SOLIDARIEDADE, Jaime Nogueira, de 85 anos, antigo tipógrafo em vários jornais de Lisboa, motorista e poeta.
Começou a frequentar a resposta social da Cediara - Associação Centro de Dia de Ribeira de Fráguas, no concelho de Albergaria-a-Velha, em novembro de 2019, “e, de repente, em março tivemos que ir para casa… nem queira saber, foi horrível, a gente chega a um ponto que está completamente desanimado”.
Passava o tempo de volta do computador e a ver televisão, mas também a dar asas a um dom e um prazer: a poesia. Todos os dias fazia um poema que publicava na sua página do Facebook, mas também “muitas vezes falava sozinho e não tenho problema em dizê-lo”, é que “pelo menos, desabafava”.
Regressar a 24 de agosto, com a reabertura do Centro de Dia, foi a melhor notícia: “Aqui fazem-nos reviver e fazem-nos voltar a ser jovens. O apoio da Cediara foi impecável e deixe-me dizer-lhe que isto é do melhor que há no país”.
Também para José Ladeira, de 86 anos, antigo sapateiro, e um bem-disposto natural foi um tormento o fecho da Cediara.
“Quando fiquei em casa foi um pandemónio, foi a coisa mais horrível que me aconteceu. Foi um martírio e nem sei como é que aguentei! A princípio só dormia, mas depois, metia a máscara, pegava na bicicleta e ia dar uma volta”, recorda, lembrando: “Esta é uma doença terrível e se toda a gente cumprisse não havia tanta doença”.
Pelo mal que acarreta, o antigo sapateiro é perentório em elogiar o Centro de Dia: “Estas casas deviam estar todas abertas. Estou cá há quatro anos, ando de carro, de bicicleta e a pé para todo o lado, mas se não tivesse vindo para aqui já tinha morrido”.
Tal como Jaime e José, também Conceição Negrão, de 54 anos, vive só e sentiu forte a falta do Centro de Dia, que frequenta devido à sua condição física.
“Foram dias muito tristes, de solidão e desânimo. O Centro de Dia fez-nos muita falta, porque esta é a nossa segunda casa, temos aqui uma família, somos todos muito unidos e bem tratados. Senti muita falta da Cediara e senti-me muito desamparada”, sustenta, esboçando, então, um sorriso: “Quando me disseram para voltar foi uma alegria e senti-me novamente acolhida e amparada. No confinamento, sem o apoio da Cediara teria sido muito mais difícil, pois estivemos muito tempo confinados em casa. Agora há uma nova esperança para continuarmos a estar na instituição e, felizmente, tem corrido tudo muito bem”.
Na Cediara, o Centro de Dia reabriu a 24 de agosto, mas o Centro de Convívio (18 utentes) permanece encerrado. No sentido de garantir o cumprimento das regras sanitárias, a instituição optou por utilizar todas as instalações apenas com o Centro de Dia, colocando os utentes mais autónomos no Piso -1, que era onde funcionava o Centro de Convívio.
Dos 40 utentes, 35 regressam diariamente á instituição, mas cinco permanecem em casa, devido a patologias que necessitam de ventilação e outras.
Para os técnicos que têm atravessado e acompanhado os utentes o período de encerramento da resposta social, o diagnóstico encontra eco nas palavras daqueles três utentes da Cediara.
“O que identificámos, e temos processos de avaliação muito consolidados, foi, essencialmente, a nível emocional, com um agravamento significativo do estado depressivo, para além do cognitivo e até mesmo motor”, refere Susana Henriques, diretora-técnica da Cediara, explicando que os utentes “deixaram de ter os Programas de Intervenção Terapêutica, falha que foi de alguma forma colmatada com o «Cuidar a 360º», mas não é a mesma coisa, pois era apenas uma vez por semana e não os cinco dias que passavam na instituição”.
Esta ideia é corroborada por Daniela Vieira, diretora-técnica do Centro de Dia do Centro Social Paroquial de Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia, sendo que neste caso a resposta social ainda não reabriu.
“O fecho do Centro de Dia fez com que a progressão das demências fosse muito mais acelerada. O facto de não terem estímulo, o perderem aquela rotina da carrinha de manhã, virem para a instituição, participarem nas atividades e até para alguns, que mesmo não participando, viam e estavam com outras pessoas… isso deixou de existir! Muitos deles estão sozinhos em casa durante o dia e não têm estímulo nenhum”, afirma, revelando que a instituição “tem enviado algumas atividades, como pintura, mandalas, sopas de letras e sugestões de filmes, mas não é suficiente”.
No entanto, o pior dos males é a solidão: “Uma das grandes queixas das famílias é a falta de contacto social. Estão muito isolados. Eles gostam das atividades, mas dizem que é pouco, porque o que revelam é a falta do convívio”.
Daniela Vieira sublinha que, dos 40 utentes em março, aquando da reabertura, que prevê para janeiro próximo, numas instalações exteriores à instituição e pertença da paróquia, não os receberá a todos.
“O que se passou com a maioria dos utentes do Centro de Dia foi que teve um declínio muito acentuado quer das capacidades cognitivas, quer das capacidades motoras. Alguns deles ficaram totalmente dependentes e, neste momento, o feedback das famílias é que eles não reúnem condições para regressar, porque ficaram muito dependentes. Algumas famílias conseguiram uma vaga em ERPI e eles já estão institucionalizados. E depois há os que rescindiram, mas pensam em voltar”, refere, adiantando que cerca de 25% dos utentes não voltará, portanto, na reabertura eventualmente “serão uns 25 a 30 e muito mais debilitados”.
Nenhuma das instituições registou qualquer óbito por Covid-19 entre os utentes de Centro de Dia, sendo que a instituição de Oliveira do Douro tenha tido que lidar com um surto no lar, em que apenas escaparam à infeção três utentes e em que registou dois óbitos.
No entanto, em Ribeira de Fráguas, de Covid-19 não faleceu nenhum utente, mas a instituição perdeu dois neste período, sendo que um deles, se pode dizer, por efeito colateral do isolamento da pandemia.
“Um deles quando foi para casa começou a ter um comportamento muito deprimido e delirante, sempre a dizer que ia morrer com o vírus. Entretanto, deixou de comer, ficou muito pouco vigile, foi duas ou três vezes ao Hospital de Aveiro, mas não lhe diagnosticavam nada que justificasse a situação e… acabou por falecer”.
E só não houve mais situações trágicas, porque não calhou. É que a Cediara tem igualmente uma resposta de Centro de Dia para pessoas com perturbações mentais e neste grupo de utentes a situação foi (e ainda é) muito complicada. De tal forma que, em maio, a instituição solicitou ao Instituto da Segurança Social (ISS) a reabertura da resposta, mas a recusa foi perentória.
“Fomos uma das instituições que fez esse pedido em maio, principalmente por causa dos nossos utentes com perturbação mental, porque nos apercebemos que os efeitos do isolamento estavam a ter grande repercussão neles. Fizemos o pedido para integrar 15 utentes, que eram os casos mais emergentes, garantindo toda a segurança, mas foi recusado. O ISS não avalia as situações caso a caso, a resposta era transversal a todas as situações independentemente das necessidades”, lamenta Susana Rodrigues, que sublinha: “Tivemos utentes que fizeram tentativas de suicídio e foi, precisamente, em face disso, e com uma exposição do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, do Hospital de Aveiro, que solicitámos a nossa reabertura, justificando a necessidade, mas o pedido, ainda assim, veio recusado”.
No sentido de combater o isolamento e solidão a que estão votados muitos destes idosos sem o Centro de Dia, a instituição de Oliveira do Douro estendeu o serviço de teleassistência já usado no Serviço de Apoio Domiciliário àquela resposta.
“Recentemente, para os utentes que vivem sozinhos conseguimos um serviço de teleassistência, que acaba por ser um apoio, embora na maior parte deles seja ineficaz, porque não têm capacidade para usar o serviço. Este serviço, uma vez por semana liga sempre com eles, o que acaba por ser uma companhia”, destaca Daniela Vieira.
Já a Cediara criou o projeto «Cuidar a 360º», porque para além dos serviços básicos que foram prestando, em regime de SAD, os técnicos da Cediara aperceberam-se que “era muito importante ter outro tipo de atividades, nomeadamente atividades de animação, para reduzir a sintomatologia depressiva e a ansiedade, e também a nível da estimulação cognitiva e da mobilidade”, isto em contexto domiciliário e em formato individual.
“Tivemos a sorte de o «Cuidar a 360º ter sido premiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, o que nos permitiu fazer este apoio e esta intervenção tridimensional domiciliário, reforçando também a nossa equipa técnica. E ainda continua, porque os cinco utentes que estão em casa continuam a receber este apoio”, revela Susana Henriques.
Esta ajuda foi determinante para a instituição poder proporcionar este apoio aos utentes, mas, mesmo assim, tudo o que tem envolvido o encerramento e a posterior a reabertura tem tido um elevado custo financeiro.
“Bem, tivemos que reforçar as equipas do SAD, porque, de um dia para o outro, passámos a ter o dobro dos utentes em SAD. Agora, nem a Cediara, nem nenhuma outra instituição, estava preparada para isto e o que lamentamos é que o ISS não tenha acompanhado estas necessidades. Na verdade, não nos deu nenhum subsídio extraordinário para podermos organizar os serviços perante as necessidades atuais e os planos de contingência”, lamenta, sublinhando: “Isto tem sido financeiramente muito pesado para a instituição. A reabertura a 24 de agosto obrigou-nos a uma logística muito grande e a custo muito elevados, pois tivemos que adaptar os espaços e adquirir muito material, como sapateiras, muitos armários, material para ventilação, redes mosquiteiras, protetores para a roupa na lavandaria, etc.”.
No entanto, para Susana Henriques o custo maior é mesmo com o transporte dos utentes: “Como as carrinhas só podem transportar metade da lotação, estamos a fazer o dobro das viagens e já tivemos que contratar um colaborador só para esse efeito. O transporte, para nós, é um custo gritante”.
Em resumo, o encerramento da resposta social de Centro de Dia tem sido exigente para as IPSS, mas tem sido bem pior para os utentes e famílias, que, de um dia para o outro, viram o seu dia-a-dia alterado drasticamente.
“Para muitas famílias foi o pânico, porque os familiares não tinham condições para ficar sozinhos em casa. No entanto, com o confinamento geral, as famílias, nessas duas semanas, conseguiram assegurar o bem-estar dos utentes, só que com a reabertura do país voltou o caos. Há familiares que estão a pagar a cuidadores para garantirem o bem-estar dos seus idosos”, assevera Daniela Vieira, diretora-técnica de um Centro de Dia que ainda não abriu.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2020-12-10



















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