CONFEDERAÇÃO PORTUGUESA DE ECONOMIA SOCIAL

Jornada de Reflexão centrou-se na sustentabilidade e no estatuto fiscal

Constituída formalmente há nove meses, em junho de 2018, a Confederação Portuguesa de Economia Social (CPES) promoveu no final de março a sua primeira iniciativa no sentido de levar à prática a missão de que está investida, ou seja, “a promoção e defesa da Economia Social, bem como a defesa dos interesses das suas associadas”. Foi neste âmbito que promoveu a Jornada Nacional de Reflexão, dedicada ao tema «A Economia Social no Portugal 2030».
Com a Jornada Nacional de Reflexão, subordinada ao tema «A Economia Social no Portugal 2030», que decorreu no Centro Social Paroquial de Azambuja, a CPES tentou demonstrar que os muitos anos em que as oito famílias andaram de costas voltadas são páginas viradas na história do sector em Portugal.
Congregando as nove organizações mais representativas da Economia Social – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri), União das Misericórdias Portuguesas (UMP), União das Mutualidades Portuguesas (UMP), Associação Portuguesa de Mutualidades (APM), Centro Português de Fundações (CPF), Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD), Confederação Cooperativa Portuguesa (Confecoop) e Animar (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local) –, esta primeira jornada de reflexão nacional foi um longo dia de trabalho e produtivo debate.
Na sessão de abertura, Francisco Silva, diretor-geral da CPES, desafiou logo todos os presentes, conferencistas e público, para que a jornada fosse “um profícuo debate e uma conclusiva reflexão”, muito especialmente nos termos em que “pode a Economia Social participar no Portugal 2030 e a que fundos poderão as organizações aceder”.
E se os trabalhos da parte da manhã ainda caíram muito no retrato histórico e do momento presente do todo e de cada uma das famílias deste universo que é a Economia Social em Portugal, o que foi dito serviu, essencialmente, para identificar os grandes desafios que o sector tem no futuro próximo.
O ministro Vieira da Silva começou por lembrar o caminho percorrido até à constituição da CPES, para sublinhar que “toda a economia tem uma dimensão social, mas Economia Social é outra coisa”.
O titular da pasta do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social afirmou que “é fundamental a existência da Terceiro Sector na Europa”, mas alertou: “Uma grande parte do pós-2020 será construído em plena ‘legislatura’ do novo Parlamento Europeu e de uma nova Comissão Europeia”.
Garantindo que o sector “terá um lugar nas propostas de Portugal” ao próximo Quadro Comunitário de Apoio, Vieira da Silva defendeu que, “não estando a Economia Social presente nas políticas da União Europeia, é nos planos múltiplos que a Economia Social terá que encontrar instrumentos”.
Para o ministro, “não basta abrir espaço para a Economia Social”, baseados na demografia, na inovação, na coesão territorial ou no lema «primeiro as pessoas», “é essencial continuar a batalha pela não discriminação do sector no acesso aos fundos europeus face aos outros sectores”.
Seguiu a contextualização da Economia Social no momento atual na União Europeia, pela voz Juan Antonio Pedreño, responsável máximo pela Social Economy Europe e pela CEPES, congénere espanhola da CPES, que representa já 14 milhões de trabalhadores e dois milhões de empresas.
“É muito importante que haja um plano europeu para a Economia Social e que cada país tenha políticas em prol do sector, tal como cada região e cada localidade”, defendeu Juan Pedreño, lembrando que “a Europa tende, cada vez mais, a olhar para a Economia Social e, pela primeira vez, há políticas e financiamentos para o sector”.
Por seu turno, Jorge de Sá, vice-presidente da APM, sustentou que “é necessário um movimento estratégico que tem que começar pela representação da CPES nas instituições”, salientando a importância da comunicação neste propósito.
Por outro lado, identificou como principais problemas da Economia Social as questões de identidade (“Quem somos? O que somos?”) e os problemas em torno da sustentabilidade (“económica, social, ambiental, política e de gestão”).
A sustentabilidade acabou por ser um dos temas centrais nas variadas alocuções e foi, também, destacada pelo presidente da CNIS.
Depois de ter caracterizado resumidamente o universo das IPSS, lembrando que “sem as instituições sociais os direitos das pessoas seriam menos cumpridos”, o padre Lino Maia citou alguns resultados do estudo elaborado para a CNIS («Importância Económica e Social das IPSS em Portugal») para demonstrar alguns dos constrangimentos que muitas IPSS vivem atualmente.
“A sustentabilidade obriga à responsabilização do Estado. Os trabalhadores das IPSS são mal pagos, já está a haver fuga de trabalhadores e está a ser difícil de recrutar pessoal em algumas zonas do país”, argumentou, sublinhando ainda o outro “grande desafio do Sector Social Solidário”: “A autonomia. As IPSS devem ser julgadas pelo que fazem, pela transparência, pela qualidade do serviço e pela satisfação dos utentes. No entanto, neste momento, não está a ser respeitada a autonomia das instituições”.
Também José Rabaça, da União das Misericórdias Portuguesas, apontou a sustentabilidade como um dos desafios do sector no momento, destacando a “necessidade de formação aos atuais e futuros dirigentes”.
Luís Alberto Silva, presidente da União das Mutualidades Portuguesas, relevou as questões da “representação na diversidade, a capacitação e a inovação social” como caminhos prioritários a percorrer desde já pelo sector e pela CPES.
Já da parte da tarde, após um tradicional almoço, gentileza da Câmara Municipal de Azambuja, onde não faltou o famoso torricado, o bacalhau e as febras, Américo Mendes abordou algumas características da Economia Social em Portugal, através de três casos: IPSS; Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto e organizações de Desenvolvimento Local; e organizações do sector agroflorestal.
Na imensidão de dados que partilhou com a plateia, o coordenador da ATES - Área Transversal de Economia Social, da Universidade Católica/Porto lembrou o peso e a importância das entidades do sector na vida do país.
“Quase 90% do número total de organizações de Economia Social do país (54175 / 61268) correspondem a organizações com as seguintes características: Emanam da iniciativa de comunidades locais; têm uma base territorial infra concelhia; produzem bens e serviços muito ligados a necessidades ou recursos dessas comunidades locais (serviços sociais de proximidade, resposta a situações de emergência, espaços de expressão religiosa, artística, cultural ou desportiva em grupo, ou desenvolvimento local)”, sustentou.
E se anteriormente, Juan Pedreño havia afirmado que “a Economia Social europeia está a viver um momento fascinante”, porque começam a acontecer coisas a nível das instituições da União Europeia, já Salazar Leite, da CASES (Cooperativa António Sérgio para a Economia Social), sublinhou que “vive-se um momento crítico, devido às eleições europeias, mas esperemos que os eurodeputados eleitos saibam defender a Economia Social”.
Para já, “aos poucos, temos conseguido vergar a Comissão Europeia e já há cinco medidas em marcha”.
Já Marco Domingues, presidente da Animar, relevou a importância em medir o impacto do sector: “Os apoios do Estado não são proporcionais ao impacto que a atividade tem na sociedade, porque, para além de todos os números, há pessoas. Precisamos de inovação social, mas o que precisamos de fazer primeiro é uma inovação societal”.
No painel «Visão Parlamentar da Economia Social», os deputados Mercês Borges (PSD), Maria da Luz Rosinha (PS), David Alves (PCP) e Anacoreta Correia (CDS) foram unânimes nos elogios ao sector, variando apenas no entusiasmo, relevando a importância das instituições no apoio, em proximidade, às populações.
Entre parlamentares o debate centrou-se no estatuto fiscal da Economia Social e a que tipo de representação a CPES poderá almejar no Conselho Económico e Social.
David Alves lançou o tema do estatuto fiscal, lembrando que se continua “à espera que o Governo implemente a proposta elaborada pelo grupo de trabalho e que foi entregue em julho de 2017”.
“A Economia Social merece uma diferenciação fiscal e devia mesmo ir-se mais à frente”, defendeu Anacoreta Correia, sustentando que “tudo aponta para que a entrada para a Comissão Permanente de Concertação Social possa acontecer”.
Por seu turno, a social-democrata Mercês Borges indicou que, para além das questões do estatuto fiscal e do financiamento, é preciso “ter voz nas políticas”, considerando que “ter um lugar na Comissão Permanente da Concertação Social é difícil, mas não é impossível e a CPES poderá lá chegar”.
Já Maria da Luz Rosinha vincou que “o Estado tem de intervir de outra forma e apoiar estas instituições que prestam serviços às populações”.
Para a deputada socialista, “a contratualização com o Estado tem que ser positiva para prestar os serviços necessários, que têm que ser de qualidade, e as instituições devem trabalhar com transparência e rigor sem a burocracia do centímetro”.
Já David Alves lembrou que “a diversidade faz a riqueza do sector e a legislação também tem que ser diversa para dar resposta a essa diversidade”, deixando um aviso ao Executivo: “O Governo tem que defender os interesses nacionais numa altura em que a Comissão Europeia quer cortar no apoio à coesão europeia em favor do orçamento militar”.
Na sessão de encerramento, o presidente da CPES revelou que “a sede está quase pronta” e que “organizar e afirmar a Confederação tem sido o trabalho desenvolvido”, reafirmando os quatro grandes objetivos da organização: “Gestão e estruturação organizacional; coesão e afirmação; imagem e comunicação; e representação institucional, interna e externa”.
No entanto, para Manuel dos Santos Gomes, a Comissão Permanente da Concertação Social é, igualmente, um objetivo, tal como ser membro da Social Economy Europe.
Já o ministro do Planeamento, Nélson Sousa, começou por dizer que a Economia Social “é um sector muito relevante no desenvolvimento do país”, frisando que as “entidades da Economia Social são indispensáveis no modelo de desenvolvimento integrado e balanceado do país”.
Na derradeira intervenção da Jornada Nacional de Reflexão da CPES, o Presidente da República considerou que não é possível haver crescimento económico sem “maior coesão social”, salientando que “quem cria riqueza são as pessoas”.
“Precisamos de crescer, e cada vez mais, e crescer cada vez mais de forma sustentada. E precisamos de crescer, garantindo o máximo de homogeneidade social”, ressalvou Marcelo Rebelo de Sousa, alertando: “Se for apenas um sector do nosso país, uma área do nosso país, um território dos que formam Portugal, ou alguns territórios a crescerem muito mais do que os outros e os outros ficarem para trás, isso significa que o todo não está a ir tão longe quanto podia e devia”.
Depois, o Chefe de Estado, referindo-se à Lei de Bases da Economia Social, lembrou que há aspetos que “têm de ser desenvolvidos, regulamentados e aprofundados”, considerando que “ficaram pelo caminho ou então aquilo que foi aprovado para cada uma das categorias de entidades foi ultrapassado pelo tempo”.
Reafirmando a importância da Economia Social, até no processo de descentralização, o Presidente da República defendeu que “as instituições sociais não são uma abstração”.

[n.d.r. - Aquando da publicação da edição de abril, foi conhecido o falecimento do professor Jorge de Sá, que teve sempre um papel presente no processo de criação da CPES e que na Jornada Nacional de Reflexão, da Azambuja, fez a sua última alocução pública sobre algo que lhe era muito caro, a Economia Social e a comunicação. O SOLIDARIEDADE junta-se à onda de pesar e endereça os mais sinceros pêsames à família enlutada].

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2019-04-11



















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