HENRIQUE RODRIGUES

Sobre as sanções

1 - Ressalvadas as devidas proporções e distâncias, o estatuto, no seio da União Europeia, dos diversos países que a compõem é um pouco mais ou menos como o estatuto dos condóminos na propriedade horizontal.

Assim como os condóminos são donos, em propriedade plena, da respectiva fracção autónoma e comproprietários das partes comuns do edifício, também os países permanecem titulares da soberania, relativamente a parte substancial do que são os poderes dos Estados; mas meros comparsas no exercício daquela fracção dos poderes soberanos de que se vão despojando, para os confiar a uma instância que os governa em comum.

É do conhecimento geral que a propriedade horizontal constitui uma fonte expressiva de conflitualidade, na medida em que, muitas vezes, os condóminos não estão de acordo quanto às despesas que a respectiva administração lhes apresenta para pagar: nem quanto ao valor, nem quanto à necessidade.

E não pagam.

Os tribunais estão cheios de processos que têm como origem conflitos conexos com a propriedade horizontal, de tal forma que foi até conferida eficácia executiva às actas das assembleias de condóminos que aprovam a contribuição dos condóminos para as despesas comuns, com o fim de apressar o fim dos litígios.

Como também sabe quem vive numa fracção autónoma – e também o sabe quem não vive -, a administração das partes comuns é da responsabilidade da assembleia dos condóminos – que, ou elege, dentre os condóminos, em regra de forma rotativa, quem exerce a administração; ou a confia a uma empresa especializada, externa aos condóminos.

Neste último caso, as tensões tendem a agravar-se: a administração aparece aos condóminos como uma entidade que lhes é estranha e que tende a empolar as despesas que apresenta para pagamento aos donos das fracções.

É, na verdade, impressionante a frequência com que as administrações dos condomínios decidem que é necessário, por exemplo, reparar os elevadores, não se livrando, em muitos casos, da fama de que as empresas chamadas a facturar tais reparações se encontram em coligação com as empresas de gestão de condomínios que as chamam para o serviço.

 

2 – Na União Europeia, a matriz é semelhante.

Também existe uma espécie de assembleia de condóminos, o Parlamento Europeu, onde têm assento e voto os países, de acordo com a população de cada um – de forma semelhante ao voto por permilagem, nas assembleias dos condóminos.

A Comissão Europeia é a empresa que administra o condomínio.

(É certo que não é eleita pelo Parlamento Europeu, em função da permilagem; sendo antes designada pelos países, no Conselho Europeu, de acordo com os interesses dos mais poderosos.)

Há, no entanto, uma distinção fundamental, em termos de substância, entre a administração de um condomínio e a gestão da casa comum europeia.

Trata-se do âmbito da transferência da propriedade, ou da soberania, para a instância comum.

Enquanto na propriedade horizontal a parcela que a propriedade individual cede à propriedade colectiva é estável, encontrando-se fixada na lei há muitas décadas, no condomínio europeu ela é móvel – mas móvel só num sentido, o do crescimento dessa parcela.

Pelo que leio, subsistem, nos círculos de decisão nacional, duas tendências, ou duas posições, quanto ao desenvolvimento do processo de integração europeia: a dos pequenos passos e a do aprofundamento da integração.

Para os primeiros, o processo de integração é lento e deve ser seguro: só se deve avançar pouco a pouco e à medida que os passos anteriores se forem impregnando na consciência e no dia-a-dia dos cidadãos.

É o que dizem ser a metodologia proposta pelos pais fundadores da então Comunidade Europeia.

Para os segundos, as crises e os conflitos a que vimos assistindo – crise das dívidas soberanas, resgate a alguns países, falências e resolução de bancos, desequilíbrios das balanças, défices, dívida … – só têm remédio em caso de transformações qualitativas do processo de integração, apressando, em passada larga, a transferência de competências e poderes soberanos para as instâncias europeias, diminuindo ainda mais a autonomia dos países quanto à decisão sobre o seu próprio destino.

É a posição hoje largamente dominante na casta dirigente de Bruxelas, Estrasburgo e Frankfurt, bem como nos seus epígonos domésticos, que nos têm governado ao longo da vigência do extinto “arco da governação”.

Há duas posições, ou duas tendências, como disse: mas ambas no mesmo sentido crescente.

 

3 – Ora, se há ideia que os últimos tempos da vida da União Europeia e do seu espaço geográfico e político nos imprimiram como certa foi que os processos de reconfiguração que têm vindo a ser instituídos, pelo menos desde o falido Tratado Constitucional e o Tratado de Lisboa – o do “porreiro, pá!” -, têm merecido o repúdio dos povos europeus, traduzido, quer no abandono pelo Grã-Bretanha do clube, quer na emergência significativa e relevo eleitoral de partidos nacionalistas e xenófobos, quer nos sucessivos referendos, que, onde são realizados – cá, nunca! -, decidem em sentido oposto ao da ortodoxia reinante.

No mesmo sentido, tem-se instalado a ideia, em círculos cada vez mais alargados, de que as instituições europeias, e a respectiva burocracia, se parecem cada vez mais com as empresas de administração de condomínios, contaminando, com a perspectiva dos interesses e privilégios de que beneficiam, a boa gestão dos interesses privativos dos países-condóminos.

Pelo menos daqueles que têm menor permilagem e que, como acontece com todos os mais fracos, ficam sempre à margem das grandes decisões.

 

4 – Bom, ganhámos o conflito quanto às sanções.

Ainda bem!

Para fermento do rancor contra as instituições europeias, já bastaram os 4 anos de “ajustamento”, a que há que somar a avaliação nacional da recente transferência do seu principal responsável, durante dez anos, para “o topo da vida empresarial”.

(Um bom exemplo daquela contaminação pelos interesses privados sobre que escrevi acima …)

O processo das sanções, e o longo arrastamento de ameaças e ralhetes, não terá sido bonito …

Mas, como escreveu, a tal propósito a Drª Manuela Ferreira Leite, “tal como no Euro, o jogo pode não ter sido bonito, mas o que conta é a taça.”

 

Henrique Rodrigues, Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2016-08-04



















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