Os mais pobres entre os pobres

A quadra que atravessamos poderia impulsionar-nos para as habituais palavras de circunstância, repetidas em cada Natal, sem que daí resulte qualquer alteração do nosso comportamento colectivo em torno das problemáticas sociais. 

Entendi não caminhar por aí e, procurando abanar algumas consciências ainda adormecidas em noite de consoada, convidar-vos a reflectir sobre um quadro geral de caracterização das gerações mais velhas em Portugal. 

Nos últimos quarenta anos, Portugal assistiu à duplicação da população idosa, predominantemente feminina, provocando o alargamento do topo da pirâmide etária a um ritmo mais acelerado do que o da população total, sobretudo nas idades mais avançadas. 

Este fenómeno irá acentuar-se nos próximos anos, podendo prever-se que o fenómeno de envelhecimento demográfico se acentue e a população idosa ultrapasse em número a população jovem, entre 2010 e 2015, mantendo-se, ou mesmo acentuando-se, as diferenças entre os sexos, com níveis de envelhecimento mais significativos nas mulheres. 

Para esta projecção influi o facto de os homens idosos serem menos afectados pela viuvez, como consequência da sobremortalidade masculina e, também, pela opção destes de, com maior frequência e mais rapidamente, reconstituírem a família. Estes dois factores, conjugados com a maior frequência do celibato feminino, poderão ajudar a explicar o facto dos homens idosos viverem principalmente com o cônjuge e de as mulheres idosas viverem principalmente sem o cônjuge. 

Mas, este aumento da população idosa obriga-nos a reflectir sobre o seu nível de vida.
Se analisarmos os dados censitários do Instituto Nacional de Estatística, com base no critério de rendimento, que tem em conta as receitas monetárias e não monetárias, vinte por cento de agregados familiares portugueses vivem em situação de pobreza. Destes, 31 por cento são constituídos por famílias com idosos, casais de pessoas de idade, ou idosos a viver sós. À medida que os agregados têm mais pessoas, o índice de pobreza segundo o rendimento tem proporções mais baixas. 

Se nos debruçarmos sobre as condições de vida, outro dos critérios possíveis de adoptar, verificaremos que 23 por cento das famílias nacionais vivem em situação de pobreza. Neste caso, um agregado é tanto mais pobre quanto maior for a acumulação de privações. Também nesta situação, são as famílias de idosos que sofrem mais privações: 50 por cento do universo é constituído por pessoas de idade a viver sós e 32 por cento são casais de idosos. 

A maior parte dos idosos que vivem abaixo do limiar da pobreza são mulheres (seis em cada dez), doentes (quase a totalidade do universo) e com pouca instrução (72 por cento não tem qualquer nível de escolaridade). Estas pessoas vivem em alojamentos com poucas condições: cerca de oito por cento não tem instalações sanitárias em casa e seis por cento vive sem água canalizada, enquanto um por cento não tem água canalizada, electricidade, sistema de esgotos e instalações sanitárias. 

São estes idosos que vão procurar as nossas IPSS na próxima década. É para eles que teremos de nos preparar, para os podermos receber com a dignidade e o respeito que por direito lhes é devido: os mais pobres entre os pobres.

* Membro da Direcção da CNIS

 

Data de introdução: 2005-01-24



















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