DANÇANDO COM A DIFERENÇA, FUNCHAL

Dança contemporânea promove inclusão

Na génese está um propósito educativo e terapêutico capaz de conduzir quem o percorre esse caminho a um melhor desenvolvimento como pessoa, podendo mesmo levá-lo a um patamar… artístico. Promover a inclusão de pessoas portadoras de deficiência através da dança contemporânea é o fito e onde desagua todo o trabalho do Dançando com a Diferença, que nasceu de um projecto no âmbito do Educação Especial no arquipélago da Madeira, mas que se autonomizou, dando origem a uma Associação da qual emergiu um grupo de dança que se movimenta no mercado artístico.
“De 2001 a 2007 isto foi um projecto que funcionou dentro do Governo Regional, mas em 2007 criámos a Associação Dançando com a Diferença, muito por causa das necessidades que sentimos no projecto. Depois de 2007, o Grupo Dançando com a Diferença é um grupo que faz espectáculos, mas que mantém o trabalho de base com os grupos secundários. O grupo que faz espectáculos está no mercado artístico e precisava de uma maior agilidade, como uma companhia de dança, que até aí não tinha e por isso a necessidade de criar a Associação”, explica Henrique Amoedo, mentor e grande impulsionador do projecto desde o seu primeiro mo(vi)mento.
“Este trabalho de dança com pessoas com deficiência, a que chamo de dança inclusiva, começou no Brasil, de onde vim e onde já tinha feito trabalhos semelhantes”, explica, sublinhando o carácter inclusivo do Dançando com a Diferença: “Por filosofia não trabalho só com pessoas com deficiência, porque se fechar a estrutura. Assim, de alguma forma, ia estar a reproduzir o preconceito que existe em relação às pessoas com deficiência. Daí, este ser um projecto aberto a todos e nunca pensado só para pessoas com deficiência”.
Apesar de haver um grupo que é uma autêntica companhia de dança, muito provavelmente a mais importante do arquipélago no que toca à dança contemporânea, o projecto tem desde início a componente educacional e terapêutica, um nível onde a grande maioria dos participantes permanece.
“Temos o grupo que está no mercado artístico, mas todo um trabalho de base é igualmente desenvolvido. Nesse trabalho de base há um foco muito mais educacional e de apoio terapêutico. No grupo que faz espectáculos as pessoas têm que ter as qualidades básicas, têm que ser o máximo autónomas, tenham deficiência ou não, e ainda qualidades artísticas. Nos grupos de base trabalhamos algumas dessas características de autonomia, que é a parte menos visível do projecto. Por exemplo, se tenho que ensinar alguém a andar de autocarro, fazemo-lo, porque isso faz parte da dança… A motivação dessa pessoa está na dança e, por isso, tem que aprender a andar sozinha… Todo esse trabalho em prol da autonomia da pessoa faz parte da dança e do nosso projecto”, explica Henrique Amoedo, que apesar de não ter números concretos, está convicto que já passaram pelo projecto, entre aulas, workshops e outras iniciativas, “mais de mil pessoas”.
“Isto tem um grupo mais ou menos fixo, que varia um pouco de ano para ano, de cerca 100 a 150 pessoas, que fazem as aulas todo o ano. Depois temos eventos e actividades específicas às quais aderem muito mais pessoas”, acrescenta, explicando que “o que interessa neste projecto é a diferença”, revelando: “E hoje essa diferença foi ampliada para além da questão apenas da deficiência… Ou seja, temos pessoas idosas que dançam e pessoas em situação de risco social, por isso abarcamos mais do que apenas pessoas com deficiência. O nosso papel é trabalhar o que cada um tem de capacidades”.
Como dança inclusiva que é, procura dar ferramentas a quem não as tem para poder desenvolver-se e viver melhor.
“A nossa filosofia é trabalhar as capacidades dessas pessoas. Algumas delas, talvez, nunca cheguem a estar em palco, porque é preciso trabalhar um monte de coisas antes. O que interessa é que elas se desenvolvam mais”, sustenta Henrique Amoedo, exemplificando: “Algumas pessoas que fazem parte do elenco têm que viajar e só isso, ou seja, viajar, pegar na mochila e ir para a estrada dançando, faz com que elas sejam muito mais autónomas, porque as obriga a planear o dia”.
E o mais importante nisto tudo, para o líder do Dançando com a Diferença, é que “isso reflecte-se no quotidiano dessas pessoas”, isto é: “A sua forma de estar na escola e em sociedade é diferente e a forma como a sociedade e as pessoas mais próximas as vêem também é diferente. As pessoas já não dizem «a minha vizinha deficiente», mas antes “a minha vizinha que dança”. O olhar é outro e isso faz com que elas se valorizem cada vez mais. Muda a auto-estima, muda a forma de estar em sociedade, de uma forma geral a dança muda tudo na vida deles. A dança passa a ter um papel primordial para muitos deles”.
É nesta perspectiva que nasce a mais recente aposta da Associação, ou seja, o Dançando com a Diferença Sénior.
“Surge num contexto de uma parceria com a Câmara Municipal do Funchal. A autarquia já tem há muitos anos ginásios para a população sénior, onde esta pode fazer diferentes actividades físicas, e nós fizemos uma proposta para eles passarem a ter também dança, em troca da utilização dos espaços. Foi assim que o projecto Sénior começou, muito pequeno e que hoje é quase como que um braço diferente do Grupo, no fundo, é outra hipótese. Já existe desde 2006, formado com pessoas com mais de 55 anos, mas em que temos pessoas dos 57 aos 79 anos… Têm repertório próprio, com criações escolhidas e criadas para eles especificamente. Ainda não conseguimos sair com os seniores, mas é um dos grandes objectivos que temos para o futuro próximo”, conta Henrique Amoedo, que chegou a Portugal para fazer um mestrado em Dança e que, actualmente, realiza um doutoramento.
“Quando decidi que não ia trabalhar mais com educação física, que é a minha formação inicial, e fui estudar dança já o fiz muito direcionado para trabalhar dança com pessoas com deficiência. Vi uma apresentação e encontrei ali um caminho. No fundo, fui estudar dança para trabalhar com pessoas com deficiência. Achei que a dança podia ser um grande recurso para estas pessoas, apesar de muitos puristas acharem que não”, conta Henrique Amoedo, que defende ser este um ano de regresso às origens, porque ao fim de três anos a sobreviver, devido à crise, a aposta vai ser a formação.
“Este ano é altura de voltar à base, de fazer formação do elenco e formação das pessoas de novo. O Dançando com a Diferença também não é imune a este contexto de crise que se vive actualmente… Já há três anos que temos sentido algumas dificuldades”, confessa, refutando que as questões económicas inviabilizem um projecto tão meritório.
“As coisas não se podem perder devido a questões económicas e nestes três últimos anos temos tentado sobreviver. A estrutura é muito menor, tivemos que mandar pessoas embora, mas se tem que ser, que o seja em função do trabalho a desenvolver… E este ano é um ano de formação”, explica, sublinhando: “Vamos apostar novamente em que eles tenham boas aulas, com professores e coreógrafos convidados para testarmos coisas novas e trabalhar muito mais o corpo de cada um”.
É nesse sentido que o Dançando coma Diferença volta a incrementar o intercâmbio com professores, coreógrafos e bailarinos para partilharem os seus conhecimentos com os diversos grupos do Dançando com a Diferença. Joana Laranjeira é a primeira neste novo fôlego do grupo [ver caixa].
E se na Madeira o Dançando com a Diferença é bem conhecido, fora da ilha são os espectáculos que mais visibilidade dão à Associação.
“O Grupo Dançando com a Diferença tem 18 pessoas aptas a fazer espectáculos. Este é um grupo de pessoas que pode representar diversos repertórios. Neste momento, temos 18 pessoas aptas a fazer qualquer repertório e qualquer criação de qualquer coreógrafo. Já temos repertório para um determinado número de bailarinos que o executam, mas temos 18 que podem representar coisas novas”, sustenta Henrique Amoedo, que recorda ser o Grupo Dançando com a Diferença é a companhia residente do Centro de Cultura «Casa das Mudas», na Calheta, local onde são estreados e apresentados os espectáculos, muitos dos quais têm tido apresentação em palcos de outros países.
Neste nível, em que em palco dançam pessoas com e sem deficiência, física ou intelectual, “o que interessa é que público seja tocado pelo objecto artístico apresentado e não pela deficiência da pessoa, que também está lá, pois não há como negar isso”, finaliza.

JOANA LARANJEIRA E A DANÇA AFRO

Joana Laranjeira é a primeira professora convidada em 2014 a trabalhar com o Dançando com a Diferença e cujo trabalho versa a dança afro. Esta não é a primeira experiência da professora, que de formação é psicóloga, com a Associação, mas a anterior fora a outro nível.
“A Joana é alguém que vai trabalhar a área da dança, mas já com toda esta abertura para a questão da diferença. Ela traz a linguagem Afro, que os alunos ainda não tinham conhecido, mas com essa vantagem de já conhecer o grupo. A Joana é a primeira, mas já temos outros convidados para trazer”, introduz Henrique Amoedo.
A escolha por parte da professora convidada tem um propósito mais vasto do que o simples movimento corporal.
“A dança afro é, talvez, das formas de mover o corpo que mais mexe com a parte emocional e, por isso, até pelo conhecimento que já tenho dos elementos do grupo e também por saber que não é apenas comigo que isso acontece, achei que seria engraçado e giro ver de que forma isso também funcionaria com eles”, começa por referir Joana Laranjeira, acrescentando: “A dança afro é muito focada nos elementos da Natureza e a ideia é tentar, através dos elementos água, terra, ar e fogo, conectá-los e percebê-los no nosso corpo. É uma abordagem contemporânea da dança afro e é a minha perspectiva no sentido em que é a minha experiência que tento trazer para o grupo”.
Para Joana Laranjeira, “muitas vezes as limitações de movimento, para além das inerentes à própria doença da pessoa, são consequência de bloqueios mentais, que a dança deve e pode ajudar a desbloquear”, por isso, e apesar de exigir tempo, “o objectivo é fazê-los contactar com o movimento de uma outra forma, fazê-los pensar no movimento, criando outras imagens, que são as da dança afro, e a outras sensações e chegar ao movimento de uma outra forma, procurando mais no interior de cada um”.

Pedro Vasco Oliveira (texto)

 

Data de introdução: 2014-04-14



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...