CLOTILDE FERREIRA

Ensinar ioga aos 88 anos

Mestre Rupa, alter-ego indiano de Clotilde Ferreira, completa 89 anos em Janeiro e é uma das cinco mais antigas professoras de ioga do Mundo. Lecciona no Ginásio Clube Português, em Lisboa, e não pensa em deixar de fazê-lo… “Até poder e os alunos me aceitarem continuarei a dar aulas”, afirma, mantendo a serenidade do rosto sempre embelezado por um sorriso.
Quando o SOLIDARIEDADE foi encontrar Mestre Rupa no sétimo andar do Ginásio Clube Português, a professora andava auxiliada por uma muleta canadiana, na sequência de uma intervenção cirúrgica a uma anca. Mesmo assim, a professora de ioga não deixa de tentar levar uma vida o mais normal possível.
Discípula do Yogi Amrit Desai, foi com a pioneira em Portugal Maria Helena Freitas Branco que decidiu abraçar o ensino da prática da disciplina originária da Índia.
Porém, foi muito antes, quando ainda vivia no Congo Belga, que Clotilde Ferreira se interessou pelo ioga.
“Foi muito interessante, porque uma pessoa com 15 anos que vai para África, para o mato, e fica por lá quatro anos, tem que ser meditativa. Depois, casei-me e conheci um médico que me falou de uma reunião em Bruxelas. Perguntei-lhe o que era isso do ioga ao que ele me respondeu: «Vai ver que vais gostar. É uma reunião de um grupo de pessoas a quem chamam malucos, mas muito fixe, que tenta trazer o ioga para a Europa, adaptado aos ocidentais”, recorda, deixando um alerta: “Fazermos o ioga directo dos indianos é um perigo, porque não temos o corpo preparado, nem a mesma alimentação”.
Clotilde Ferreira, à medida que vai desfiando memórias, deixa alertas e conselhos acerca da arte que lhe tem preenchido e, diríamos, prolongado a qualidade de vida.
Casada com um belga em Leopoldville, conheceu o marido nas idas à universidade capital do Congo Belga, onde fazia exames a Filosofia. Como era muito nova ainda, “tinha apenas 15 anos”, e vivia no mato pediu para lhe atribuírem tarefas, que depois eram testadas na universidade. Em Portugal fizera o sexto ano, no Congo: “Não me formei, mas estudei Filosofia”.
A adesão ao ioga foi imediata, pois os muitos anos de ginasta deram-lhe um “corpo muito flexível” e “os anos do mato o carácter meditativo” necessários.
Os primeiros tempos foram de muito estudo, como que a tentar recuperar tempo perdido… “Depois da ginástica passei para o ioga, de que gostei muito. Integrei-me nesse tal grupo e, depois, voltei para o Congo, onde continuei a interessar-me e até levei livros para estudar melhor… Quando regressei à Europa com 38 anos, já viúva, comecei a fazer ioga para mim e, nessa altura, nunca pensei em ensinar”, conta, assinalando: “Até porque os meus filhos eram pequenos e tinha mas é que os ajudar e não andar para aí a dar aulas”.
Mãe e doméstica, fez ioga por todo o País, “em muitas escolas, a explicar o que era e a minha experiência”, até que foi desafiada para começar a dar aulas, pela professora Maria Helena de Freitas Branco, que disse achar que ela “dava uma boa professora”.
“Eu queria fazer o curso, mas ela disse-me que com os anos que já tinha de ioga podia dar aulas e fazer o curso ao mesmo tempo”, o que fez, frequentando o curso em Bruxelas e em Paris, “onde todos os anos passava uma semana”, relembra Clotilde Ferreira, rematando: “Foi assim que entrei no ioga”.
Quando nos anos 1960 regressou, “o ioga em Portugal era um tabu”, o que não a impediu de trabalhar com todos os professores de ioga que leccionavam na Europa.
Na memória tem uma adaptação difícil em Portugal após regressar do Congo Belga, onde deixou tudo, onde foi a única mulher branca em Leopoldville aquando da entrada dos independentistas, mas pelos qual foi “sempre tratada maravilhosamente bem”.
Clotilde Ferreira não tem dúvidas: “Consegui passar por tudo graças ao ioga”.
E não apenas em termos mentais, fisicamente também, “especialmente devido à respiração”.
“Toda a minha força de vontade, maneira de trabalhar e de estudar devo ao ioga. A maneira de estar, de viver… Muitas vezes perguntam-me se sou vegetariana, o que não sou, como tudo o que o meu corpo pede. Só não como carne vermelha, porque nunca gostei, mas como frango, coelho, pato… Não sou nada fundamentalista, o que o meu corpo pede, eu como”, assevera, recordando que esteve na fundação da União Europeia de Ioga, em 1971, onde foi 39 anos seguidos aos trabalhos.
“No ano passado já não quis ir, porque a organização tem-se desviado da nossa ideia de ioga, já estavam a fazer o ioga ginástica. O corpo é um meio para chegarmos ao mental, isso é que é o ioga. Posso fazer meditações fantásticas e não fazer aquelas posturas mirabolantes. Não se deve forçar o corpo, é preciso respeitá-lo”, lamenta e avisa a Mestre Rupa, que ao longo de décadas dedicadas a esta prática milenar acabou por desenvolver o seu próprio ioga.
Trabalhou com os Mestres Yenghar, Sathyamanda e Satchisananda, tendo-se centrado no Kripalu Ioga e frequentado o Kripalu Center, nos Estados Unidos.
Entretanto, decidiu denominá-lo por Rupa Ioga, justificando-se: “Depois de 48 anos a trabalhar, tenho a base do Kripalu Ioga, mas este já é um ioga meu”.
Nesse sentido, Mestre Rupa desenvolveu uma prática distinta para cada uma das quatro estações do ano, bem como para uma quinta estação, a do Verão de São Martinho. Em cada uma delas trabalha-se partes específicas do corpo, sempre com a respiração como base, tendo em conta a época do ano. Esta prática já levou Clotilde Ferreira a escrever o livro «O Ioga da minha vida», publicado em 2007.
Ouvir Clotilde Ferreira falar é enamorarmo-nos pela vida. No seu pequeno e antigo corpo, sempre com um sorriso simpático estampado no rosto sereno e tranquilo, encontramos uma avó de sonhos…
À beira de fazer 89 anos, Clotilde Ferreira é uma pessoa que não pensa na idade.
“Temos que levar a vida como o dia-a-dia se apresenta… Nunca penso no futuro, porque não vale a pena… O que pode ser o futuro? Estou aqui a falar consigo e daqui a pouco vou dar uma aula, esse é o meu futuro imediato e depois não penso se estou velha, logo se vê”, sublinha, mostrando a sua perplexidade face a outras realidades: “Há pessoas que dizem que com esta idade já devia estar em casa, mas elas não percebem que quanto mais tarde nós pudermos andar melhor, e não é apenas com o ioga, nós temos a sabedoria e a bagagem… É óbvio que hoje não sei o mesmo do que quando comecei”.
Actualmente, Mestre Rupa tem apenas tem duas manhãs livres, mas planeia assim que recuperar da anca totalmente, dispensar uma hora para ajudar numa freguesia vizinha.
“Quando era jovem ajudei sempre os mais velhos e tenho muito carinho pelas pessoas que vivem sozinhas, que morrem sozinhas. É uma tristeza, num mundo dito civilizado, que isso aconteça… É um mundo muito cão este”, lamenta, deixando um conselho aos seniores como ela: “As pessoas precisam de arranjar uma finalidade, para quando deixam de trabalhar não ficarem perdidas, sem saberem o que fazer. É preciso fazer uma actividade qualquer, ajudar os outros, ir para a universidade sénior… Têm é que sair de casa. Há pessoas que passam o dia em pijama, sem sair de casa, e isso é tão triste. Neste momento ainda estou muito activa”.
Para além disto, Mestre Rupa, que prepara um livro sobre a sua experiência em África, ainda lecciona Ioga Pranayama, na Faculdade de Motricidade Humana, a futuros professores de ioga.
“O ioga não tem idade, tenho um aluno que começou aos 80 e passados três anos é outro homem”, deixa em jeito de remate Mestre Rupa.

Pedro Vasco Oliveira (texto e foto)

 

Data de introdução: 2012-12-26



















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