MARIA DA GRAÇA PINTO, COORDENADORA DO PROGRAMA DE ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS PARA SENIORES NA UNIVERSIDADE DO PORTO

A passagem a uma fase pós-laboral da vida tem que ser preparada

É um regresso aos bancos da Universidade. Um regresso aos livros, aos computadores, aos horários e às aulas. Todos eles têm mais do que 55 anos, são todos, pelo menos, licenciados, com muito tempo livre e uma vontade esfomeada de saber. Resolveram regressar à Universidade. Pagaram as propinas de 900 euros para entrar para a Faculdade de Letras do Porto. 

São 37 alunos e estão a frequentar o primeiro curso do Programa de Estudos Universitários para seniores, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. No grupo há juízes, professores, engenheiros, economistas, médicos e enfermeiros entre muitas outras profissões de elite. O mais velho tem 81 anos. São atentos, participativos e bons alunos. Desta turma os professores não têm razões de queixa. …Vão fazer dois anos de curso e, alguns, um terceiro ano de investigação. Têm aulas três dias por semana, sendo que numa delas aprendem novas tecnologias.
Para uns o curso serve para matar o tempo a aprender; para outros o pretexto é o convívio e o exercício mental; para alguns o curso ainda pode servir para um regresso à vida nem que seja através do voluntariado. 

A coordenadora e responsável pelo curso chama-se Maria da Graça Pinto, Professora Catedrática de nomeação definitiva da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, na área da Linguística Aplicada. Em 1984 fez o doutoramento com uma tese em Psicolinguística com o título "Abordagem a alguns aspectos da compreensão verbal na criança. Estudo psicolinguístico genético do Token Test e de materiais de metodologia complementar", distinguida com o Prémio Gulbenkian de Ciência 1986. É membro do Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade do Porto desde o seu doutoramento e foi membro do Instituto de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras do Porto durante a sua existência. Foi Directora Pedagógica do Curso de Português para Estrangeiros organizado pela Faculdade de Letras do Porto até 1997. De 1998 a 2001 exerceu as funções de Vice-Reitora da Universidade do Porto. É responsável pelo Laboratório de Fonética e Psicolinguística. Em Maio de 2004, efectuou, com subsídio da Fundação Calouste Gulbenkian, uma visita de estudo ao Centre for Research on Biological Communication Systems, da University of Toronto at Mississauga, dirigido pelo Prof. Bruce Schneider, com o intuito de trocar impressões e recolher bibliografia no âmbito do estudo da linguagem nos idosos e do "cognitive aging".
Teve a seu cargo a elaboração do programa da 1.ª edição do Programa de Estudos Universitários para Seniores que iniciou em Fevereiro de 2006 na Universidade do Porto, sendo actualmente coordenadora científica do mesmo.
É a propósito desses estudos sobre a linguagem nos idosos e da experiência do Programa de Estudos Universitários Seniores que o Solidariedade a convidou para a grande entrevista da edição de Abril. 

SOLIDARIEDADE - O que é uma universidade sénior?
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Levando a designação à letra podia ser entendida como uma universidade que tivesse um público sénior. Fugindo um pouco à ideia, que está a cair em desuso, da terceira idade. De resto, no estrangeiro já se usa a expressão "de toute age", para todas as idades. A ideia de terceira idade está, de facto, a cair em desuso. Chama-se universidade sénior porque se destina efectivamente aos mais velhos sem que se associem as conotações negativas dos idosos. É uma perspectiva que me agrada porque está em causa uma população que nós tenderíamos a chamar de mais velha, de idosa ou qualquer coisa relacionada com a idade.

SOLIDARIEDADE - A ideia de sénior tem inerente a condição de definitivamente formado… no fundo, é o que todos queremos ser: seniores.
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Mesmo em termos académicos. Os seniores são aqueles que orientam os outros. Ser um sénior significa que pode orientar, pode aconselhar, já tem um estatuto especial. Talvez também ligada à ideia de uma passagem a uma espécie de sabedoria que vem com a idade. É claro que há muitas definições de sabedoria. O que é uma pessoa "sábia"? É aquele que tem o sentido das suas limitações; sabe até onde pode ir; sabe o que sabe, sabe o que não sabe e sabe quais são os seus limites. Esta posição se não é de sabedoria é, pelo menos, de "sageza", apropriando-nos aqui do francesismo.

SOLIDARIEDADE - Mas julga que a designação é adequada?
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Na Europa, no princípio dos anos setenta, surgiu em França a primeira universidade da terceira idade. Eu julgo, e já o disse a alguns colegas estrangeiros, que a ideia da universidade da terceira idade surgiu de forma metafórica, de uma brincadeira, porque a experiência terá aparecido em Toulouse, com um professor que juntou um grupo de pessoas mais velhas, para trabalharem em conjunto com mais novos, resultando daí o "convívio entre" e "colaboração entre". Olhando para o grupo alguém o deverá ter rotulado de "universidade da terceira idade". Deve ter sido assim… Há de qualquer maneira uma rejeição universitária a essa terminologia. Dizem que não se trata de universidade porque essa tem que respeitar três actividades muito importantes: o ensino, a pesquisa e o serviço à comunidade. De acordo com eles, estamos a falar de clubes, associações, academias, institutos, mas universidade não. A ideia do sénior serve para fugir à referência da idade.

SOLIDARIEDADE - Agora já se fala em quarta idade…
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Eu acho que está tudo em causa. A linguagem tem que ser reajustada à realidade. À medida que vamos envelhecendo as idades vão exigindo outros meios. A quarta idade era referida para aquelas pessoas que estavam em situação de dependência. Eu acho que já vamos numa quinta idade.

SOLIDARIEDADE - E essa função social do ensino, da formação, da aprendizagem ou da troca de conhecimentos, ou como lhe quiser chamar… Faz sentido?
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Faz todo o sentido. Todos os estudos vão nessa direcção. Vamos imaginar as pessoas que se reformam muito cedo. O seu estilo de vida muda drasticamente, vendo-se numa situação de não fazer nada, de um momento para o outro. Isto tem implicações profundas. A entrada numa fase pós-laboral da vida tem que ter uma preparação. Nós temos que nos preparar ao longo de vida para esse momento. Quem não se preparou acaba por dar uma queda de uma grande altura. As pessoas ficam condicionadas ao que fazem no dia-a-dia e só pensam naquilo que fazem enquanto profissionais. Naquele momento em que são dispensadas tudo acaba e não sabem o que hão-de fazer a seguir. Não se preparam para aquele momento e podem surgir todo o tipo de situações do ponto de vista psico-fisiológico. Um dos conselhos a reter é durante a vida tentar alcançar um equilíbrio. Se a actividade é sobretudo intelectual deve-se arranjar algo de manual para fazer, e vice-versa. O trabalho manual não deve ser menosprezado. Quem não preparar a sua fase pós-laboral está condenado.

SOLIDARIEDADE - Nesse sentido, que papel é que têm desempenhado as instituições sociais? 
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Há uma oferta da sociedade civil, em termos de instituições, que ofereciam e ainda oferecem variadíssimos cursos, um pouco "à la carte". Uns ligados às artes, outros à literatura, outros aos saberes e tradições e outros de ordem diversa, que contribuem para que as pessoas encontrem momentos para ocuparem a sua vida e ao mesmo tempo fazerem com que o seu exercício mental não pare. Os músculos atrofiam o cérebro também…

SOLIDARIEDADE - Que avaliação faz desse trabalho?
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Tem sido pontual. A primeira universidade da terceira idade surgiu em 1976 em Lisboa e depois houve um lapso imenso de tempo em que nada aconteceu. Nos anos 90 houve uma iniciativa de evocação internacional do idoso que fez desencadear um processo de criação de mais instituições dessa ordem. É evidente que se olharmos para o perfil demográfico do nosso país apercebemo-nos que é nessa altura se dá o envelhecimento mais acelerado da população. Em França surgiu mais cedo. A oferta vem em função da situação. No entanto, a oferta em Portugal tem sido muito pontual. O número de instituições tem aumentado, com formações diversificadas, mas já há pessoas que têm uma exigência grande quando vão à procura desses saberes.

SOLIDARIEDADE - Deve-se então estruturar a oferta?
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Deve diversificar-se para que todos possam encontrar o que procuram.

SOLIDARIEDADE - Não se corre o risco de haver uma quase repetição do modelo tradicional, com níveis como o básico, o médio e o superior?
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Eu não vejo assim a formação das pessoas mais velhas. Elas não buscam da mesma maneira que aqueles que procuram para aprender e aplicar os conhecimentos em termos de mercado de trabalho. Elas procuram um espírito de aprendizagem, querem saber mais, querem questionar o que conhecem e a oferta tem de ser diferente. O formador ou o animador tem que estar atento a esse tipo de público. Tem que haver uma exposição que permita o questionamento. Pode haver situações em que os "formandos" tenham mais conhecimentos do que os formadores. Tem que haver maleabilidade. É a perspectiva da gerontologia. É a possibilidade que se dá de os indivíduos porem à prova a relativização dos conhecimentos. Saber onde está o limite, o questionamento…

SOLIDARIEDADE - O objectivo fundamental da universidade dos seniores é aproveitar o tempo ou recuperar o tempo perdido em actividades profissionais?
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Uma e outra. Este tipo de oferta cobre um desejo que as pessoas têm de poderem abordar matérias que não tiveram oportunidade de contactar antes. Se a sociedade civil prestou um serviço tão valioso ao país, o Estado devia agora olhar para isso e investir nessa área. Todas as iniciativas que se conhecem não foram criadas pelo Estado. Foram feitas por centros sociais, paróquias, instituições e grupos de pessoas. Nunca foram instituições públicas. Normalmente, as universidades prestavam colaboração ao nível de protocolos, cedendo professores e pouco mais. Nunca houve a preocupação de organizar programas. Este da Universidade do Porto é o primeiro. Chama--se Programa de Estudos Universitários para Seniores e pretende provar que nós, enquanto instituição pública, também podemos ter a preocupação com essa faixa etária com mais idade e mais formação.

SOLIDARIEDADE - Esse pode ser um novo mercado….
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Essa não foi a minha preocupação. Admito que, se diminui a procura de um público jovem pode surgir a intenção de colmatar o vazio com os públicos seniores. A minha preocupação foi, acima de tudo, a questão da linguagem na pessoa mais velha. Há estudos que dizem que a linguagem é a faculdade que mais resiste ao longo da vida. Quando vamos ao fundo descobrimos que não é bem assim. A linguagem tem tantas vertentes que algumas escapam aos especialistas. Há muitas competências, todas ligadas ao cérebro no seu todo. Eu tenho uma paixão enorme pela linguagem e nós ainda sabemos muito pouco. Interessa-me o papel da escrita. De uma literacia ou das práticas sociais do uso da escrita. Foram essas preocupações que me levaram a este programa universitário para seniores.

SOLIDARIEDADE - Uma conclusão a que se chega é que estas iniciativas não são tempo perdido…
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Nunca. Na vida nada é tempo perdido. Mesmo quando é só para ocupar o tempo daquelas pessoas que têm medo do isolamento e da solidão. Pode apenas ser uma maneira das pessoas se sentirem ocupadas. E já não é pouco.

SOLIDARIEDADE - Mas não é isso que de uma maneira geral se faz?
MARIA DA GRAÇA PINTO
- Os centros de dia por vezes têm as pessoas e não as ocupam devidamente. O que acontece é que as pessoas se encontram naquilo que a que Jean Piaget chamava o "monólogo colectivo". Elas estão ali umas ao lado das outras. Haveria hipótese, por exemplo, em termos de linguagem, de constituir grupos. Nessas instituições às vezes as pessoas vivem juntas e não se conhecem. Em França fizeram-se algumas iniciativas com esses grupos de linguagem, trazendo-as ao mundo que elas tinham deixado para trás. Trabalhar com a memória, com a linguagem com evocação de termos de uma determinada temática, relocalizá-las, reencontrando o espaço e o tempo em que vivem dando-lhes noção da sua própria identidade. Não é só animação… é uma maneira de essas pessoas se encontrarem consigo próprias através da linguagem. Era também uma maneira de criar empregos, por exemplo dos terapeutas da fala, e preparar profissionais para lidarem com pessoas de idade a todos os níveis.

 

Data de introdução: 2006-04-10



















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