JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

Tarifas de Trump não vão criar nova ordem de comércio internacional

Ainda não sabemos como vai terminar a saga das tarifas aduaneiras de Donald Trump.
Desde logo porque as tarifas foram contestadas nos tribunais americanos por entidades que se julgam prejudicadas com as mesmas.

Em maio, um tribunal americano de comércio internacional declarou ilegais grande parte tarifas impostas pela administração Trump, a qual recorreu para um tribunal de apelo.
Recentemente a decisão do tribunal de apelo confirmou, por sete votos contra quatro, que a administração americana não tem autoridade para usar poderes económicos de emergência para impor tarifas de importação discricionárias e que, como tal, são ilegais.
Contudo, o tribunal de apelo também decidiu não obrigar a retirar as tarifas em vigor até que a administração recorra para o supremo tribunal onde, no plano jurídico, a questão deverá ser finalmente esclarecida.
Embora seja certo que existe atualmente uma larga maioria de juízes ultra conservadores no supremo tribunal, é tudo menos garantido que administração Trump tenha, a este nível, ganho de causa. Saberemos em breve.
De alguma forma a questão jurídica é uma distração.
O que conta verdadeiramente é a intenção da atual administração de criar uma nova ordem de comércio internacional que substitua a atual, ou seja, a que resultou dos consensos forjados nas últimas décadas e que os Trumpistas consideram que prejudica a América. A administração Trump prometeu fazer 90 acordos de comércio em 90 dias, ameaçou tudo e todos com as mais terríveis  consequências  para os que não aceitassem negociar novos tratados de comércio em termos mais favoráveis para os Estados Unidos.
A verdade é que os 90 dias já lá vão e, por junto, o que Trump conseguiu foram acordos preliminares e genéricos (verdadeiros tratados de comércio levam anos a fechar) com o Reino Unido, a União Europeia, o Japão, a Coreia do Sul, a Indonésia, as Filipinas, o Paquistão, a Malásia, a Tailândia e o Vietnam, os quais, no total, poderão representar 40% do comércio do tio Sam.
Por resolver estão os casos quantitativamente e politicamente mais bicudos como sejam a China (está em vigor um período de tréguas para permitir negociações), o México, o Canadá e, mais recentemente, eclodiu um conflito algo estranho com a Índia que está temporariamente sujeita a um regime de 50 % de direitos de importação.
Mesmo os acordos preliminares e genéricos que estão em vigor valem menos que o papel em que foram escritos. Basta que um dia destes, um qualquer motivo, eventualmente fútil, mas de conveniência política imediata, leve Donald Trump a dizer que as regras afinal são outras. Veja-se a propósito o que aconteceu com a Índia que, com base no argumento de que compra petróleo à Rússia, foi subitamente sujeita a um regime especial de tarifas claramente punitivas. Curiosamente a China importa muito mais petróleo russo do que a Índia, mas, até ver, os chineses estão absolvidos do pecadilho. Como diz o povo, forte com os fracos, fraco com os fortes.
Mas vamos ser generosos e admitir que os acordos preliminares e genéricos que já foram rubricados são para levar a sério. Indicia o que já se viu uma qualquer ordem nova? Um mundo novo, essencialmente diferente, em que, segundo a visão distópica dos populistas, a América seja finalmente respeitada pelos parceiros comerciais?
De todo!
Excluindo o aço e o alumínio (ainda um dia haverei de perceber esta obsessão dos ditadores e dos candidatos a ditadores pelos metais básicos), que vão continuar a ter direitos de importação mais elevados, do que temos visto, nos acordos que já estão “celebrados”, as tarifas genéricas andam na casa dos 10/15%, com muitas exceções pelo meio, isenções de um lado e do outro (a isenção sobre a cortiça, por exemplo, é muito positiva para Portugal) e pormenores, que são “pormaiores”, como a obrigação de investimentos massivos nos Estados Unidos, sobre os quais as interpretações das partes são completamente divergentes.
É verdade que as tarifas atualmente em vigor são bem mais elevadas do que as do passado recente, contudo, é duvidoso que sejam suficientes para uma qualquer reorientação massiva das rotas do comércio internacional.
Mesmo uma tarifa de 15% pode, em determinadas circunstâncias, ser absorvida pelo sistema sem grandes disrupções quer na América quer no resto do mundo.
As empresas que exportam para os Estados Unidos têm interesse rem segurar a sua quota de mercado e estarão naturalmente dispostas a prescindir de um pouco das suas margens. Se, como é expectável, a moeda dos exportadores desvalorizar ainda que marginalmente em relação ao dólar o sacrifício de margem pode até não ser muito grande. Os distribuidores americanos dos produtos importados também têm interesse em manter o negócio e também poderão aqui e ali fazer algum sacrifício de margem. Finalmente os consumidores americanos acabarão por pagar o essencial da fatura na forma de produtos importados mais caros.
A ideia que Donald Trump vendeu aos americanos de que as tarifas serão pagas pelos estrangeiros é completamente absurda. Embora não seja possível avaliar quantitativamente o sacrifício de margem pelos exportadores (nos casos em que exista!), essa será a única parte das tarifas “paga” por não residentes. Como é óbvio o grande peso das tarifas será suportado pelos consumidores americanos sob a forma de preços mais altos. Na prática as tarifas vão funcionar como um imposto indireto sobre o consumo.
Acredito que veremos muito poucos casos em que empresas decidam mudar a produção para os Estados Unidos para evitar as tarifas, como também não serão muitas as situações em que exportadores deste nosso vasto mundo “desistam” do mercado americano e procurem outras paragens mais previsíveis para colocar os seus produtos. A economia americana continua a valer cerca de um quarto da economia global e o seu mercado interno é demasiado importante para muitas empresas…
Se um dia a poeira assentar – o que não podemos dar por garantido enquanto os Estados Unidos forem governados por um lunático narcisista e ignorante – o que veremos é um mundo em que eventualmente o comércio internacional com a América diminua um pouco, um deficit comercial americano que vai mudar apenas marginalmente e, para desgraça de todos, uma economia global a crescer um pouco menos do que seria possível em circunstâncias mais avisadas.
Como diz um poema da bíblia não há nada de novo debaixo do sol. Já vimos este filme há cerca de cem anos e os resultados foram desastrosos. Felizmente, até ver, ninguém pensou em retaliações massivas e abrir uma guerra comercial em que todos sairiam a perder.
Façamos figas para que assim continue.

 

Data de introdução: 2025-09-09



















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