EUGÉNIO FONSECA

Emudeceu-se a voz mais sonante e credível da fraternidade

Embora consciente de que “o Solidariedade” é um jornal isento de qualquer ideologia, de influências político-partidárias ou de qualquer proselitismo religioso, não posso deixar de prestar o meu profundo tributo ao Papa Francisco. Penso que foi um personagem mundial que não deixou ninguém indiferente, o que é, desde logo, uma qualidade. Houve quem sintonizasse com o seu pensamento e atitudes e outros não. Não serei tendencioso se afirmar que aumentou a empatia e simpatia de uma miríade de pessoas pela Igreja Católica. A simplicidade, a coerência, a clareza de pensamento, a humildade, a generosidade, a paciência, a coragem, o respeito pelo outro. Outros atributos poderia indicar, mas estes são os que considero mais evidentes. Também não serei exagerado se afirmar que partiu deste mundo o maior Profeta da Paz e Estadista do primeiro quartel deste século.

Francisco foi um Papa com uma ligação intrínseca ao povo, com particular apreço por aqueles que existiam nas periferias territoriais e existenciais. Cada pessoa faz a leitura de qualquer acontecimento de acordo com o posicionamento existencial em que se situa. Os crentes fazem-no conforme a fé que professam. Sou cristão. Acredito no Deus revelado por Jesus Cristo. Para mim, não há acasos, mas “Deocidências”. Confesso que, apesar da fragilíssima saúde de Francisco, considerei que ele ter ido dar a bênção “urbi et orbi” foi um esforço consentido, dado tratar-se do dia mais importante para os cristãos e, com a sua presença, dar mais força à mensagem que escreveu, mas lida pelo mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias. Nunca pensei é que viesse, no papamóvel, à Praça de S. Pedro para passar entre as pessoas. Ao saber da sua morte pensei neste gesto e concluí: Com o povo até ao fim.

Foi o povo e a criação das suas condições de existência que mobilizaram boa parte do seu pontificado. Lembro algumas: as alterações climáticas; as mais de 50 guerras a deflagrarem no mundo, com grande angústia que sentia pelas que envolvem a Rússia e Ucrânia, Israel e a Palestina; o diálogo inter-religioso como condição fundamental para a construção da paz; o drama calamitoso dos imigrantes; o modelo vigente de “economia que mata”, porque gera desigualdades sociais e assimetrias miseráveis entre países desenvolvidos e aqueles em que ainda se morre, diariamente, de fome. O seu sonho era um mundo onde todos se sentissem irmãos. Sobre todas as suas preocupações, o Papa Francisco deixou escritos impactantes que têm de continuar a ser aprofundados. Sobre o seu sonho, que referi, deixou a Carta Encíclica Fratelli Tutti (Todos Irmãos). Não tenho a certeza, mas julgo que já o referi num dos meus textos. Se assim foi, não importa retomá-lo, pois há sempre algo de novo a reter.

Muitas vezes falou dos descartados deste mundo que são todos aqueles que vivem nas margens existenciais da vida, sejam elas territoriais ou existenciais, outro conceito que adotou no seu léxico. São aqueles que chamamos de pessoas em situação de pobreza, de exclusão social ou afastados, porque fazem opções diferentes do que está normalizado (20). A solidariedade foi um dos valores mais reclamados por Francisco que a considerou uma virtude moral, mas também um comportamento social que se alcança de uma conversão de personalidades egoístas para preocupações com os outros. Reconheceu que a sua eficácia dependia de uma multiplicidade de gente que detém responsabilidades de caráter educativo e formativo (114). Ao recordar este desiderato do Papa, o meu pensamento foi para os milhares de dirigentes das IPSS do nosso país. A todos eles lembro um alerta deixado na Fratelli Tutti: que a solidariedade se manifesta no serviço e de variadas formas; Servir é cuidar de todos os frágeis sem exclusão de ninguém; O serviço põe de parte os nossos interesses e fixa-se no outro, até “padece” com ele e procura a sua promoção; O serviço nunca é ideológico, porque não servimos ideias, mas pessoas (115). A cultura do encontro foi um dos maiores desígnios de Bergoglio. Apesar de tantas discordâncias, a vida não deixa de ser a arte do encontro. Ele compara a vida em sociedade a um poliedro onde as diferenças poderão ser integradas, enriquecendo-a, mesmo que possa haver discussões e desconfianças. De todos se pode aprender, ninguém é inútil (215). Outra grande causa de Francisco era o diálogo como forma mais apropriada para se alcançar o que sempre deve ser respeitado e está para além do consenso ocasional. Um diálogo enriquecido por razões, por argumentos racionais, por contribuições de diversos pontos de vista, que não exclui a possibilidade de chegar a algumas verdades fundamentais que devem ser sempre defendidas. Aceitar que há valores intocáveis, dá solidez e estabilidade a uma ética social. Mesmo que progrida a compreensão que temos do significado e importância, desses valores, o consenso é uma realidade dinâmica, mas, em si mesmos, esses valores são apreciados como estáveis pelo seu sentido intrínseco (211).

Da Carta Encíclica da qual retirei alguns pouquíssimos pensamentos do Papa Francisco, julguei que poderiam ser os mais adequados à reflexão de quem integra as nossas IPSS. Uma das formas de agradecer o legado que nos deixou, seria ler este documento.

Obrigado Papa Francisco pelo que fostes e pelo muito que fizeste. 

 

Data de introdução: 2025-05-08



















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