BÁRBARA BARROS, PRESIDENTE DO BANCO ALIMENTAR, PORTO

A nossa missão é a luta contra o desperdício

Bárbara Barros é presidente do Banco Alimentar Contra a Fome do Porto há um ano. Já fazia parte da direção e, por isso, considera que lhe cabe fazer um trabalho de continuidade. Mas não dispensa as mudanças estruturais que levem a um maior e mais eficaz apoio às cerca de 300 instituições que ajudam a mitigar as dificuldades de cerca de 58 mil pessoas do distrito do Porto. Por isso, está a fazer a radiografia ao processo de recolha e distribuição de alimentos. Bárbara Barros convidou a Universidade Católica para a elaboração de um estudo que envolve os parceiros do Banco Alimentar. Como diz, é uma acreditação não uma fiscalização. Os resultados devem ser conhecidos dentro de dois meses. A presidente acredita que daqui a um ano haverá melhorias substanciais no funcionamento da máquina da solidariedade.
Bárbara Barros tem 51 anos, é licenciada em Ciências Farmacêuticas, encontra-se ligada ao Banco Alimentar desde 2018, com funções na direção e, desde 2010, como voluntária. Desde há um ano é presidente do Banco Alimentar Contra a Fome do Porto

SOLIDARIEDADE - Há quanto tempo é que agarrou o projeto do Banco Alimentar?
BÁRBARA BARROS - Eu sou voluntária talvez desde os 12 anos. No entanto, fui tendo a responsabilidade cada vez mais acrescida dentro do voluntariado em que estava inserida, num grupo paroquial, até que cheguei à direção do Banco Alimentar do Porto, há cinco anos. Participei na direção anterior e embarquei, há um ano, ao leme deste navio maravilhoso.

E neste ano já fez muitas mudanças ou trata-se de uma continuidade?
É uma continuidade numa casa que foi arrumada e que agora tem que ter uma série de melhorias e de alavancagens. Há várias áreas onde estamos a fazer isso: a nível informático e a nível da distribuição dos bens alimentares, por exemplo. Esta direção começou por fazer uma reunião com as 300 instituições que o Banco Alimentar apoia no Porto para explicar as alterações que nós estamos motivados a fazer nestes próximos anos de mandato. Uma das coisas que nós mudámos, em primeiro lugar, foi a distribuição dos bens alimentares. Eram distribuídos de uma maneira muito equitativa e nós achamos que devia ser feita pelo número de elementos do agregado familiar e não igual para todas as famílias. Uma família que tem seis membros e uma outra que tem três não podem receber a mesma quantidade de alimentos. Uma das coisas em que nós estamos muito focados é demonstrar a missão do Banco Alimentar, que não é apenas as duas recolhas em supermercado. A missão é a luta contra o desperdício e através dessa luta, conseguir canalizar os bens que seriam descartados e eliminados, que iriam para o lixo, e torná-los capazes de ser consumidos por famílias que estão neste momento em carência alimentar. É o que estamos a fazer. É lançar esse desafio a toda a nossa comunidade de voluntários. Temos, neste momento, uma equipa de triagem muito forte. De cada vez que entra, por exemplo, um camião com produtos chamamos essa equipa de voluntários ao Banco Alimentar para retirar os produtos que estão estragados separando-os dos que estão bons. É um combate contra o desperdício.

O Banco Alimentar do Porto tem funcionamento autónomo?
Somos 21, todos autónomos, e convergimos todos numa federação que tem a responsabilidade de nos dar o caminho certo, a mesma missão, os mesmos valores. Nós, quando fazemos uma campanha, fazemo-la em conjunto, a nível nacional. É uma marca cada vez com mais transparência e comunicação. E só assim é que nós vemos que este caminho faça sentido. Depois cada banco funciona isoladamente e de acordo com aquilo que acha melhor. A nível nacional, a nível alimentar, nós estamos neste momento a apoiar 400.000 pessoas. Esta missão da luta contra o desperdício veio trazer uma segunda missão complementar. Tem de haver alimentação para as pessoas que precisam de nós. Com esta angariação extra de produtos bons conseguimos aproveitar mais. Na campanha que nós vamos fazer nos dias um, dois e três de dezembro, em supermercados, haverá também recolha de produtos de outros angariadores e de outros doadores. Temos uma equipa de voluntários especialista em angariar bens alimentares. Uns na luta contra o desperdício e outros nas empresas que são os nossos mecenas, os nossos benfeitores, nossos doadores. É assim que ampliamos o cabaz que damos a cada família por mês. E isso é para nós fundamental.

Considera que o processo de distribuição às instituições pode melhorar?
A nossa área de intervenção aqui no Porto é o distrito, em 17 concelhos. Nós temos estimada a ajuda a cerca de 55.000 pessoas. O número já foi mais alto, já foi mais baixo, agora está a subir outra vez. Estamos a fazer um estudo com a Universidade Católica para perceber como podemos melhorar. Nós temos uma parceria muito próxima com as instituições que nós apoiamos e essa proximidade garante que a comunicação, a transparência e a crítica construtiva existe. As instituições exigem de nós mais responsabilidade, por exemplo, mais rapidez na distribuição. Então fomos fazer medidas, métricas, e com ajuda informática, neste momento, não há ninguém que se queixe do tempo que fica à espera para vir buscar os alimentos ao Banco Alimentar. Há instituições com algumas dificuldades financeiras, isto está a apertar para toda a gente. Nós tentamos ajudar em várias dimensões. O transporte, por exemplo. Antigamente era feito pelas instituições. O que nós estamos a fazer é transferir para empresas, e temos empresas no ramo farmacêutico, no ramo alimentar, empresas de transporte, empresas de aluguer de automóveis, tudo a trabalhar connosco. Temos conseguido fazer com que haja apoios de quem vem com as instituições buscar os alimentos. Por exemplo, as juntas de freguesia, as autarquias que apoiam a nível logístico, na despesa dos combustíveis. O Banco Alimentar é uma possibilidade de se fazer tudo isto em conjunto com muita gente: são os voluntários, são as instituições, são os beneficiários, são os benfeitores, são os doadores, são as empresas agroalimentares que nos pagam todo o desperdício, que iria para o lixo, e que nós recuperamos e damos a essas pessoas. Não era possível um Banco Alimentar existir sem estas partilhas todas.

A solidariedade dos portugueses continua inesgotável?
Sim, mas vai mudando. Nós vimos na Covid uma solidariedade como uma onda monumental. Depois veio a guerra e houve uma nova onda. Neste momento as pessoas já estão cansadas. Os preços estão mais altos, o nível de vida subiu, não é tão fácil, mas continuamos a ter as empresas a olharem para nós de uma maneira muito credível. As pessoas que nos querem ajudar exigem muito mais de nós do que exigiam há algum tempo. Exigem transparência e exigem que esta cadeia do donativo que começa neles tem de acabar mesmo na família que precisa. E nós temos que garantir que isso acontece. E só pode ser feito com uma proximidade total com as instituições. Nós não existiríamos sem as instituições sociais. Elas estão de parabéns.

E sem os voluntários também não... 
E também há oscilações da disponibilidade. Agora começou o ano letivo. Baixou um bocadinho o número dos voluntários, mas nós continuamos a ter cerca de 300, 340.   Toda a distribuição é feita só por voluntários. Nós não vamos despedir ninguém porque assim permite aos funcionários do Banco Alimentar terem outro tipo de atividades que não tinham até então: angariar mais, ir buscar alimentos mais longe, melhorar a nível logístico todo este funcionamento. Eu acho que isto é uma festa, uma magia, uma missão muito bonita que não era possível fazer sem os voluntários. Vamos agora para uma campanha e aí envolvemos mais de seis mil voluntários que se disponibilizaram a estar connosco nas lojas, a fazer os transportes e no armazém a arrumar e a separar os alimentos. É esta a dimensão da solidariedade e está meio escondida.

Ainda assim, considera que é possível melhorar. E daí que estejam a fazer um estudo em parceria com a Universidade Católica. Consiste em quê?
Com este aumento de pedidos de apoio, com este aumento de necessidade de alimentos e pesquisa de novos doadores de alimentos, tínhamos que arranjar uma maneira, com todas as instituições, de que não haja dúvidas: o alimento que é dado por A chega ao beneficiário B. Nós já fazemos um tipo de acompanhamento muito próximo, com visitas às instituições, através de uma equipa de voluntários que é formada pelo Serviço Social. E fazemos a chamada da instituição ao Banco Alimentar para mostrar os processos, fazer com que haja cumplicidade e isso promove melhorias no Banco Alimentar. Mas para nós não era ainda suficiente. Concebemos o projeto que nós chamamos de acreditação das instituições que não se pode confundir com fiscalização. É uma parceria mais coesa, de mais proximidade, a fazer um levantamento socioeconómico, juntamente com toda a avaliação normal que nós já temos da instituição. Isto não é para excluir ninguém, não é para dizer tu estás a trabalhar bem ou mal, é para melhorar. Esta acreditação garante a ampliação do leque de apoio que nos é solicitado.

Estão a aumentar os pedidos?
Eu acho que neste momento o Banco Alimentar do Porto tem mais pedidos do que na altura da Covid-19. Está a aumentar a pobreza envergonhada, pessoas que estão a trabalhar, que recebem um salário mínimo e que, de repente, não conseguem pagar a renda da casa. Nós temos que arranjar espaço para estas pessoas também. Esta parceria com a Universidade Católica vai-nos ajudar a fazer esta este arranjo analítico no final e melhorar o funcionamento, também das instituições. Foi comunicado o estudo às 300 instituições e não houve qualquer dificuldade nem resistência. Eu acho que elas entendem que quanto mais transparentes nós formos, quanto mais coesa e cooperada for esta resposta social, mais beneméritos, mais benfeitores, mais doadores vão existir.

Quando é que haverá conclusões deste estudo?
No final deste ano, em princípio. Não podemos pedir às instituições um tempo muito curto de resposta, porque elas também estão apertadas em todos os outros processos logísticos que têm. Portanto, o primeiro passo já foi dado, foi enviado um email para todas. Está toda a gente a responder. Nós vamos acabar as respostas todas. Passaremos depois o resultado à Católica, que juntamente com o Banco Alimentar, irá fazer esta acreditação, este acompanhamento das comunidades. Eu penso que daqui a um ano estaremos a trabalhar de uma maneira muito mais eficaz, muito mais cooperativa e colaborativa também, olhando uns para os outros.

Como é que se mede um resultado positivo no âmbito do trabalho de um banco alimentar?
E eu acho que o trabalho positivo é medido no aumento do cabaz, por exemplo. Nós, antes da Covid, tínhamos um cabaz de 18 quilos. Neste momento, este mês, vai voltar a ser um cabaz de 18 quilos. As empresas perceberam que o desperdício alimentar tem uma solução. Havia empresas com medo de lidarem com os excedentes em termos de comunicação, de influência nas vendas... Nós temos uma abertura diferente para os prazos de validade, temos uma abertura diferente para aquilo que tem que ser consumido na data ou que pode ser prolongado mais um bocadinho. E por isso este aumento de cabazes e aumento da doação de frescos que são produtos que rapidamente se degradam. Nós não podemos medir lucros aqui.  Quando há lucro ele é investido de imediato. 

O que mais a fascina? A gestão ou o trabalho social?
Eu sou farmacêutica. O que eu fiz na minha vida toda foi gerir farmácias. Tive sempre a imposição de gestão, mas eu recebi uma educação em casa, através das guias, dos escuteiros, das paróquias, das catequeses que integrou no meu caráter, na minha personalidade, no meu ser, esta coisa de olhar para o lado, de ver os outros felizes, de ajudar os outros. Quando eu entrei, aos 12 anos, no Banco Alimentar, fascinou-me a quantidade de pessoas a ajudar e a serem ajudadas, sem aquele olhar de julgamento. Fascinaram-me as pessoas que, com muito pouco, dão aquilo que conseguem. Agora sou presidente do Banco Alimentar do Porto, sou voluntária e estou aqui para trabalhar. Para mim é uma honra gigante esta responsabilidade. Como é que é possível ver tanta gente nesta área de repente reunida a dar só porque quer dar? Como é que é possível 300 pessoas todos os meses gastarem tempo, gastarem gasolina para virem para aqui trabalhar? Portugal é mesmo um povo solidário.

V.M. Pinto – Texto e fotos

 

Data de introdução: 2023-11-08



















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