1. No decurso da história da Pátria, antes do mais, a solidariedade social sempre foi a expressão de um dever e de uma vocação da sociedade e das suas organizações. Uma prática multissecular que lhes conferiu uma competência e uma ciência que não têm concorrentes e que se consolidou numa proteção social direta assegurada por uma rede de entidades e instituições de natureza particular, fora do perímetro do Estado ou de outras entidades públicas e concretizada pela entidade mais próxima, numa escala territorial, e pelos corpos intermédios, antes da esfera pública, no que respeita à natureza das organizações.
Quando o Estado "despertou" para a proteção social direta já ela vinha sendo assumida pela comunidade que, fazendo como sua aventura a sorte do seu próximo, no exercício da cidadania, se foi organizando na proximidade e na subsidiariedade, ancorando caridade, gratuitidade e solidariedade, com inovação, envolvência e opção preferencial pelos mais carenciados.
Ao acordar para a proteção social direta, o Estado poderia nacionalizar as muitas expressões e equipamentos já então existentes mas não o fez porque tal seria frustrar uma das caraterísticas de excelência da comunidade nacional. Preferiu valorizar a expressão e a vocação da sociedade e das suas organizações e, com os meios ao seu dispor, assumiu as suas competências de apoiar, regular, suprir e universalizar.
Nesse sentido, por sua iniciativa ou correspondendo ao que lhe era solicitado, confiou algo do pouco que desenvolvia ao Sector Solidário, multiplicou acordos de cooperação, típicos e atípicos, promoveu concursos para novas respostas sociais e para o alargamento e a beneficiação da rede de equipamentos sociais e celebrou um Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social.
Hoje, por direito próprio, em colaboração com os serviços públicos, essa rede integra o sistema nacional de proteção social, constituindo uma componente essencial do Estado Social.
2. O Setor Social Solidário não só foi crescendo exponencialmente em número de Instituições constituídas (em atividade são perto de 5.000), como, pela sua distribuição por todo o território e junto das comunidades em que estão inseridas, passou a assumir uma importância social e económica de elevado relevo. Prestando serviço público, as Instituições atuam à maneira de empresas sociais em que o lucro é o crescimento integral das pessoas que são os seus utentes. O Sector está implantado, organizado e solidificado. E é responsável por 67% dos equipamentos com respostas sociais.
São associações, cooperativas, fundações ou mutualidades de solidariedade social, centros sociais paroquiais, institutos de organização religiosa ou misericórdias, com respostas para acolhimento institucional para crianças e jovens em perigo, de alojamento social de emergência, cantinas sociais, casas abrigo, centros (de acolhimento, de convívio, de dia e de noite para pessoas idosas, de apoio à vida e a toxicodependentes, de apoio familiar e aconselhamento parental, comunitários e protocolares, de atividades ocupacionais e de tempos livres), creches, cuidados continuados integrados, jardins de infância, lares (de infância, juventude ou pessoas idosas), serviços de apoio domiciliário... Na área da deficiência, por exemplo, quase tudo o que se faz entre nós, que é muito e é muito bom, é da responsabilidade direta destas Instituições.
São organizações de uma comunidade que se envolve e não se desmobiliza e que, nos momentos de crise, se comporta de uma forma expansionista e em contraciclo, se comparada com os outros sectores tradicionais da economia e com outras sociedades. São economia das pessoas e para as pessoas, com abordagem mais humanista, mais próxima e mais benéfica para os cidadãos, sobretudo, os que vivem situações de maior fragilidade social. Também muito menos dispendiosa para o Estado.
3. Sustentar políticas que visem o combate à pobreza e um melhor futuro para todos e a promoção da igualdade de oportunidades e da plena cidadania é competência inalienável de um Estado que se quer Social.
Seria suicidária a inversão do caminho percorrido na Cooperação. Nem isso é tão-pouco equacionado.
Mas, hoje e sempre, haverá possibilidades de aplanar caminhos e endireitar veredas. O presente exige estabilidade e previsibilidade pelo que, na promoção do bem comum, os acordos já celebrados entre o Estado e as Instituições, eventualmente reajustados, jamais poderão ser postos em causa. E porque o futuro da pessoa toda e de todas as pessoas desafia sempre respostas inovadoras certamente novos acordos típicos e atípicos serão celebrados correspondendo ao engenho e à arte das Instituições e dos inovadores.
Mas nunca o Estado se poderá demitir da sua função de sustentar políticas sociais e de universalizar direitos para que ninguém se conforme a ficar para trás. Pelo que, na fidelidade ao Pacto de Cooperação, o Estado deverá assumir a tarefa de promover concursos para requalificar o que urge ser requalificado, para implementar novos serviços ou novas medidas ou para alargar territorialmente respostas sociais. Ultrapassando conjunturas de afetos, ideologias ou concentrações. E acautelando e respeitando sempre a capilaridade, a proximidade, a sustentabilidade e os recursos das Instituições de Solidariedade.
Lino Maia, presidente da CNIS
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