OPINIÃO

25 de Abril – 40 anos

1- Para as pessoas da minha geração, a simples evocação do mês de Abril faz vibrar algumas das invisíveis – mas sensíveis - cordas que, todavia, trazemos dentro do peito, do lado do coração.
Creio que para isso concorrem duas razões: a primeira, porque o 25 de Abril representou, de facto, uma nova forma de respirar, livre e alvoroçada, cortando com o país cinzento, ensimesmado e bisonho que era o nosso antes desse dia inicial; a outra, porque quem tinha em Abril de 1974 cerca de vinte ou vinte e poucos anos pôde juntar a esperança dessa renovação do seu País com os sonhos e a ousadia que marcam sempre os tempos da juventude.
Em Abril de 1974 tudo era possível … Ou parecia …
O futuro estava ao alcance da mão.
Claro que a festa não podia durar sempre, nem era bom que durasse.
A euforia que normalmente segue as revoluções, os poderes que muitas vezes os revolucionários atribuem a si próprios, sem controlo e sem freio, a deriva febril das vanguardas, com frequência fazem descambar revoltas ou revoluções em si virtuosas e desejadas para comportamentos arbitrários ou novas ditaduras.
Não foi, felizmente, o nosso caso, e também isso devemos levar ao crédito destes 40 anos: não obstante alguma perturbação no período inicial, no primeiro ano e meio, mais ou menos, o certo é que o regime em breve se acomodou nas regras e nas virtudes do sufrágio popular como fonte de legitimidade do exercício do poder político, confiando ao povo e ao voto a origem das instituições e o comando do País.
Em paz e sossego, como convém.
Quando hoje, 40 anos passados, me ponho a olhar para trás, a pensar no que mudou, desse país que conheci como jovem adulto, para este onde vivo, já na hoje chamada “geração grisalha” – ou “peste grisalha”, como lhe chamou um deputado da Guarda da actual maioria parlamentar, adepto de soluções radicais -, é essa a primeira e essencial diferença que me acode: a gente vota, e com o voto castiga ou premeia.
Despede Governos – e admite Governos.
(Por exemplo: eu nunca votaria no tal deputado da Guarda; que espero seja excluído das listas para as eleições de 2015 … Não merece ser deputado do povo)

2 - Não era assim até ao Abril que agora celebramos.
Ainda recordo a minha primeira experiência eleitoral.
Tinha 6 anos; melhor, fazia 6 anos nesse mesmo dia, o dia em que fui, pela mão do meu Pai, até à mesa de voto na Junta de Freguesia de Ermesinde, onde ele ia votar para eleger o Presidente da República – aquelas eleições a que concorreu, contra Salazar e o Estado Novo, o General Huberto Delgado, depois fraudulentamente espoliado da vitória que obteve nas urnas.
Creio que o facto de a memória desse episódio persistir se deve mais ao dia de aniversário diferente do que às eleições propriamente ditas – mas a gente sabe lá dos desvãos e dos caminhos por onde circulam e de onde regressam as nossas recordações …
Nas eleições para a Assembleia Nacional, em 1969, tinha eu já 17 anos.
No distrito do Porto, para além da lista do Regime, da ANP – Acção Nacional Popular -, concorreram duas listas da chamada Oposição Democrática: a CDE (Comissão Democrática Eleitoral), uma lista frentista controlada pelo PCP; e a CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática), com candidatos que, poucos anos mais tarde, entraram na fundação do PS e do PSD.
O que recordo do dia dessas eleições – legislativas, como hoje se diria – foi ter estado com o meu amigo Diomar a distribuir os boletins do voto das duas listas da Oposição, nas escadas da antiga Igreja de Ermesinde.
(Então eram as candidaturas que tratavam das listas, o que permitia mais facilmente aos elementos da Situação presentes das mesas de voto controlar em quem se votava, já que as listas raramente eram de papel com a mesma textura ou tom.)
As últimas eleições que recordo, antes do 25 de Abril, foram em 1973 – e eu já com 21 anos.
Ainda passei pela Junta de Freguesia de Ermesinde, onde funcionava o recenseamento eleitoral, a saber se me podia inscrever para votar.
Disseram-me que não.
Votei, portanto, a primeira vez, quando das eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975.

3 – Nessas eleições, ou pseudo-eleições, que decorreram durante a Ditadura, ninguém tinha ilusões sobre os resultados.
O Regime haveria sempre de apresentar resultados esmagadores em favor da União Nacional ou da sua sucessora, a Acção Nacional Popular: fossem tais resultados verdadeiros, ou fossem, se necessário, forjados.
Todos sabiam que não seria com eleições que se mudaria o Governo, fosse com Salazar, fosse com Marcelo Caetano.
(Com Delgado foi diferente: a mobilização do povo em favor do General foi impressionante, a grande afluência às urnas prenunciava a vitória, pensou-se como possível a viragem.
Por isso a fraude e as chapeladas atingiram um nível nunca antes verificado, sendo hoje unânime a convicção de que Delgado venceu nas urnas.
E também por isso Salazar determinou que não houvesse, depois das eleições de 1958, mais eleições por sufrágio directo para a Presidência da República, tendo Américo Tomás sido reeleito, em 1965 e em 1972, pelo conjunto das duas Câmaras: Assembleia Nacional e Câmara Corporativa.
Sem o povo …)

4 – Depois do 25 de Abril, nos tempos agitados imediatamente a seguir à Revolução, em que a poeira não tinha ainda assentado, tivemos 6 Governos Provisórios: entre Abril de 1974 e Dezembro de 1979.
Em normalidade constitucional, isto é, após as eleições legislativas de 1976, já vamos em 19 Governos diferentes: uma média de 2 anos por Governo.
Em contraponto, só o 3º Governo de Salazar durou de 1936 a 1968 – 32 anos.
E o de Marcello Caetano de 1968 a 1974 – 25 de Abril de 1974.
Até aos dias de hoje, em que já me vão pesando os anos, nunca deixei de sentir um prazer infantil de cada vez que ajudei a despachar um Governo: fosse ele qual fosse.
Mantenho a travessura do anarquista espanhol: “hay Gobierno? Soy contra!”
Mas, ao contrário desse anarquista, eu quero votar.
Dá-me prazer.
Este ano, vamos poder comemorar os 40 anos de democracia da forma como ela mais merece ser comemorada: com eleições.
E assim, em 25 de Maio, lá estarei na minha secção, de cravo vermelho no bolso do casaco, com a alegria de sempre.
É mesmo isso!: 25 de Abril Sempre!

Henrique Rodrigues, Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2014-04-14



















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